terça-feira, 29 de abril de 2025

A mentira contemporânea das mil e uma possibilidades e a mediocridade sistêmica como consequência

 

"Não dá para ser bom em tudo." ecoa o ditado do senso comum. De fato, ninguém ousa desafiar esse princípio e os que acham que o estão desafiando, estão fantasiando e se mostrando ridículos, aliás, medíocres em tudo. Sabe-se que o termo medíocre deriva do termo médio; alguém medíocre não é ruim, bem como não é bom. Uma pessoa medíocre não se destaca de nenhuma forma, estando dentro, engolida pela média; a média é a ausência de destaque. 


A ironia dos mais esforçados é justamente essa: se esforçam para serem irrelevantes ao diluir os esforços em inúmeras áreas. Essa cobrança de sermos bons em tudo não é obra do acaso, mas do tempo em que vivemos. A vida de boas aparências das mídias sociais impõe a utopia do ser bom em tudo. Entretanto, ser bom em algo exige renúncia de esforços em outras áreas, além de limitação própria de forma consciente. O pilar do destaque em uma área se assenta na atrofia! Uma pessoa atrofiada em algumas áreas é hipertrofiada em outras, isto é, muito foda em outras áreas! Nesse terreno do destaque a harmonia foi banida, aniquilada, pois aqueles que se destacam em uma área são horríveis em outras. 


Assim sendo, escolhas devem ser vistas como limitações às mil e uma possibilidades que a modernidade atual acha que podemos desenvolver. Não! Não podemos ser tudo o que queremos, podemos apenas ter essa ilusão que no final se torna amarga demais para os que envelhecem e olham para trás e lamentam não ter dito mais "nãos" para que algo fosse solidamente construído pelo caminho da justa privação com objetivos que no futuro dão frutos. Esses frutos serão vistos como uma conquista fácil pelos desavisados que não trilharam a trilha de lágrimas e privação que este indivíduo trilhou. 


Desta forma, entende-se que a contemporaneidade implantou uma mediocridade sistêmica àqueles que simplesmente entraram no automatismo da autoperformance alienante que não limita o seu trabalho de melhoria às poucas áreas. Afinal, para onde queremos ir? O que nos vale os esforços e o nosso tempo? O que nos traz satisfação duradoura? Essas são perguntas vitais para nos guiar no meio de uma poluição sonora de vozes sem fim que é a contemporaneidade. 


A grande verdade é que a modernidade mente constantemente para nós como parte do lucro que essas mentiras geram.  Não podemos ser tudo o que quisermos... nem de longe! E crescemos com uma premissa subterrânea e traiçoeira: temos que ter sempre tudo do bom e do melhor. Temos que ter qualidade de vida em tudo. Temos que ser felizes em tudo. A cobrança em ser de forma artificial pelo constante fazer nos sufoca e nos traz exaustão. Mas não se preocupe: a indústria e o capitalismo também lucram com a frustração e com a depressão do ideal não atingido! O Deus Capitalismo nunca passará fome em seu altar sacrificial, essa é uma das únicas certezas que rivaliza com a certeza da morte. 


-Gabriel Meiller 

sexta-feira, 25 de abril de 2025

Sobre a vida como um jogo de xadrez



Tenho refletido sobre a metáfora da vida como um jogo de xadrez, isto é, sobre a importância de pensar antes de fazer uma jogada. Há muitas escolhas e consequências na vida e por isso a agilidade não deve ser confundida com impulsividade. No jogo de xadrez existem armadilhas em que uma peça é oferecida como uma emboscada para que após um ataque mal pensado, o oponente chegue ao xeque, ou ao ponto de pegar uma peça preciosa do jogador impulsivo, como a rainha, por exemplo. 


Na vida o princípio é o mesmo. Se formos muito reativos, podemos cair em emboscadas; a resposta apressada leva a confrontos desnecessários. É importante calcular as jogadas (reações contra outras pessoas) e refletir se temos poder ou culhão para enfrentar quem nos incomoda sem sermos devastados por um contra-ataque sinistro. Tenho aprendido a ler o tabuleiro ao meu redor e a antecipar mentalmente as jogadas para que eu saiba qual será a melhor jogada a ser feita. O confronto direto quase nunca é do meu feitio; ele traz muito mais prejuízos do que vitórias. Ao contrário, ao invés de "atacar" alguém (metaforicamente), eu prefiro deixar o adversário jogar e tomar a atitude, com ar inquisitivo que me é característico, como se perguntasse: você veio com qual intenção? 


