terça-feira, 29 de abril de 2025

A mentira contemporânea das mil e uma possibilidades e a mediocridade sistêmica como consequência

 

"Não dá para ser bom em tudo." ecoa o ditado do senso comum. De fato, ninguém ousa desafiar esse princípio e os que acham que o estão desafiando, estão fantasiando e se mostrando ridículos, aliás, medíocres em tudo. Sabe-se que o termo medíocre deriva do termo médio; alguém medíocre não é ruim, bem como não é bom. Uma pessoa medíocre não se destaca de nenhuma forma, estando dentro, engolida pela média; a média é a ausência de destaque. 


A ironia dos mais esforçados é justamente essa: se esforçam para serem irrelevantes ao diluir os esforços em inúmeras áreas. Essa cobrança de sermos bons em tudo não é obra do acaso, mas do tempo em que vivemos. A vida de boas aparências das mídias sociais impõe a utopia do ser bom em tudo. Entretanto, ser bom em algo exige renúncia de esforços em outras áreas, além de limitação própria de forma consciente. O pilar do destaque em uma área se assenta na atrofia! Uma pessoa atrofiada em algumas áreas é hipertrofiada em outras, isto é, muito foda em outras áreas! Nesse terreno do destaque a harmonia foi banida, aniquilada, pois aqueles que se destacam em uma área são horríveis em outras. 


Assim sendo, escolhas devem ser vistas como limitações às mil e uma possibilidades que a modernidade atual acha que podemos desenvolver. Não! Não podemos ser tudo o que queremos, podemos apenas ter essa ilusão que no final se torna amarga demais para os que envelhecem e olham para trás e lamentam não ter dito mais "nãos" para que algo fosse solidamente construído pelo caminho da justa privação com objetivos que no futuro dão frutos. Esses frutos serão vistos como uma conquista fácil pelos desavisados que não trilharam a trilha de lágrimas e privação que este indivíduo trilhou. 


Desta forma, entende-se que a contemporaneidade implantou uma mediocridade sistêmica àqueles que simplesmente entraram no automatismo da autoperformance alienante que não limita o seu trabalho de melhoria às poucas áreas. Afinal, para onde queremos ir? O que nos vale os esforços e o nosso tempo? O que nos traz satisfação duradoura? Essas são perguntas vitais para nos guiar no meio de uma poluição sonora de vozes sem fim que é a contemporaneidade. 


A grande verdade é que a modernidade mente constantemente para nós como parte do lucro que essas mentiras geram.  Não podemos ser tudo o que quisermos... nem de longe! E crescemos com uma premissa subterrânea e traiçoeira: temos que ter sempre tudo do bom e do melhor. Temos que ter qualidade de vida em tudo. Temos que ser felizes em tudo. A cobrança em ser de forma artificial pelo constante fazer nos sufoca e nos traz exaustão. Mas não se preocupe: a indústria e o capitalismo também lucram com a frustração e com a depressão do ideal não atingido! O Deus Capitalismo nunca passará fome em seu altar sacrificial, essa é uma das únicas certezas que rivaliza com a certeza da morte. 


-Gabriel Meiller 

sexta-feira, 25 de abril de 2025

Sobre a vida como um jogo de xadrez



Tenho refletido sobre a metáfora da vida como um jogo de xadrez, isto é, sobre a importância de pensar antes de fazer uma jogada. Há muitas escolhas e consequências na vida e por isso a agilidade não deve ser confundida com impulsividade. No jogo de xadrez existem armadilhas em que uma peça é oferecida como uma emboscada para que após um ataque mal pensado, o oponente chegue ao xeque, ou ao ponto de pegar uma peça preciosa do jogador impulsivo, como a rainha, por exemplo. 


Na vida o princípio é o mesmo. Se formos muito reativos, podemos cair em emboscadas; a resposta apressada leva a confrontos desnecessários. É importante calcular as jogadas (reações contra outras pessoas) e refletir se temos poder ou culhão para enfrentar quem nos incomoda sem sermos devastados por um contra-ataque sinistro. Tenho aprendido a ler o tabuleiro ao meu redor e a antecipar mentalmente as jogadas para que eu saiba qual será a melhor jogada a ser feita. O confronto direto quase nunca é do meu feitio; ele traz muito mais prejuízos do que vitórias. Ao contrário, ao invés de "atacar" alguém (metaforicamente), eu prefiro deixar o adversário jogar e tomar a atitude, com ar inquisitivo que me é característico, como se perguntasse: você veio com qual intenção? 


Meu ar fechado e passivo geralmente é minha forma de precaução. Se o adversário propõe um apaziguamento, aceito de bom grado e sem retrucar. Se ele me sugestiona a fazer algo que me custará menos esforço do que um confronto direto ou conflito, também faço o que foi proposto por ele e deixo-o "sair por cima".  Fazer inimigos é um custo indesejável e desnecessário e odiar uma pessoa traz o dobro de trabalho e consome muito energia, além de contaminar o meu julgamento da realidade. Eu prefiro a indiferença e a distância que esfria os envolvimentos e as animosidades, principalmente em terrenos que são cruciais para mim, como a área profissional. 


A distância equilibrada, isto é, o ar de impessoalidade com pitadas de boa vontade aparente e solicitude para um auxílio nas demandas profissionais de quem precisar de mim é o feijão com arroz do xadrez da vida. Ser um bom profissional sem a necessidade de se expor demais é sempre uma medida mais segura, com exceção de algumas áreas que exigem um carisma muito personalista, como a área de vendas e de mídias sociais. Obviamente, em outros ambientes essa metáfora pode ser atenuada e as afetividades (negativas e positivas) podem ser menos reprimidas e mais transparentes. Entretanto, a vida continuará sendo um enorme xadrez, mesmo que o adversário mude e a cena passe a focar em um jogo de "nós contra nós mesmos", o que no fundo sempre se mostrará um fato irrefutável. Antes de um outro adversário, nós somos o nosso primeiro adversário.  É por esse motivo que a contemplação e o ócio, que é o propiciador dela, é tão fundamental para a vida! Para jogarmos contra nós é necessário que pausemos os jogos paralelos com os demais e nos voltemos a nós mesmos pela reflexão. 


Obviamente, existem diversos estilos de jogo de xadrez: os mais agressivos e exploradores, bem como os mais defensivos e conservadores que atuam no contra-ataque. Cada um com seus pontos fortes e fracos. Os estilos podem mudar de acordo com a fase do jogador e as demandas dele. Mas o que nunca pode ser perdido de vista são as consequências da inconsequência de jogadas impensadas que são fruto da falta de reflexão e de um excesso de distração causada pelo entretenimento procrastinador. 


-Gabriel Meiller