sábado, 22 de julho de 2023

Os limites da razão e o Absurdo da fé

 

Toda esta discussão sobre ônus da prova, ateísmo, ceticismo e teísmo estão pautadas sob uma faculdade humana: a razão e a lógica como seu desdobramento. A razão é o trunfo do homo sapiens e motivo pelo qual ele se destacou sob os demais animais e se firmou como um animal especial, teleológico e topo da cadeia animal que possui o planeta em suas mãos. Quem duvidaria disso em sã consciência? Entretanto, essa discussão é limitada e por mais que meus companheiros entusiasmados em se mostrarem sensatos em seus comentários, bem como eu mesmo, estamos sob um alicerce frágil (não para nós) se comparado com todo o restante. Quero dizer com isto que nossa principal faculdade é limitada em suas investigações e a lógica e a razão são subordinadas ao irracional/incompreensível da existência. O absurdo, ilustrado por Camus, nos conscientiza que o tempo todo o homem e sua razão tentam conciliar o universo em si e as suas expectativas e compreensão deste universo. Nossa ciência é a tentativa de entender seu funcionamento e dar sentido a tudo que nos cerca. E estamos tendo êxito nisso, com certeza! Mas isso é o suficiente para assegurar nossa razão como garantia de que entendemos o universo e de que nossa razão explica nossas mais profundas convicções?

Nesta argumentação dos teístas, ateístas e céticos/agnósticos, o que está em pauta além de nosso gosto por afirmar o que pensamos e nossas paixões? Está em pauta a tentativa de demonstrar que entendemos o que é o universo. Mesmo que dentro da nossa lógica existam sub-lógicas que discordam entre si: os ateus teimam que minha posição está incorreta baseada em sua lógica materialista e automaticamente me rotulam como um teísta; sendo que na minha lógica apenas estou formulando que não é possível ter uma segurança em nenhuma tese: a tese que nega e afirma que só há matéria e a mente é um desdobramento dela; e a tese de que existem muitas coisas além da matéria e que a mente é algo além de um desdobramento da matéria.

São lógicas diferentes. Mas existem os fiscais de lógica que se julgam juízes dela e ainda se declaram portadores da ciência e do método científico por serem ateus. E o que o método científico tem de estrita relação com o ateísmo? O ateísmo é um desdobramento do ceticismo, pois afirma o que o ceticismo não afirma; o ceticismo só afirma ser impossível chegar a uma premissa definitiva sobre algo, pois considera o conhecimento como limitado. E isso demonstra o que quero destacar aqui:

A existência é pautada sob irracionalidade e nossa lógica e razão é uma vela no escuro, limitada e capaz de ir e traduzir o mundo pela lógica até certo ponto. Ora, as duas teses de surgimento de tudo são irracionais: tanto de que o Big Bang surgiu do nada, ou de outro universo (indo para um looping infinito de retroativo), tanto quanto a afirmação de que o universo surgiu de uma inteligência criadora que sempre existiu; ambas as teses são, de forma derradeira, um absurdo! Há ainda os que afirmam que a inteligência superior criou o Big Bang; só é uma explicação científica do raciocínio religioso/místico. Continua sendo irracional e absurdo. Desta forma, qualquer tese aceita por qualquer um é absurdo em última instância; mas nosso playground é o deleito em discutir o absurdo e transformá-lo em um jogo de disputas intelectuais. Afinal, somos limitado e estamos destinados à morte; qualquer coisa então é uma distração, uma afirmação de vida e de singularidade. Se eu estou certo ou errado, quem poderia dizer ou bater o martelo? Não será um ateu, não será um teísta ou um mestre de lógica, sendo que em última instância até a lógica se torna inútil nessas discussões.