Meu ar fechado e passivo geralmente é minha forma de precaução. Se o adversário propõe um apaziguamento, aceito de bom grado e sem retrucar. Se ele me sugestiona a fazer algo que me custará menos esforço do que um confronto direto ou conflito, também faço o que foi proposto por ele e deixo-o "sair por cima".  Fazer inimigos é um custo indesejável e desnecessário e odiar uma pessoa traz o dobro de trabalho e consome muito energia, além de contaminar o meu julgamento da realidade. Eu prefiro a indiferença e a distância que esfria os envolvimentos e as animosidades, principalmente em terrenos que são cruciais para mim, como a área profissional. 


A distância equilibrada, isto é, o ar de impessoalidade com pitadas de boa vontade aparente e solicitude para um auxílio nas demandas profissionais de quem precisar de mim é o feijão com arroz do xadrez da vida. Ser um bom profissional sem a necessidade de se expor demais é sempre uma medida mais segura, com exceção de algumas áreas que exigem um carisma muito personalista, como a área de vendas e de mídias sociais. Obviamente, em outros ambientes essa metáfora pode ser atenuada e as afetividades (negativas e positivas) podem ser menos reprimidas e mais transparentes. Entretanto, a vida continuará sendo um enorme xadrez, mesmo que o adversário mude e a cena passe a focar em um jogo de "nós contra nós mesmos", o que no fundo sempre se mostrará um fato irrefutável. Antes de um outro adversário, nós somos o nosso primeiro adversário.  É por esse motivo que a contemplação e o ócio, que é o propiciador dela, é tão fundamental para a vida! Para jogarmos contra nós é necessário que pausemos os jogos paralelos com os demais e nos voltemos a nós mesmos pela reflexão. 


Obviamente, existem diversos estilos de jogo de xadrez: os mais agressivos e exploradores, bem como os mais defensivos e conservadores que atuam no contra-ataque. Cada um com seus pontos fortes e fracos. Os estilos podem mudar de acordo com a fase do jogador e as demandas dele. Mas o que nunca pode ser perdido de vista são as consequências da inconsequência de jogadas impensadas que são fruto da falta de reflexão e de um excesso de distração causada pelo entretenimento procrastinador. 


-Gabriel Meiller

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2025

A angústia ao ler Modernidade Líquida

 

Há uma corrosão emocional que vem me assolando conforme eu rumino os apontamentos assertivamente cortantes de Bauman. Posso definitivamente dizer que "Antes eu te conhecia só de ouvir falar, mas agora os meus olhos te lêem", parafraseando Jó. Mas ler Bauman sem me envolver profundamente com a modernidade que me cerca é impossível. Ainda mais com a profundidade que sempre me foi característica em minhas investigações. Modernidade Líquida escancara de forma cíclica e cada vez mais profunda a cada capítulo o motivo de sermos tão solitários, inseguros e cansados psicológicamente. Bauman entende que a estrutura de um capitalismo global e flexível em que tudo está em constante transformação, também nos transformou em moribundos sem identidade estável. As comunidades sólidas de antigamente que se baseavam em laços profundos e que duravam por toda a vida, sofreram a liquefação (se tornaram líquidas e temporárias como a roupa do dia em que vestimos). A estabilidade de um emprego em que possamos fazer carreira sem nos preocupar com a demissão e o corte de gastos, virou um sonho de concurso público. As relações que duravam décadas, hoje são sentenciadas a morrer quando o cônjuge (visto como um produto a ser consumido até a satisfação do outro desvanecer) se exaurir da novidade da relação. Um grande "até que  o fim do desejo nos separe; até que um novo desejo mais selvagem nos separe de vez." A novidade ganhou um prestígio ilimitado e o tédio causado pela espera foi abolido; a procrastinação que antes tinha um objetivo de adiar os planos para que fossem melhor consolidados no futuro, virou um adiamento infinito em detrimento do consumo de pequenos prazeres imediatos anestesiantes que nunca satisfazem quem os consomem. Mas essa lógica de cassino é feita para ser assim: nem muito prazer para não satisfazer completamente o moribundo sem identidade e o encorajar a não voltar tão cedo; nem tão pouco para que ele desanime da busca e desista de voltar. 


