domingo, 31 de março de 2024

Vamos falar sobre afetos



Afetos são inclinações que fazemos (aos) ou recebemos  dos outros. Afeto vem da palavra latina "affectus" que significa "disposição, estar inclinado a algo..." e affectus vem de "afficere" que significa afetar, fazer algo a alguém.  Pensando a dinâmica dos afetos nas relações, estamos sempre inclinados a fazer algo a alguém, ou alguém sempre está inclinado a algo para conosco. 


O que é a relação senão um jogo complexo de afetos que envolve a todos que nos rodeiam? Somos afetados, mesmo quando fingimos que somos indiferentes, pois a indiferença é o fim de um afeto... seja bom, seja ruim. Somos afetados! E sair dos afetos é a indiferença que anseia o isolamento desse jogo de afetividades. Desejamos geralmente as "afestividades", isto é, os afetos bons, que lembram "festas". Mas a vida é um festival de afetividades em que não podemos escolher o "à la carte" em que só os "bons" afetos são escolhidos. 


Os afetos são neutros... nós é que sentimos eles como bons ou ruins e decidimos agir em reação a esses estímulos.  É por esse  motivo que o ódio é um amor em sentido contrário, querendo reivindicar algo; e por esse motivo que a indiferença é a desfeita do amor e do ódio. A indiferença é o caminho para fora dos afetos por causa de afetos ruins do indivíduo que está cansado. Ele deseja a solitude e a recuperação. 


Mas e se quisermos falar sobre afetos em relações amorosas? São essas relações que reivindicam a maior e também a mais cobrada "afestividade". "Relação" virou sinônimo de "relação amorosa" assim como "Gillete"  é o sinônimo de lâmina de barbear. Esse reducionismo, essa violência etimológica transparece que a relação verdadeira é somente a relação amorosa para grande parte do senso comum. Explorar os meandros das relações amorosas e monogâmicas se revela um terreno pedregoso a ser percorrido pelo fato da maioria das pessoas sofrerem pela possibilidade de compartilhar afetos exclusivos dessa relação que possuem com seu cônjuge. A ideia de dividir pessoas é absurda ao nosso imaginário... e então nosso desejo de rotular o outro como nosso namorado(a) é uma segurança emocional para que pensemos que ele(a) é nosso e não poderá nos deixar ou nos trocar.


 Com isso, estamos alimentando a ilusão de estabilidade e segurança que um rótulo nos oferece.  E se nos relacionássemos com pessoas sem rotulá-las em amizade, namoro ou algum outro gênero de seccionamento de afetos? Para a grande maioria isso seria um tremendo caos, bem como para a jurisdição brasileira. 


Um amor livre, sem rótulos... provoca um tremendo afeto na sociedade: o sentimento de surpresa e desorientação.  A sociedade não está preparada para relações sem rótulos justamente porque se construiu em cima da posse do outro! "Ele é meu! Ela é minha! Eles são meus!"  Mas a ilusão de segurança do pronome possessivo também gera problemas por causa dessa energia de querer controlar o outro em diferentes escalas. As escalas mais comuns são dos maridos possessivos que não deixam a mulher sair com amigas ou nem mesmo sozinha. Todos nós já sabemos do óbvio. Mas e as situações menos óbvias e mais inusitadas e que também podem nos estressar? 


A grande questão não é ser monogâmico, poligâmico ou sem rótulos nas relações humanas. A grande questão é como nos sentimos ao nos anularmos pelo sentimento de posse e de controle sobre o outro; ou por causa do controle que o outro exerce sobre nós.  Há pessoas que certamente amam a monogamia e vivem tranquilas e reagem bem a esse sistema de posses.  Mas e aquelas que se sentiram peças fora de um quebra cabeça monogâmico? O sistema naturalmente nos ensina a seccionar afetos e enquadrar cada um em uma caixinha.  Mas e os rebeldes,  aqueles que não querem esmagar seus desejos e inclinações que não se encaixam no grande status quo? Esses sofrem e se culpam por não se encaixarem na estrutura. 


Mas esses aprendem, mais cedo ou mais tarde, que: se a estrutura quebrou eles... eles quebram a estrutura! E vivem como bem entendem dentro de suas perspectivas como espíritos livres. Essa é a oração daqueles que são fiéis a si mesmos e aguentam o "peso" da liberdade de serem de si mesmos! 


-Gabriel Meiller

sexta-feira, 29 de março de 2024

Adeus, minha querida.



"Adeus, minha querida" disse eu a mim mesmo e me referindo ao amor que me acompanhou por muitas estações. Esse ciclo se encerrou, definitivamente! E durante esse ciclo as emoções foram intensas, tão intensas que se revelaram um fogo que purificou a minha dependência emocional; que me deram um renascimento da tristeza profunda e da melancolia.  

O peso que me assolava foi como um casulo apertado que trouxe a mim o hercúleo trabalho de criar músculos que o rompesse na hora certa. O casulo se rasgou e meus músculos, agora fortes de tanta  tentativa de desvencilhamento de emoções de apego, se revelaram fortes para suportar as minhas asas! Ah, essas asas... são asas de liberdade que me revelam como uma borboleta. Estou livre, constatei, estou livre de emoções que me aprisionavam. E meu ego que estava frágil e cansado de tanto se moldar aos outros... encontrou originalidade e a sua régua que mede o mundo à sua forma. 

