segunda-feira, 9 de outubro de 2023

A arte da maiêutica

 


     


 


A maiêutica é a arte utilizada e formalizada por Sócrates que consistiu em dar luz às verdades de alguém por meio de perguntas, sendo um fator muito importante para o autoconhecimento de quem utiliza essa ferramenta. Por favor, entendam "verdades" como constatações que fazem sentido pessoal para aquele que medita sobre a vida.  E é exatamente sobre a importância da maiêutica como ferramenta de autoconhecimento que precisamos meditar para que possamos partir de algum ponto para navegar no oceano da vida. 


A vida é como um enorme oceano profundo, extenso e incerto; sempre partimos da terra continental para navegar pela vida. As ilhas, os continentes e outros relevos terrestres são o nosso porto seguro que nos abriga. Somos formados como seres humanos em baixo de tetos de culturas que nos ensinam a enxergar a vida de algumas perspectivas. Somos em grande parte um depósito do Outro, isto é, de todo um imaginário que veio antes de nós e que nos educou.  As ideologias, as crenças religiosas, os sistemas econômicos e as instituições são os elementos que compõem a parte continental que nos é familiar. São todos o nosso chão, nossa âncora e nossa estabilidade. 


Quando somos crianças o círculo desse relevo continental é ainda mais delimitado: ficamos em nosso castelinho e em redomas que abrigam nossas ilusões alimentadas por nossa família. Essa estabilidade é necessária pelo menos na tenra infância, assim como a lagarta precisa de seu casulo e do estreitamento desse casulo para que quando ela estiver maturando... possa trabalhar a musculatura interna para rasgar esse casulo e desenvolver suas asas, virando uma esplendorosa borboleta. Se esse casulo for rompido muito antes do desenvolvimento de sua musculatura, a lagarta não se metamorfoseia numa borboleta. 


Pois bem... quando chega a hora de navegarmos pela vida e conhecer os sete mares, precisamos estar preparados para cada surpresa e descoberta. Os diferentes mares e continentes abrigam diversidades muitas vezes espinhosas, mas nem por isso menos entusiasmantes. Os ambientes nos quais não estamos familiarizados (nos quais nossa família não nos criou) podem parecer estranhos, obscuros ou tóxicos demais. Para alguns podem até ser... mas muitas vezes são apenas paisagens exóticas nas quais não tivemos raízes e teremos que nos adaptar a esses terrenos que possuem outros nutrientes, outro solo e outro clima. É necessário aprender a apreciar o que não é familiar, o que não nos foi cultivado no passado. 


Em meio a tantas mudanças que a vida me promove e que eu frequentemente aceito... encontro uma única pessoa que está comigo o tempo todo nos diferentes relevos continentais: eu mesmo! Já experimentaram conversar consigo mesmos em voz alta? Travaram diálogos e se fizeram perguntas esperando alguma resposta?  Esta é a arte da maiêutica! Eu desenvolvi uma regra de ouro de mim para mim mesmo: se, após me encontrar comigo mesmo eu não conseguir uma solução suficiente para algum conflito ou alguma crise que estou passando... então eu recorrerei a alguém que, talvez, possa me auxiliar. Entendam que isso não é uma espécie de narcisismo, mas uma decisão sábia em meio a uma época em que não costumamos nos ouvir e preferimos consultar um guru sem antes ouvirmos nosso eu interno (ou eus internos). E nos tornamos vulneráveis quando preferimos ouvir mais aos de fora (que muitas vezes não nos conhecem no dia a dia) do que a ouvir a nós mesmos e às nossas intuições mais profundas. 


É nesse hábito que conseguimos fixar nossas raízes em novos continentes ou ilhas até o momento em que decidirmos partir para novas paisagens silvestres, brincando de exploradores que vão para onde lhes der vontade, sempre conduzidos pelo espírito infantil e aventureiro que ama o processo de descoberta da vida e de suas múltiplas possibilidades de se manifestar. 


-Gabriel Meiller 


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