Toda essa constante mudança, estímulos rasos e procura crônica por autoafirmação da nossa identidade individual é uma alienação da modernidade líquida. Uma corrida dos ratos que ninguém escapa; os grupos atuais se sustentam pelo desejo do indivíduo de estar neles e de sair quando for conveniente. Mais perverso do que isso, o grupo funciona por uma lógica de ódio ao diferente:  a esquerda que odeia a direita e a cancela; a direita que considera a esquerda como um bando de autoritários do politicamente correto e os abomina veementemente. A união do grupo é pelo ressentimento; o ressentimento nos atravessa quando enxergamos pessoas que conquistam o que sempre sonhamos e não conseguimos, muitas vezes pela aura do socialismo e do ódio à conquista meritocrática do outro ou mesmo pela herança herdada; a irritação nos assola quando escolhemos algo e depois vemos que havia outra coisa muito melhor como opção. 


Estamos todos presos em uma lógica do consumo como consequência de uma condição volátil que determina a nossa identidade. Consumimos pessoas em relações; vestimos uma skin identitária em grupos que depois é removível; veneramos a frágil reafirmação da nossa autoestima em likes de Facebook e Instagram.  Esta é uma parte perceptível da modernidade líquida: a constatação de que o fato de nos prendermos a algo estável é uma tremenda loucura, sendo que na próxima quadra terá algo melhor. A preferência pela velocidade que faz os dias correrem velozmente sem fim, correndo atrás do futuro redentor é o grande surto coletivo venerado. Somos carentes de novidade, pois o antigo causa repulsa no indivíduo moderno, isto é, o indivíduo que acredita que o fututo será sempre melhor.  Somos crentes do progresso constante do futuro e não nos tocamos que isso é ardilosamente mendaz. 


Ainda por cima: vivemos uma era de niilismo profundo que se travestiu de plenitude; não estou falando do niilismo cristão, que já perdeu a sua força de sedução e hoje é um moribundo que tenta arrebanhar os que possuem medo do mundo e da vida.  Falo de um niilismo cem vezes mais potente:  o mundo paralelo da inovação compulsória e da exposição constante nas redes sociais como uma subversão da vida no aqui e no agora. 


E não há uma solução, pois o indivíduo não é capaz de combater uma superestrutura coletiva global que saiu do controle do Estado-nação. O que importa é o emaranhado internacional e não a vontade local. Somos como o feiticeiro que lançou um feitiço e perdeu o controle sobre ele; o feitiço é a vida própria do capital que é soberano sobre o todo. O capital hoje é líquido,  instantâneo e imprevisível; sem as parnafenalhas de edifícios industriais que o prendem ao chão e o tornam controlável. Hoje o capital é digital e impegável; não há uma mesa de controle, o comando não é concentrado, mas está em todo lugar e, por isso, em lugar nenhum para ser domado! 


-Gabriel Meiller

domingo, 12 de janeiro de 2025

Como surgiram os vírus

 Seria bom se vivêssemos no melhor dos ideais: despreocupados, com tempo livre, animados para mudanças e sem reclamar da vida. Se gostássemos de nossos pais sem apresentar rusgas nas relações. Sem enjoar das comidas, das pessoas e sem se horrorizar diante das notícias mais destrutivas, ou melhor, nos horrorizar para demonstrar humanidade, mas não deixar isso contaminar nossa energia vital. Se o mundo fosse mais equível, cooperativo e ao mesmo tempo individualista na medida certa para cada um ter sua privavidade para fazer coisas mesquinhas sem afetar a ninguém. As mesquinharias seriam obra do tédio de uma vida mediana e sem muitas expectativas sobre batalhar na vida para conseguir coisas legais e que são legais porque fomos privados em certa medida. 


Seria legal se o último problema a enfrentar fosse o tédio de tudo estar em seu devido lugar. Assim o ser humano poderia pensar em, talvez, fazer as suas porcarias novamente e desarrumar a utopia da vida como um morango para depois arrumar tudo. Mas nessa equação teriam aqueles que desejariam ainda manter o tédio porque ainda não se injuriaram contra a mesmice. 


