sexta-feira, 28 de setembro de 2018

A disputa entre gêneros e a imposição rígida de padrões definidores sobre eles.



-Gabriel Meiller Nunes

O casal tradicional denominado"homem e mulher" muitas vezes, no nosso cotidiano, acaba se tornando "homem x mulher". Em minha vida pessoal no contato com amigas mulheres, ouço constantemente a lamúria de que "homem não presta" e de que são "grossos",  "todos iguais", "esquecidos", "machistas" e etc. Algumas cogitam em se tornarem homoafetivas por causa das crescentes frustrações. Algumas falam "da boca para fora", mas outras cogitam este fato seriamente. De certa forma, devo reconhecer que as mulheres possuem significativa razão no que expressam. Mas, como homem, também devo reconhecer que elas também possuem seus defeitos e parcelas a reconhecerem no fracasso de um relacionamento. Porém, reconheço claramente que os homens, de forma mais geral, tendem a desenvolver mais comportamentos que dificultam um relacionamento do que uma mulher (com base na minha experiência). Digo isto sem grandes generalizações (pois existem uma parcela de homens e mulheres que fogem destas dinâmicas relacionais) e pretendo explicar o porquê dessa guerra de gêneros que se exacerbou ainda mais na nossa sociedade contemporânea ocidental, sendo formada pelo machismo e patriarcalismo dominantes, arraigados nela.

  Os conceitos e estereótipos mais comuns sobre os gêneros, difundidos pela nossa cultura, são: O homem como líder, educado em um ambiente com brincadeiras agressivas e que exigem maior coordenação motora e esforços físicos, formando sua personalidade idealizada e estereotipada pelo imaginário social como alguém forte, racional, frequentador de bares e rápido em se vestir. A indústria infantil de brinquedos incentiva esta formação de gênero através de carrinhos, bolas e bonecos que são usados (ou pelo menos "sugeridamente impostos" no meio social como classificados em "brinquedos masculinos", bem como as cores impostas como "masculinas" sendo azul, preto, vermelho, cinza, etc) e funcionam como uma preparação para a vida adulta do menino. Os carrinhos de brinquedo, por exemplo, já estimulam inconscientemente no menino a noção de consumo automobilístico;  e os outros brinquedos o "conscientizam" de seu papel na sociedade, geralmente de explorador do mundo em suas profissões e estilos de vida, como por exemplo: empresário, jogador de futebol, diplomata, lutador e outras profissões "masculinizadas" pela sociedade, como por exemplo: o pedreiro e a construção civil; coletor de lixo, motorista e outras profissões que exigem maior força e coordenação motora (resguardadas suas devidas excessões de mulheres que exercem estas profissões).

Todo este mundo construído pela sociedade patriarcal ocidental, repleta de construções simbólicas por meio de brinquedos, objetos, calçados, alimentos, desenhos, valores culturais conservadores e religiosos, e pela mídia geral em si... são introjetados no inconsciente da criança e moldam sua forma de pensar e compreender o mundo, e compreendendo este mundo, agindo nele de acordo com suas compreensões. Por exemplo: se um menino cresce com a visão imposta por vários meios de que a cor azul e preta são "cores de homens" e o rosa e amarelo são "cores exclusivamente femininas", muito provavelmente em suas relações ele irá se enxergar em sua sexualidade pela cor e não por sua preferência sexual. E se este garoto usar uma camisa rosa? Como irá se sentir consciente e inconscientemente, visto que suas associações da infância relacionam o rosa ao sexo feminino e à "delicadeza" representada por ele?



Com a conclusão de que o imaginário social é constituido por estas construções padronizadas do gênero masculino, o gênero feminino será construído como oposto ao masculino. Como mostrou detalhadamente Pierre Bourdieu, em sua obra "Dominação Masculina",  relacionando as semelhanças da cultura patriarcal ocidental à cultura da sociedade Cabila, localizada na África. Decorrente desta oposição de gênero, o estereótipo do gênero feminino é difundido simbólica, social, religiosa e psicológicamente como frágil, sensível, passivo, polido, simpático e cuidoso em demasia com a estética. A mulher de forma mais geral, como bem mostrou Bourdieu, utiliza roupas confeccionadas pela indústria da moda, que delimitam seus movimentos e as arrefecem em seus movimentos pelos ambientes. Como as confecções de saias, tamancos, saltos e bolsas, que impedem movimentos mais espaçosos e enérgicos, condicionando-a em um certo tipo de postura. A ideia da mulher como submissa, rainha do lar, procriadora e auxiliadora funcional, faz parte dos mecanismos de domínio da cultura patriarcal judaico-cristã.

