domingo, 6 de janeiro de 2019

Cerkhenejev


 

Quando Cerkhenejev, cheio de audácia e ímpeto bravio, tomou a espada no salão dos Sultões do Norte, o medo tomou conta dos visitantes que faziam uma linda refeição no salão principal de festas. A sinfonia lúgubre de cabeças rolando, junto com o estrondoso som da manada de humanos pisoteando aqueles que caíam ao chão, trouxe fortes cores ao show de horror desta carnificina.
O clímax irrompente de forma abrupta, demonstra uma enorme história por trás desta cena principal. O que levou um ser humano, em pleno período de paz, esguichar litros de sangue pelo luxuoso salão dos sultões, seguido da erupção da manada pisoteante de seres humanos apavorados?  Os julgamentos do juiz que bate seu martelo em um condecorado tribunal são pários para julgar um momento de fúria provocado pela maré das emoções e dos acontecimentos anteriores não mencionados? Não precisa ser um meritíssimo juiz oficial, mas pode ser um juiz dentre os sete bilhões de juízes nascidos no mundo. Aquele que julga, observa a calamidade de forma bruta; a ação ultrapassa a capacidade das palavras argumentarem o ato consumado. Quero dizer: o indivíduo que fosse pego por um guarda tentando pular às pressas o muro de sua própria casa, não seria recebido com um leve aviso: "Desça daí!", mas talvez seria abordado às cacetadas, fortes gritos ou talvez um tiro na perna. E por que afinal alguém pularia o muro de sua própria casa às pressas?
  Este é o ponto! O absurdo das ações cruas, não explica os motivos pelo qual elas foram tomadas; a adrenalina pulsante do sangue do dono de casa que, morando sozinho deixou cair sua chave numa vala, após ter se assustado com o motorista bêbado que quase passou por cima de seus pés no caminho em que ele caminhava para o supermercado, tendo despertado nele a lembrança de que esqueceu seu forno à lenha ligado, juntamente com o álcool que derramou no chão de sua cozinha, logo depois de ter se assustado com um barulho repentino dos fogos de seu vizinho barulhento; tudo isto misturado com pitadas de amnésia, após o esquecimento de sua panela de arroz, agora torrado, no fogão aceso. Nesses milésimos de segundos, após seu quase atropelamento e a torrencial invasão de preocupações causadas por estas lembranças, sua preocupação em procurar a chave e o fato de não tê-la achado, se transformou em uma explosão de adrenalina que o fez correr para sua casa e pular o muro com medo de que um possível incêndio em sua casa queimasse seus pertences e seu lindo companheiro Beagle de estimação, chamado Lobby.
Ao vê-lo correr bem na hora em que estava, em sua patrulha noturna, o policial Edward Gafrée, um italiano de sangue fervente, recém saído à dez minutos de sua infernal casa, moribundo com a espalhafatosa briga com sua mulher amante de filmes de terror, que ama comer almôndegas com ravioli,  que é neurótica por limpeza. Também adornada pelo transtorno obsessivo compulsivo e depressão sazonal aos invernos; ao sair de casa e ver, de dentro de seu carro, o maligno delinquente tentando pular o muro, o policial lembrou dos incidentes recentes de invasões a domicílios que rondavam o bairro. E não deu outra... batata! Nem Tom, que era Irlandês por natureza, iria amar essa "batata" que estava prestes a cair em sua cabeça, ou melhor, em suas pernas e lombar!
Gafrée, inundado com sua raiva e necessidade de deslocamento do seu exacerbado sentimento de raiva, almejando descontar o ódio que sentia de sua mulher rabujenta (ou incompreendida), se realizou naquele incidente! Pobre Tom; ao tentar escalar o muro de sua casa, prestes a escalá-lo e pular por cima dele, para se assegurar da integridade de sua casa, ouviu um forte grito que irrompeu dos pulmões raivosos de Gafrée. Antes que pudesse se virar, levou uma literal cacetada em sua lombar e pernas, e caiu no chão feito tábua de madeira. Quando tentou abrir os olhos para entender o que acontecia, recebeu mais pancadas do guarda moribundo e extravazante de sua raiva. Após acabar de serem desferidos os desnecessários golpes de cacetete, o guarda olhou ao redor e viu o burburinho dos moradores que diletavam entre a confusão, a indignação (seja pelo policial agressivo, quer seja pelo possível ladrão) e o espanto. Após os esclarecimentos, seja pela diminuição da maré dos hormônios que saltitaram naquele momento como pipocas em panela de pressão, seja pelos clamores dos vizinhos de Tom que o conheciam muito bem... as palavras puderam explicar a ação bruta de um homem pulando um muro e reação de um guarda voraz explodindo em violência. Após ter passado o barulho das emoções e primeiras impressões, o contexto começou a emergir em um debate coletivo daquela vizinhança de Westwood.
  Gafrée lamentou amargamente por ter caceteado Tom, que lamentava o infortúnio desencadeado pelos imprevistos de diversos mundos que se entrecruzaram na Avenida da Existência e invadiram a sua casa solitária, que sofreu rachaduras pelo grande porrete. O motorista bêbado e depressivo, o garoto que se divertia em explodir bombinhas e incomodar a vizinhança, o policial possesso pela raiva e vontade de extravasamento; e também... os expectadores que passavam na rua no momento da confusão. E principalmente estes, foram os juízes que bateram o martelo em suas consciências, após se depararem com as ações brutas naquele momento repentino. "Culpado!" Disseram para si mesmos aqueles que não conheciam Tom ao pular o muro. Ou aqueles que conheciam Gafrée e sabiam do seu histórico e de sua mulher que aparentemente infernizava sua vida.
  Aonde quero chegar com tudo isto? Você já sabe... na incapacidade de olharmos o subjacente, na facilidade de acreditarmos na superfície de uma situação, sem entender o que de fato acontecia nos bastidores da cena principal. Você se acha capaz de bater, agora, este martelo? De condenar Cerkhenejev e o banho de sangue que gerou a manada que esmagou os crânios das vítimas que caíram e foram pisoteadas? Se não acha ser possível pelo fato de que nem tudo é preto no branco, muito menos só cinza, os bastidores te aguardam nas próximas páginas. Independente do veredito, a verdade é uma só: Mas... o que é a verdade, afinal? O papo filosófico não vai estar presente por esboços e ensaios epistemológicos, muito menos por meio de outras dessas palavras difíceis; vai estar presente no teatro da história fictícia que se segue, composta dos porões da memória de algum ser vivo que decidiu transcrever o que todos imaginaram e já assimilaram pelas dinâmicas do dia a dia: quando lidamos com pessoas e não com algorítmos, estamos ou não, preparados para bater o martelo? 
#Prosador

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