Afetos são inclinações que fazemos (aos) ou recebemos dos outros. Afeto vem da palavra latina "affectus" que significa "disposição, estar inclinado a algo..." e affectus vem de "afficere" que significa afetar, fazer algo a alguém. Pensando a dinâmica dos afetos nas relações, estamos sempre inclinados a fazer algo a alguém, ou alguém sempre está inclinado a algo para conosco.
O que é a relação senão um jogo complexo de afetos que envolve a todos que nos rodeiam? Somos afetados, mesmo quando fingimos que somos indiferentes, pois a indiferença é o fim de um afeto... seja bom, seja ruim. Somos afetados! E sair dos afetos é a indiferença que anseia o isolamento desse jogo de afetividades. Desejamos geralmente as "afestividades", isto é, os afetos bons, que lembram "festas". Mas a vida é um festival de afetividades em que não podemos escolher o "à la carte" em que só os "bons" afetos são escolhidos.
Os afetos são neutros... nós é que sentimos eles como bons ou ruins e decidimos agir em reação a esses estímulos. É por esse motivo que o ódio é um amor em sentido contrário, querendo reivindicar algo; e por esse motivo que a indiferença é a desfeita do amor e do ódio. A indiferença é o caminho para fora dos afetos por causa de afetos ruins do indivíduo que está cansado. Ele deseja a solitude e a recuperação.
Mas e se quisermos falar sobre afetos em relações amorosas? São essas relações que reivindicam a maior e também a mais cobrada "afestividade". "Relação" virou sinônimo de "relação amorosa" assim como "Gillete" é o sinônimo de lâmina de barbear. Esse reducionismo, essa violência etimológica transparece que a relação verdadeira é somente a relação amorosa para grande parte do senso comum. Explorar os meandros das relações amorosas e monogâmicas se revela um terreno pedregoso a ser percorrido pelo fato da maioria das pessoas sofrerem pela possibilidade de compartilhar afetos exclusivos dessa relação que possuem com seu cônjuge. A ideia de dividir pessoas é absurda ao nosso imaginário... e então nosso desejo de rotular o outro como nosso namorado(a) é uma segurança emocional para que pensemos que ele(a) é nosso e não poderá nos deixar ou nos trocar.
Com isso, estamos alimentando a ilusão de estabilidade e segurança que um rótulo nos oferece. E se nos relacionássemos com pessoas sem rotulá-las em amizade, namoro ou algum outro gênero de seccionamento de afetos? Para a grande maioria isso seria um tremendo caos, bem como para a jurisdição brasileira.
Um amor livre, sem rótulos... provoca um tremendo afeto na sociedade: o sentimento de surpresa e desorientação. A sociedade não está preparada para relações sem rótulos justamente porque se construiu em cima da posse do outro! "Ele é meu! Ela é minha! Eles são meus!" Mas a ilusão de segurança do pronome possessivo também gera problemas por causa dessa energia de querer controlar o outro em diferentes escalas. As escalas mais comuns são dos maridos possessivos que não deixam a mulher sair com amigas ou nem mesmo sozinha. Todos nós já sabemos do óbvio. Mas e as situações menos óbvias e mais inusitadas e que também podem nos estressar?
A grande questão não é ser monogâmico, poligâmico ou sem rótulos nas relações humanas. A grande questão é como nos sentimos ao nos anularmos pelo sentimento de posse e de controle sobre o outro; ou por causa do controle que o outro exerce sobre nós. Há pessoas que certamente amam a monogamia e vivem tranquilas e reagem bem a esse sistema de posses. Mas e aquelas que se sentiram peças fora de um quebra cabeça monogâmico? O sistema naturalmente nos ensina a seccionar afetos e enquadrar cada um em uma caixinha. Mas e os rebeldes, aqueles que não querem esmagar seus desejos e inclinações que não se encaixam no grande status quo? Esses sofrem e se culpam por não se encaixarem na estrutura.
Mas esses aprendem, mais cedo ou mais tarde, que: se a estrutura quebrou eles... eles quebram a estrutura! E vivem como bem entendem dentro de suas perspectivas como espíritos livres. Essa é a oração daqueles que são fiéis a si mesmos e aguentam o "peso" da liberdade de serem de si mesmos!
-Gabriel Meiller