Eu gosto de lembrar que nos tempos em que eu era crente, pensava na vida no céu,  isto é, no paraíso celeste que foi idealizado pelos cristãos. Eu não gostava da ideia da eternidade fixa e imutável, daquela cena em que todos os remidos pelo sangue do cordeiro cantam junto com os anjos e adoram a Deus para todo o sempre. Imagine que tédio colossal sentiríamos: pois uma hora tudo o que é bom nos causa náusea e isso só depende de uma robusta exposição ao tempo. A menos que... a menos que noutro plano tudo seja diferente e o fator tempo não reflita nada do que se refletiu aqui. Então Deus, onisciente de todas as nossas dificuldades para raciocinar a futura ordem, pode me perdoar pela próxima blasfêmia que falarei, hehehe. 


O paraíso dos anjos era tão enfadonho com o coral dos anjos que Lúcifer chutou o pau da barraca e se rebelou com os demais anjos que estavam de saco cheio. Está aí o problema, haha! O tédio, o incômodo da mesmice fez Lúcifer clamar por uma radical mudança e querer reger o coral celeste. Lembrem-se, meus caros irmãos e ex companheiros da igreja: a culpa de tudo é de Deus. Ou eu estou errado em meu raciocínio sobre Lúcifer? Se eu estiver errado e as coisas do posterior plano celeste forem diferentes e o tédio for coisa de seres humanos, porque raios Lúcifer quis reger o coral dos céus e ser um melhor regedor do que Deus? Se não foi o tédio foi... a cobiça, então? Então isso demonstra que a cobiça transcende o reino humano, irmãos! E se a cobiça faz isso, possp supor que o tédio, a glutonaria e as outras emoções e desejos também? Pois que sentido faria somente a cobiça ser de outro mundo e o resto, como o tédio, não estar presente?


Chegamos ao nosso probleminha que faz da minha blasfêmia um belo argumento contra Deus, hehehe... esse deusinho: um péssimo arquiteto universal. Um ótimo vitorioso sobre o tédio; ou não? Pois ele criou todo o universo por se sentir sozinho ou... por ficar entediado com o nada? Mas voltemos ao meu argumento contra Deus e a favor de Lúcifer: o tédio e a cobiça eram uma revolta justa para sair daquela ordem de opressão. Pensem: os anjos eram obrigados a adorar a Deus e o problema não era nem adorar a Deus em si, mas adorar a todo momento. Sem pausas para lanchar, sem uma sinuca com os amigos, sem nenhun tipo de lazer a não ser adorar ao Criador. "Que Criador mais egocêntrico, não?" pensou Lúcifer, que aprendeu com Ele pelo exemplo e pensou que o papai iria dividir com ele a sua glória. Foi aí, senhores, que começou o complexo de Édipo, a estapafúrdia rivalidade entre pais e filhos. 


O que dizer? Lúcifer foi ingênuo ao pensar que seu pai revezaria com alguém, afinal, todo pai gosta do comando e não abre mão dele. Mas o maior ato de humanidade que fez Lúcifer ser indigno de ser divino foi a rebeldia, a cooperação com demais seres celestes para que eles rejeitassem aquela eterna e por isso: tediosa ordem de sempre! Parece que o Criador não gostou de uma nova criação, de uma nova possibilidade de ordens. Que Deus mesquinho, não? Então, por se demonstrar diferente das demais ordens de anjos, Lúciter foi expulso pelo Criador, isto é, o seu papai celeste! Hey, irmãos! Eu sei... eu sei muito bem que os anjos são criaturas de Deus e não filhos como vocês ou como Jesus, mas afinal: não é o verdadeiro pai quem cria? "Pai é quem cria!" é uma frase muito sugestiva e verdadeira; posso extrapolar esse princípio para outro plano?  Penso que se pensarmos em Lúcifer e sua cobiça e tédio.... podemos, sim! Mas se em todo caso, irmãos, vocês não me permitirem extrapolar esse princípio, direi que quem escreveu a Bíblia, contou desmedidamente uma bela de uma lorota a vocês... hahaha haha! Não acham? Quem acredita nessa histórinha que vocês defendem com unhas e dentes? Se ela for verdade, não podem recusar a minha especulação sobre Lúcifer e seu tédio. 


De qualquer forma, tanto faz! Só me deixem continuar a minha premissa e tenham respeito com as elocubrações de quem escreve; pois eu não tenho mais nada para fazer da vida e é do tédio que nascem os excelentes escritores, bem como a criação do universo e a deserção de Lúcifer e 1/3 de anjos celestes. O que estou fazendo não difere, caros leitores, da obra criativa que foi a primeira coisa que fez surgir o mundo. Então me respeitem pois eu estou sendo Deus, estou criando algo! Mas aí algum de vocês, injuriados com essas profanações podem fazer as suas graças luciferianas r dizer: "Na privada eu também sou Deus, e como sou! Ha ha ha ha ha!" E eu direi: Você tem razão! E a merda serve de adubo nos jardins, para a geração de alimentos e no final todos comemos, indiretamente, merda! HA HA HA HA HA! Gostaram dessa? Espero que sim! 



