quarta-feira, 13 de novembro de 2024

A exaustão do choque entre as fantasias e a realidade


Enxergamos o mundo pelas janelas da nossa alma: a fantasia. A fantasia está constantemente sendo construída e reconstruída, sendo a única forma pela qual enxergamos ao mundo. Todo o histórico  de experiências que temos na vida se acumula em nosso cérebro e em nossa mente na forma de engramas.


 Experiências traumáticas bem assimiladas serão uma composição das nossas interpretações sobre o mundo, uma volição, uma inclinação em interpretarmos um acontecimento de acordo com um sentimento ou padrão que ficou gravado em nós. 


Esse assunto teórico é extremamente prático, principalmente quando exponho as minhas próprias chagas como encarnação do conceito a ser explanado. Esse é mais um daqueles momentos em que preciso limpar minhas chaminés por meio da escrita e da exposição pessoal por meio dela: 


Eu cresci debaixo de ambientes que imprimiram a mensagem de que eu não era bom o suficiente. Essa impressão teve a colaboração de terceiros, principalmente de alguém que influenciou de perto a minha criação, adotando uma pedagogia de humilhação, regada com palavras ásperas e menosprezo. Esse assentamento implantado em meus alicerces psíquicos foi aceito por mim,  que internalizei piamente essa narrativa. 


Digamos que uma criança passe a acreditar firmemente e ingenuamente no que os adultos e colegas dizem sobre ela, principalmente quando dizem ou mostram de forma sistemática o quanto ela é incompetente, burra, indigna de entrar para o grupo. A criança tem a sua parcela de responsabilidade ao aceitar essas narrativas, mas penso que não podemos cobrar de um chimpanzé uma pintura semelhante à de Picasso. Ilustro com isso que a responsabilidade foi mínima para alguém que está desenvolvendo suas capacidades críticas e de autodefesa. Mas, para não adotar um ar de vitimização perante a todos (olha eu, novamente, buscando amenizar os olhares críticos e julgadores sobre mim), eu admito que pelo menos 5% eu poderia ter feito para não engolir tal complô de narrativas contra mim. 


Então eu cresci aprendendo que se não há uma intimidade ou aceitação minha com algum grupo, a culpa é minha e o desajuste é meu! Essa premissa subconsciente, meus caros, é o início de um tipo muito comum de narcisismo: o narcisismo da consciência de culpa do mártir. Tudo o que ocorre de ruim é culpa minha, como se tal poder (de ser rejeitado) fosse exclusiva e desgraçadamente meu. Essa premissa que foi costurada no âmago da minha fantasia fez de mim uma criatura distante, desanimada com a interação em grupos, cética para com as amizades e interações sociais coletivas demais. Outras pessoas poderiam reagir de outra forma, sendo mais incisivas, extrovertidas e provocadoras diante dos grupos, não arredando nenhum pé diante deles. Mas a minha violência, diferente da violência dessas pessoas, é passivo-agressiva. 


A fantasia excessiva cultivada por mim de que há alguém que não gosta de mim de forma específica, de que não me encaixo em grupos e que foi reforçada pelas minhas atitudes consequentes dessa crença (ao me isolar dos grupos quando tenho oportunidade de ingressar neles), fez de mim alguém perseguido pelo meu fantasma! O fantasma é a fantasia dilacerada, excessivamente fixada, petrificada e perpetuada pelo trauma não superado. 


Eu tenho um olhar lúcido o bastante para detectar tudo isso, mas também a humanidade mais comum para não superar esse fantasma. E muitos aspectos da minha personalidade são uma consequência entre esse cenário fixo de rejeição x aceitação. Logo, a revolta (que me faz humano e lúcido) prevalece, me fazendo descartar o anseio em socializar e ao mesmo tempo, me causando medo e raiva por não ser aceito. Entretanto, racionalmente eu penso: mas fui eu que me isolei, por isso eles não ligam muito para mim e a interação é menos frequente, pois eu me isolei física e psicológicamente. 


Essa dualidade conflituosa entre me revoltar e não querer companhia, mas depois de um tempo querer a companhia do grupo, revela um dos aspectos mais humanos presente em mim: a irracionalidade e o conflito interno de desejos. O que fazer, senão conviver e acolher tudo isso, como demonstra Dostoiévski? Este é o meu cálice, imposto pelo determinismo da vida e que talvez possa ser amenizado pela trilha que percorrerei durante a minha existência. O que dizer? Esse sou eu, sob o escrutínio da minha própria análise que também não deixa de ser uma fantasia sobre mim mesmo.


-Gabriel Meiller. 

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