     Para além desta dominação da indústria da moda, a mulher assim como o homem, é condicionada em sua formação desde a tenra infância, sendo moldada em suas estruturas inconscientes, através dos pressupostos simbólicos e objéticos apresentados pelo sistema cultural patriarcal. A indústria infantil condiciona as meninas a se enxergarem como sensíveis, meigas, submissas, donas de casa, e preocupadas em demasia com a estética. Brinquedos como bonecas repletas de saltos, vestidos, magras e de cabelos longos, internalizam na pequena mulher um padrão estético aceito pelos desenhos, filmes e séries. As brincadeiras de casinha, bem como o fogão, a vassoura e as maquiagens, também sugerem este padrão de vida recluso e dependente do marido. Orientando a criança a determinado papel social. Todos estes simbolismos vão sendo moldados nas estruturas inconscientes femininas. Isto significa que as crianças estão condenadas ao fatalismo de gênero? De modo algum; em um mundo globalizado, repleto de movimentos alternativos, criticantes e protestantes contra esta cultura patriarcal, percebemos que os padrões enrijecidos estão sendo quebrados e maleados pelos conceitos periféricos de representações de gênero, distribuidos nas indústrias, moda, mídia, etc. Mesmo assim, ainda há uma considerável influência e resquícios desta mentalidade na nossa cultura brasílica, e também ocidental.

     Após falar destas divergências entre as padronizações e imposições de gêneros, dados como opostos entre si, quero concluir, por meio do conceito de Animus e Anima do psicólogo analítico Carl Gustav Jung, os conflitos entre os dois gêneros e sua influência nos casais heterossexuais na sociedade patriarcal ocidental. Segundo Jung, de forma resumida, o Animus representa o lado "masculino" em uma mulher, e a Anima o lado "feminino" no homem, devido  à convivência entre ambos e que aprendem entre si, através dela. Porém, com a polarização e antítese causada pela imposição de um padrão comportamental de gênero, o homem ocidental (de forma geral) acaba reprimindo este lado feminino em si (intuitivo, delicado, sensitivo emocional, e afetivo com outros homens) enquanto a mulher acaba reprimindo o seu lado mais agressivo, dominante, e a não estimulação de melhor desenvolvimento da coordenação motora, através de brincadeiras impostas como "masculinas". Desta forma, as relações entre casais de heterossexuais podem acarretar em desintendimentos na convivência entre o casal por causa desta negação dos lados "femininos" e "masculinos" no casal. O homem que acompanha sua companheira nas compras, torna-se muitas vezes impaciente, pragmático e pouco desenvolvido na apreciação da estética de sua mulher, sendo pouco sensível. Não somete nisto, mas também na área sexual copulativa o homem acaba desenvolvendo uma relação sexual pouco altruísta, direta ao ponto e preocupada em seu exclusivo prazer, como demonstram os vídeos pornográficos guiados por pressupostos machistas, em sua maioria. Embora existam filmes pornográficos alternativos, mas de pouca acessibilidade gratuita ainda.

   A mulher desenvolve conflitos em relações retardatárias nos casos de maridos que não colaboram nas tarefas domésticas e culinárias, sob o pressuposto machista de feminilização de tarefas do lar. Principalmente se a mulher tiver filhos  e/ou trabalhar fora. Em todos estes estereótipos generalizados de relação heterossexual, observo que os protestos de movimentos feministas e outros movimentos alternativos, somado à globalização, têm desempenhado papel fundamental para mudar essa realidade, já constituida como obsolente para muitos casais. Porém, ainda existem numerosos resquícios desta mentalidade, dependendo da região do país, predominante em áreas do interior do país e no Nordeste.