Mas continuemos, irmãos. Deixem-me contar o verdadeiro spin off sobre o que a Bíblia não contou e na verdade, só deixou nas entrelinhas. E antes que pensem que estou prestes a falar uma heresia, saibam que essa revelação eu recebi nos tempos da igreja e é muito confiável! Na verdade foi o único trunfo que eu tinha na manga quando era crente. Eu não falava em línguas estranhas, não era líder de jovens, apesar de... ser um líder de célula na minha garagem. Isso eu era! Já cheguei até a fazer uma pregação na igreja do meu primo. E, humildemente falando, foi uma ótima pregação, eu falei muito bem!  Mas isso é uma outra história, vamos logo ao spin off, irmãos:


Após Lúcifer ter sido rebelde aos olhos Pai, e ter sido humilhado pelo fato de Lúcifer ter persuadido 1/3 dos anjos do céu a saírem daquele mar de tédio celeste e adoração constante ao Criador egocêntrico e autoritário... Deus o expulsou com todo o vigor, disse que ele viveria vagando fora da presença de Deus, ou melhor, fora da presença agradável de Deus, pois tudo vive e se movimento nEle, no Criador de todos planos. O nada não pode existir fora de Deus, inclusive Lúcifer, que seria agora o Diabo! A presença de Deus estaria em sua forma severa em Satanás. Satanás seria fiscalizado pelo Criador no posterior inferno, mas enquanto o Criador não criasse o inferno, Satanás viveria vagando pelo nada dentro de Deus, isso já seria algum castigo. Ele disse: "Você estava entiado lá no céu ao me adorar e regendo o coral ao meu favor? Então estarás mortalmente entediado na ausência de coisas criadas. Mofarás,  junto aos teus súditos rebeldes, nestes pedaços sem nenhuma finalidade até que chegue o momento em que terás para ti uma prisão de fogo e enxofre que irá queimá-lo por uma eternidade e, depois, extinguir a tua e toda a existência dos que estiverem ao teu lado!"  E então Lúcifer, agora renomeado de Satanás, soube que seria criado a ele algo pior que o tédio da existência: a inexistência aniquiladora! 


Satanás perambulou muito tempo por planos inexistentes e repletos de vazio! Ele teve muito tempo para tentar imitar o Criador e se debruçou sobre as artes energéticas da criação, tentando desenvolver artes parecidas com a alquimia, mas obteve resultados ínfimos. Fez algo amorfo, semelhante a amebas de planos distintos, coisas retorcidas quase escuramente fluorescentes. Não conseguiu criar seres, mas chegou a criar coisas que mais tarde foram chamadas de vírus! O vírus é uma tentativa de criação satânica, pois são seres que fora de algum organismo não possuem nenhuma função. Mas dentro de organismos, os vírus encontram sua real intenção: destruir e declinar a energia de vida! Essa foi uma das poucas criações satânicas, irmãos! 




sexta-feira, 22 de novembro de 2024

O surto

             


"Horrendo, horrendo... horrendo!" falou a boca, cuja mente estava repleta de cólera e o coração fervilhando de mágoas. 


As emoções costumam ser tidas como violentadoras da realidade objetiva muitas vezes; entretanto, há aqueles momentos, como este, em que as emoções apenas ressaltam uma constatação lúcida do absurdo da vida, principalmente a vida em sociedade. 


Vamos lá: sabemos que há coisas horrendas debaixo do tapete; temos convicção que nossa bestialidade evolutiva não acompanhou a rápida evolução social e cultural de milênios. E aquela mente pensou as seguintes coisas no auge de sua lucidez: 


"A democracia é um eterno revezamento entre quem se fode e quem se dá bem; um absurdo de sistema em que todos os imbecis têm a mesma voz que os sensatos. 


A vida sempre foi uma hostilidade para os que são prezas dos mais fortes e poderosos, daqueles que, estando ou não em uma democracia, vivem da mesma forma e sob os mesmos privilégios. 


