"Horrendo, horrendo... horrendo!" falou a boca, cuja mente estava repleta de cólera e o coração fervilhando de mágoas.
As emoções costumam ser tidas como violentadoras da realidade objetiva muitas vezes; entretanto, há aqueles momentos, como este, em que as emoções apenas ressaltam uma constatação lúcida do absurdo da vida, principalmente a vida em sociedade.
Vamos lá: sabemos que há coisas horrendas debaixo do tapete; temos convicção que nossa bestialidade evolutiva não acompanhou a rápida evolução social e cultural de milênios. E aquela mente pensou as seguintes coisas no auge de sua lucidez:
"A democracia é um eterno revezamento entre quem se fode e quem se dá bem; um absurdo de sistema em que todos os imbecis têm a mesma voz que os sensatos.
A vida sempre foi uma hostilidade para os que são prezas dos mais fortes e poderosos, daqueles que, estando ou não em uma democracia, vivem da mesma forma e sob os mesmos privilégios.
Os homens são imbecis, seduzidos por todo tipo de ideologias e por meio delas sofrem, matam-se e se alegram como crianças ingênuas.
A vida pela vida é um absurdo.
A morte como ameaça constante é uma limitação àquele que a teme e uma liquidação aos que a ignoram.
Toda a experiência da raça humana é apenas uma luz de lanterna que pisca rápidamente e se encerra na escuridão do tempo de bilhões de anos.
O sofrimento humano é construído pelas fantasias da razão e as inúmeras projeções do que deixamos de fazer ou possuir; os demais animais não sofrem a não ser quando são abatidos ou se perdem do rebanho."
E como uma lareira em brasa, a mente fervilhava junto com o coração. As emoções eram como um forno a lenha que ao esquentar, demoraria para se apagar. A mente poderia divagar para pensamentos fúteis e inúteis, mas o coração estaria lá, chefiado pelas mudanças fisiológicas, pelas liberações de cortisol e adrenalina que ecoavam em todo o corpo e que demorariam a esfriar.
Então a emoção cessou depois de longos ciclos de explosão e irracionalidade disfarçada de sensatez se instalou. Ideologias foram vestidas, o ritual à democracia e a valorização de seus ideais voltou a ser cultuado e a vida foi aparada para caber nas apurações de sentido daquele ser. Tudo fazia sentido, tudo tinha um propósito e um motivo de riso.
Após um longo hiato, aquela consciência percebeu que as análises eram submetidas ao filtro das emoções e que a vida não era passível de ser avaliada e por isso a morte representava um misterioso encerramento que limitava as perspectivas e obrigava os seres a viverem por viver, sem esperar nada em troca.
-Gabriel Meiller
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