Entendam, meus caros: o peso da liberdade é um exercício que nos capacita a bater asas e voar. Mas o peso da obrigação, de uma relação falida... é uma âncora que nos afunda para o fundo do mar. Eu quero os céus, o ar livre e puro! Não quero as profundezas insalubres de oceanos daqueles que são mal-amados. A mim serão reservados os muitos amores e as muitas pessoas que quiserem o peso da liberdade! Em meu mapa astral o aspecto geminiano é selvagem e sedento pelos ares como uma borboleta que saiu do casulo. Em gêmeos, três planetas estão na casa 06, incluindo vênus... incluindo a fuga, a fuga da monogamia. 

-Gabriel Meiller

sexta-feira, 8 de março de 2024

"Não seja bicho do mato"



"Não seja bicho do mato..." era uma frase que constantemente eu ouvia de algumas pessoas. Principalmente da minha avó materna e da minha tia,  irmã do meu pai (um bicho do mato até hoje). Esse relato que estou dando andamento é uma epifania que vai me fazer sair dos trilhos da apatia social. "Será?", penso eu. Não sei... é tanta coisa que envolveu minha criação e que me moldaram através de uma referência paterna ausente e apática pela depressão... que eu temo trilhar o mesmo caminho e que, na verdade, já tenho trilhado. 


Me sinto como em uma mesa de cirurgia com o peito aberto e na presença do cirurgião:  eu mesmo. Eu tenho alguns assistentes, como o meu terapeuta! Ele é um facilitador, através de instrumentos e perguntas que fazem com que eu me reveja por outros prismas. Meus alunos do fundamental II também são outros assistentes que me ajudam a compreender que existem outros modelos paternos mais "normais" e extrovertidos que diferem do modelo que eu tive. Tal aluno contou uma vez que seu pai o levou a um bar e estava jogando sinuca com os amigos. 


Atordoado eu pensei: mas... meu pai nunca fez isso comigo. Meu pai não tinha amigos próximos, não tinha encontros e interações com eles. Minha mãe deixava de ter amizades porque meu pai era um controlador que usava a Bíblia e sua autoridade de "sacerdote do lar" para manipulá-la e "colocá-la no quadradinho".  Então... por esse vácuo de modelos de relações atrofiadas, eu cresci igualmente atrofiado socialmente. É verdade que eu tinha outras referências na escola e na casa da minha avó. Entretanto, para o mundo de uma criança vulnerável... os pais dela são seus heróis e o modelo  psicológico deles é seguido de forma inconsciente. O tempo que eu passava e convivia em casa com eles era esmagadoramente maior do que em outros ambientes. Além dessa alienação social, também tive a alienação existencial por conta da bolha religiosamente evangélica em que fui criado. Jogos de violência, assistir Dragon Ball, falar uns palavrões, músicas seculares? Nem pensar... as repressões vinham por parte da minha mãe e do meu pai. "Cuidado olhinho o que vê, cuidado boquinha o que fala..." repressões didáticas e sistemáticas aconteciam, ainda por cima. 


 A criança é como uma argila molhada facilmente moldável em temperamento e personalidade. Esse fato me fez reproduzir os modelos que eu presenciava e dava valor: o modelo dos meus pais. Desta forma, o fato de crescer em uma bolha evangélica e em uma bolha antissocial, me atrofiou e me marcou profundamente. Meu pai entrava na casa da minha avó e não dava um "Bom dia, dona Paulina, tudo bem? Como estão as coisas?" Ele "entrava como um burro e saia como um cavalo" ou "entrava mudo e saia calado" como ela mesma dizia. Eu cresci absorvendo esses modelos e hoje... meus "Bons dias " são muxoxos e apagados, muitas vezes substituídos por um "Oi..." desprovidos de um "tudo bem?". 


"Ah... esses protocolos sociais me matam" pensava eu, sem entender o motivo. Agora eu entendo o motivo: não aprendi a ter ânimo em socializar com as pessoas. Estou me colocando como uma vítima, eu sei! Calem-se os mais críticos que vão me aconselhar ao seguinte: "Ta bom, mas você não pode ficar pensando no passado, precisa mudar."  'Sim.." eu diria. E continuaria de forma firme e conclusiva: "Mas eu não tinha pensado no passado por esta ótica e de forma tão clara. Então eu preciso, SIM, me colocar como vítima para entender meus traumas e saber como minha mente foi programada para que eu fosse um bicho do mato cristão." 


Bem... hoje não sou mais cristão, mas ainda sou bicho do mato. Me livrei da alienação religiosa, mas também preciso me livrar da alienação social e sair da caverna. Por isso, processar  o sofrimento e suas causas no processo terapêutico é vital para a libertação. Estamos falando sobre a cura pela fala e o que ela desencadeia em nós mesmos. Mesmo sendo formado em psicanálise, minha mente reverbera: na casa de ferreiro, o espeto é de pau! 


Depois de todo esse processamento nas ruínas da minha  própria caverna posso ir à luta e trabalhar na mudança desses padrões inconscientes. Mas nesse momento, meus caros, meu peito está aberto. É necessário fechá-lo com pontos para que ele cicatrize. Eu poderia expor mais coisas que provêm lá da época do meu avô, mas isso daria  em um buraco muito mais profundo e que poderia ser resumido no seguinte: 


A estrutura familiar da família do meu pai é conturbada nesse aspecto e essa conturbação chegou até à minha argila úmida da infância e hoje sou uma pessoa conturbada e antissocial com muitos e em boa parte do tempo. 


-Gabriel Meiller