Os homens são imbecis, seduzidos por todo tipo de ideologias e por meio delas sofrem, matam-se e se alegram como crianças ingênuas.


A vida pela vida é um absurdo.


A morte como ameaça constante é uma limitação àquele que a teme e uma liquidação aos que a ignoram. 


 Toda a experiência da raça humana é apenas uma luz de lanterna que pisca rápidamente e se encerra na escuridão do tempo de bilhões de anos. 


O sofrimento humano é construído pelas fantasias da razão e as inúmeras projeções do que deixamos de fazer ou possuir; os demais animais não sofrem a não ser quando são abatidos ou se perdem do rebanho." 


E como uma lareira em brasa, a mente fervilhava junto com o coração. As emoções eram como um forno a lenha que ao esquentar, demoraria para se apagar. A mente poderia divagar para pensamentos fúteis e inúteis, mas o coração estaria lá, chefiado pelas mudanças fisiológicas, pelas liberações de cortisol e adrenalina que ecoavam em todo o corpo e que demorariam a esfriar. 


Então a emoção cessou depois de longos ciclos de explosão e irracionalidade disfarçada de sensatez se instalou. Ideologias foram vestidas, o ritual à democracia e a valorização de seus ideais voltou a ser cultuado e a vida foi aparada para caber nas apurações de sentido daquele ser. Tudo fazia sentido, tudo tinha um propósito e um motivo de riso. 


Após um longo hiato, aquela consciência percebeu que as análises eram submetidas ao filtro das emoções e que a vida não era passível de ser avaliada e por isso a morte representava um misterioso encerramento que limitava as perspectivas e obrigava os seres a viverem por viver, sem esperar nada em troca.  


-Gabriel Meiller 




 


quarta-feira, 13 de novembro de 2024

A exaustão do choque entre as fantasias e a realidade


Enxergamos o mundo pelas janelas da nossa alma: a fantasia. A fantasia está constantemente sendo construída e reconstruída, sendo a única forma pela qual enxergamos ao mundo. Todo o histórico  de experiências que temos na vida se acumula em nosso cérebro e em nossa mente na forma de engramas.


 Experiências traumáticas bem assimiladas serão uma composição das nossas interpretações sobre o mundo, uma volição, uma inclinação em interpretarmos um acontecimento de acordo com um sentimento ou padrão que ficou gravado em nós. 


Esse assunto teórico é extremamente prático, principalmente quando exponho as minhas próprias chagas como encarnação do conceito a ser explanado. Esse é mais um daqueles momentos em que preciso limpar minhas chaminés por meio da escrita e da exposição pessoal por meio dela: 


Eu cresci debaixo de ambientes que imprimiram a mensagem de que eu não era bom o suficiente. Essa impressão teve a colaboração de terceiros, principalmente de alguém que influenciou de perto a minha criação, adotando uma pedagogia de humilhação, regada com palavras ásperas e menosprezo. Esse assentamento implantado em meus alicerces psíquicos foi aceito por mim,  que internalizei piamente essa narrativa. 


Digamos que uma criança passe a acreditar firmemente e ingenuamente no que os adultos e colegas dizem sobre ela, principalmente quando dizem ou mostram de forma sistemática o quanto ela é incompetente, burra, indigna de entrar para o grupo. A criança tem a sua parcela de responsabilidade ao aceitar essas narrativas, mas penso que não podemos cobrar de um chimpanzé uma pintura semelhante à de Picasso. Ilustro com isso que a responsabilidade foi mínima para alguém que está desenvolvendo suas capacidades críticas e de autodefesa. Mas, para não adotar um ar de vitimização perante a todos (olha eu, novamente, buscando amenizar os olhares críticos e julgadores sobre mim), eu admito que pelo menos 5% eu poderia ter feito para não engolir tal complô de narrativas contra mim. 


Então eu cresci aprendendo que se não há uma intimidade ou aceitação minha com algum grupo, a culpa é minha e o desajuste é meu! Essa premissa subconsciente, meus caros, é o início de um tipo muito comum de narcisismo: o narcisismo da consciência de culpa do mártir. Tudo o que ocorre de ruim é culpa minha, como se tal poder (de ser rejeitado) fosse exclusiva e desgraçadamente meu. Essa premissa que foi costurada no âmago da minha fantasia fez de mim uma criatura distante, desanimada com a interação em grupos, cética para com as amizades e interações sociais coletivas demais. Outras pessoas poderiam reagir de outra forma, sendo mais incisivas, extrovertidas e provocadoras diante dos grupos, não arredando nenhum pé diante deles. Mas a minha violência, diferente da violência dessas pessoas, é passivo-agressiva. 


