Nossa forma de valorar a qualidade de vida através do que fazemos na pós-modernidade tem sido uma valoração que faria os antigos caírem na gargalhada. Os renascentistas se ofenderiam com nossa loucura desvairada em lidar com o conhecimento de forma tão superficial e desinteressada, tratando tudo e todos como um meio para alcançar o fim: a felicidade. Ou melhor, a ilusão da felicidade por meio do entretenimento globalizado. Este entretenimento globalizado é um frenético movimento de (auto)inovações e (auto)aperfeiçoamentos a todo momento e sem a valoração e medição adequada sobre a necessidade dessa constante mudança e troca de coisas, objetos, cargos, pessoas, etc.
Isso significa que virou um quase extinto para o homem moderno este constante movimento de cultivar a alta performance a todo custo e em todas as áreas. Vemos, por exemplo, academias lotadas pela busca do corpo ideal. Entretanto esta busca é desacompanhada de reflexão mais profunda sobre: condições a longo prazo de manter esse estilo de vida; grau de necessidade da busca deste ideal; consciência das etapas e da disposição energética que será investida nesse caminho trilhado. Constatamos pessoas se formando em universidades, mas não calculando os próximos passos a serem dados ou o fato de não chegarem a completar o curso. Vemos pessoas que se casam, têm filhos e se divorciam, recomeçando o ciclo de forma sistemática como que em instinto. Mas não se questionaram sobre a utilidade ou se de fato querem ter filhos, casar, etc.
Muitos buscam o que buscam pelo fato de uma sugestão midiática e pelas bolhas sociais em que estão. A psicologia das massas do cotidiano fez seu trabalho de pauperizar as ações e reflexões do ser humano que é bombardeado por sugestões de hábitos, desejos e fetiches humanos divulgados pela sociedade de forma marketeira. Estes correm uma corrida dos ratos sem o questionamento principal: "Quero isto de fato ou só estou nesta corrida por ego inflado? Pela vontade desmedida de ganhar e me reafirmar em cima do outro em qualquer área e sob qualquer custo?"
Nossa sociedade é a sociedade do cansaço, pois somos poliatletas em uma enorme maratona com diversas modalidades simultâneas. A felicidade virou obrigação e os requisitos mais básicos precisam ser alcançados por nós: corpo ideal, renda ideal, família ideal, hobbies e forma de se vestir ideal... arre! Para o caralho tudo isso! O ideal mata o real e o cansaço exaure aquele que não exerce o pensamento crítico e pessoal sobre o que quer e para onde irá.
Só poderá ser um bom competidor quem sabe o que de fato quer e por isso reserva tempo e energia ao que deseja e pelo que de fato é movido. Quem deseja o sucesso em tudo não pode alcançar uma alta performance e logo se cansa, sobrecarrega-se e provavelmente não alcançará nada. As redes sociais são desonestas, visto que mostram somente o ideal deturpado de felicidade de alguns, mas não mostra os esforços concentrados e energia exclusiva que estes investiram para chegar até esta posição, muito menos os momentos de crise e agonia pelo qual passaram.
Muitos Sísifos emergem na pós-modernidade, visto que são escravos de suas irreflexões e impulsos. São inferiores ao Sísifo original, pois nem sequer chegam ao cúme do monte com a pedra, visto que cansam antes do trajeto a ser cumprido e decidem um outro trajeto, um outro projeto de vida, motivados pela ilusão de melhoria e do falso aprimoramento.
Somos doutrinados e ensinados a desejar de acordo com as sugestões do meio; sujeitos do desejo razo e impensado. Embora nossa maior área do cérebro seja formada pelas partes responsáveis por decisões emotivas e viscerais, podemos usar as áreas mais racionais para administrar nossos impulsos e desejar com intensidade o que podemos almejar além das meras induções externas e das propagandas que visam manipular e manufaturar o desejo da massa para melhor controlá-la.
É raro hoje em dia o verdadeiro ato de reflexão... em que o indivíduo dedica tempo e cessa tudo o que está fazendo para pensar e traçar planejamentos pessoais de acordo com sua consciência. Hoje a tecnologia e o mundo globalizado podem planejar, desejar e sonhar por nós. Estamos perdendo nossa autonomia em desejar, lutar, pensar e sentir de forma única e subjetiva.
-Gabriel Meiller