-Gabriel Meiller

A desconversão e a graça em "cair da graça"



O que dizer sobre os apóstatas do cristianismo? São aqueles que foram salvos da boca do leão, encarnadores da expressão: o que não me mata, me deixa mais forte. Nietzsche reconheceu o lugar de fala de um crítico do cristianismo ao dizer que:  "É necessário ter visto essa funesta fatalidade de perto, melhor ainda, é preciso tê-la EXPERIMENTADO EM SI, é preciso ter praticamente sucumbido a ela para compreender que isso não é qualquer brincadeira. "


O que não é qualquer brincadeira? A alienação de quem aprende a valorizar mais o reino do nada do que sua própria vida. A coibir seus instintos mais primitivos de forma inútil. De quem vive pelo não pecar, pela santidade e se priva do que gostaria de ter feito mas não fez por "temor ao Senhor!". Senhores, quem não fica irritado ao descobrir que foi vã sua clausura santa? Que "deixar de dar aquela bimbada antes do casamento" e ter faltado em festas e orgias foi um atraso? Que deixar de rasgar o verbo e expressar sentimentos lascivos foi uma burrice que o pastor/padre te aconselhou a fazer? Ou que o "5 contra 1" foi doentiamente desencorajado e taxado de imoralidade, sendo que na verdade é recompensador? 


Isto é o chamado "carregar em si as marcas de Cristo" segundo os santos. Experimentar isso em si é requisito para que digamos como Nietzsche: "Contra esse instinto de teólogo é que eu movo a guerra." Se os cristãos que estão lendo isso e não enxergam sentido é porque não carregaram direito as marcas de Cristo. Não entenderam o cerne do Evangelho, apenas enfatizaram a parte da graça ou então não o levaram a sério.  Ou então interpretaram a Bíblia sem o desserviço da doutrina fundamentalista e estes se salvaram em partes, mas ainda crêem na centralidade do mito de que Jesus foi o deus encarnado que morreu para salvá-los de seus pecados. 


Mas então... ocorreu comigo o que Paulo, em Gálatas, disse dos mestres judeus que seguiam a lei: caíram da graça! 


Me regozijarei nisso, pois o autor de Hebreus confirma minha deserção permanente do cristianismo ao dizer: 


"Ora para aqueles que uma vez foram iluminados, provaram o dom celestial, tornaram-se participantes do Espírito Santo, experimentaram a bondade da palavra de Deus e os poderes da era que há de vir, e caíram, é impossível que sejam reconduzidos ao arrependimento; pois para si mesmos estão crucificando de novo o Filho de Deus, sujeitando-o à desonra pública." 


Oh, sensato! "Crucifique-o!", grito eu! Este autor acertou em cheio na impossibilidade de que quem caiu da graça possa voltar àquilo em que estava assentado. Isto porque fomos vacinados contra a desonra à vida, contra a castração da alma e dos sentidos. Já o cristão é um sofredor porque odeia a vida em amor do nada que ele acredita que um dia chegará. Ex-cristãos são aqueles que "caíram da graça" e se tornaram livres da manipulação e do instinto do teólogo. O presente, então, passa a ser valorizado e a carne vivificada! A vingança é utilizada quando necessário, a ira e a calúnia como pagamento na mesma moeda caso assim se queira. O vinho é o culto a Dionísio e a embriaguez um motivo de alegria. O sexo não é restrito e a única preciosidade é o momento presente! O conhecimento é valorizado e o espírito crítico a espada afiada e o capacete da salvação contra a lavagem cerebral do teólogo. 


Sendo assim, não esmurro meu corpo, nem faço dele meu escravo, para que depois de ter escapado do conto do vigário eu também venha a salvar outros da mesma destruição da carne e dos sentidos. Afinal, fomos chamados para a liberdade, então usemos  essa liberdade para dar vazão às vontades da carne; por isto: libertem uns aos outros e assim invertam a cruz de Cristo! 




Sem mais... pois mesmo sendo apóstata, carrego em mim as marcas de Cristo e de seu sistema traiçoeiro. 


-Gabriel Meiller, o ex-cristão.