A fantasia excessiva cultivada por mim de que há alguém que não gosta de mim de forma específica, de que não me encaixo em grupos e que foi reforçada pelas minhas atitudes consequentes dessa crença (ao me isolar dos grupos quando tenho oportunidade de ingressar neles), fez de mim alguém perseguido pelo meu fantasma! O fantasma é a fantasia dilacerada, excessivamente fixada, petrificada e perpetuada pelo trauma não superado. 


Eu tenho um olhar lúcido o bastante para detectar tudo isso, mas também a humanidade mais comum para não superar esse fantasma. E muitos aspectos da minha personalidade são uma consequência entre esse cenário fixo de rejeição x aceitação. Logo, a revolta (que me faz humano e lúcido) prevalece, me fazendo descartar o anseio em socializar e ao mesmo tempo, me causando medo e raiva por não ser aceito. Entretanto, racionalmente eu penso: mas fui eu que me isolei, por isso eles não ligam muito para mim e a interação é menos frequente, pois eu me isolei física e psicológicamente. 


Essa dualidade conflituosa entre me revoltar e não querer companhia, mas depois de um tempo querer a companhia do grupo, revela um dos aspectos mais humanos presente em mim: a irracionalidade e o conflito interno de desejos. O que fazer, senão conviver e acolher tudo isso, como demonstra Dostoiévski? Este é o meu cálice, imposto pelo determinismo da vida e que talvez possa ser amenizado pela trilha que percorrerei durante a minha existência. O que dizer? Esse sou eu, sob o escrutínio da minha própria análise que também não deixa de ser uma fantasia sobre mim mesmo.


-Gabriel Meiller. 

segunda-feira, 28 de outubro de 2024

O alcance da serenidade após a flor da juventude



Devemos ponderar que a melhor fase da vida não existe por diversos fatores, mas principalmente pelo fator subjetivo, isto é: não se mensura felicidade; também não existe uma verdade absoluta que fuja da relatividade humana e que seja imutável. 


Mas por favor, caros leitores e leitoras, sejamos crianças e brinquemos um pouco de falar qual é a melhor fase da vida de forma inocente. Eu começo: a melhor fase da vida é após a juventude impetuosa que costuma ir embora após os 30 anos, senão no final do segundo decênio. É nesta faixa transicional em que a maioria das pessoas na sociedade ocidental capitalista percebem que para a felicidade é necessário: maturidade (alcançada por sofrimentos e erros) e simplicidade (que diminui o excesso de estímulos e aproveita a vida de forma serena). Essa fórmula ocorre quando a impetuosidade jovem entende que não pode abraçar o mundo e nem fazer tudo ao mesmo tempo, pois assim nunca fará nada. 


Se não se pode servir a dois senhores por agradar a um e desagradar o outro, ou ainda a ambos; o que dirá servir a todas as expectativas do sistema? É necessário renunciar algumas posições para colocar outras em prioridade. É vital brincar uma brincadeira por vez, degustando as delícias que a vida coloca em nossa mesa. Um menu à la carte, ao invés de festival ou rodízio, começa a aparecer mais vezes nas mesas daqueles que passaram da comilança furiosa da juventude do espírito adolescente para a ruminação dos mais maduros.


É importante passar pelos festivais e desbravar o mundo; pois isso trará à alma jovem em transição a maturidade para ser seletiva em sua fase mais madura e serena. Não existe serenidade sem o processo de desfiguração que a vida corrida e ansiosa causa no indivíduo. Não é possível desfrutar da paz sem antes ser espancado pelos golpes de angústia que a vida desfere àquele que janta seu banquete amargo de consequências de processos corrosivos de anos de juventude, obcecado pelo prazer sem limites e sem ponderação. 


Aos que se fazem como exceção da regra... chamo-lhes de forma veemente de mentirosos ou pobres coitados que perderam o parâmetro para entender o que é a vida serena, porque não passaram pelo contraste da agitação. A vida é esse contraste em que uma coisa só é uma coisa, porque a outra coisa é outra coisa! Ou seja: pelas diferenças que se definem e se ressaltam no campo simbólico e no processo de conhecimento contrastante do qual a vida é feita. 


-Gabriel Meiller