quinta-feira, 22 de dezembro de 2022

Quando os valores cristãos não são suficientes: compaixão e misericórdia

 



Existe um limite para todo valor religioso ou laico, bem como para todo ideal de qualquer ideologia. Dizer que qualquer valor moral ou verdade de algum sistema é suficiente, significa reduzir e encaixotar a existência a um sistema de crenças. Isto é muito comum principalmente entre o imaginário religioso cristão, bem como em toda ideologia totalitária. 


Como a temática de Nietzsche continua atual, no sentido de criticar o holocausto cristão que subjugou os instintos do homem e o tornou um animal de rebanho, suprimindo as individualidades, a minha crítica será aos valores cristãos que moldaram o inconsciente coletivo do Ocidente. Não é uma crítica contra os ideais em si, mas a estes como valores insuficientes para a existência como um todo. Mais do que isso: uma crítica contra o mal uso desses valores e a universalização deles, como é praticado em muitas instituições religiosas.


Compaixão e misericórdia: 


São valores, como postula Nietzsche, passivos, negativos e que estimulam a conservação do que é baixo. Eles demonstram o adiamento de uma fruta podre que contamina as outras frutas sadias, como expresso na imagem do texto. Misericórdia significa "coração voltado para a miséria". Quando esses valores de misericórdia e compaixão são impostos pela moral (que é coletiva em si) eles já não são genuínos, mas fazem mal para quem os pratica sem critérios e para quem os recebe de forma ingênua. Aquele que pratica esses valores de forma obrigatória, tende a enxergar (de forma inconsciente) o alvo de sua compaixão e de sua misericórdia como inferior e um objeto de caridade para ressaltar o ego do praticante. Neste sentido o tão gabado assistencialismo religioso pode ser danoso e prejudicial.


A aplicação de forma sistêmica desses valores impede o praticante de enxergar os momentos de não demonstrar compaixão, bem como de não exercer misericórdia. Muitas vezes aquele que não é alvo de uma ajuda sistemática e contínua, aprende a cultivar independência, a endurecer diante dos desafios da vida, a travar batalhas no Ágon. Desta forma, a compaixão excessiva mata o seu alvo, o atrofia e não promove as qualidades ativas necessárias, além de cristalizar a pessoa que é alvo dessa compaixão como: miserável, digna de dó e piedade, inferior aos outros e doente em estado terminal. Já quem pratica a misericórdia e a compaixão sem equilíbrio tende a ser um possível narcisista arrogante que carrega o mundo em suas costas. Mais do que isso: se considera um escolhido por Deus para levar a salvação aos outros que estão perdidos nas trevas: "oh, coitados!" 


Ao invés disto, a vingança deve compensar; aquele que se vinga no sentido de não guardar ofensas, mas de devolvê-las, impõe limites e mostra que é digno de respeito e que não irá tolerar desrespeitos.  Aquele que é firme em suas posições (mesmo que pareça arrogante aos falsos humildes) é verdadeiro e sincero, enquanto o pietismo hipócrita e da falsa humildade é enganoso e pouco produtivo. 


Quem é mais sadio? Aquele que se ira e xinga seu semelhante e depois esquece das ofensas ou aquele que não devolve a ofensa, mas guarda o rancor e por isso adoece? Pior do que isso... retribui em dobro de forma sorrateira, mostrando um semblante calmo e sereno, mas irado por dentro. Este sujeito que aparenta estar calmo, na verdade está remoendo o passado por dentro, guardando de forma rancorosa seu ódio. É aquele que "mata na unha!" Aquele que sofre uma ofensa, mas não devolve... está acumulando brasas vivas sobre a sua cabeça: as brasas da mágoa. 


Mas aquele que devolve, nem que seja a devolução com o bem de forma ativa... este não guarda nada, não é ressentido, mas demonstra que está vivo e não se deixa ser castrado pela religião dos desafetos.  


O que percebemos da moral nietzschiana é que ela é contra toda imposição universal valorativa aos indivíduos. Cada um deve valorar a vida como bem entende, de acordo com suas reflexões. Ninguém é obrigado a seguir um livro tido como "inspirado por Deus" e praticá-lo. Cada um é responsável para seguir o que lhe convém e o que lhe vivifica. O "bem" e o "mal" não devem ser tomados como absolutos de acordo com a metafísica, mas como uma reflexão individual e segundo a vivência de cada um. 


"Conhece-se minha exigência ao filósofo, de colocar-se além do bem e do mal — de ter a ilusão do julgamento moral abaixo de si."  -Nietzsche


-Gabriel Meiller

quinta-feira, 15 de dezembro de 2022

A transvaloração dos valores bíblicos pela via bíblica: o Nazareno

   


 "Pois quem quiser salvar a sua vida, a perderá; mas quem perder a vida por minha causa, a encontrará..."


O mestre proferiu estas palavras cobertas de sentido, proféticas sobre a humanidade e a respeito da chaga do cristianismo. Aquele nascido nos cafundós da judéia nunca esteve tão certo. "Pois quem quiser salvar a sua vida, a perderá..." isto é: aqueles que querem a salvação da alma e entregam suas almas aos seguidores do Nazareno. Aqueles que não se enxergam como salvos, suficientes e admoestados pela pedagogia da vida... são entregues ao diabo sacro: ao próprio Nazareno, o profeta cristão.


Entregues ao Nazareno e aos fundadores de sua religião, estes são torturados e enfraquecidos, tornados decadentes, membros do rebanho e da castração bíblica. Estes, que entraram ao clube do Nazareno com a intenção de salvar suas vidas, perdem-nas de forma sistemática e progressiva.   


"Mas quem perder a vida por minha causa, a encontrará..." e assim, a alma desalmada

é enfraquecida. A alma que rasteja no deserto da autoprivação e da padronização cristã que estupra sua personalidade, sua apreciação da vida e uso da vontade... esta alma é invadida pela consciência da vida. Percebe seu erro de entregar a alma a Jesus e ser refém de uma metafísica enganadora, carrasca e que torna o fiel cada vez mais dependente. É neste momento: quando o combate útilmo é travado contra o cerne da religião cristã, ou seja, contra o Nazareno; é neste momento que a alma entende que perdeu sua vida por causa de Jesus, mas principalmente por seu desamor à vida, à emancipação e capacidade dela de gerí-la e montar seus próprios valores; é por essa percepção e combate aos ídolos mais ferozes que ela encontra a verdadeira vida, a vida em abundância; a vida emancipada do Nazareno e o triunfo sobre ele e o sistema podre que erigiram em seu nome. Desta forma: "...quem perder a vida por minha causa, a encontrará", pois nunca mais à deixará sobre o encargo de ídolos ou deuses, principalmente o pseudodeus cristão dos cafundós da Judeia. 


-Gabriel Meiller 


Um agradecimento especial ao cristianismo

 



Quero agradecer em primeiro lugar ao cristianismo. A religião cristã e eu somos muito íntimos de certa forma. Quem disse que religião estraga o homem? Este alguém está certíssimo; mas depois de estragá-lo com o senso de justiça/vingança, com as repressões aos prazeres e conhecimentos terrenos... depois de aterrorizá-lo com o medo do inferno ou com a culpa infernal... a religião o ensina a valorizar a vida! 


O cristianismo me escravizou para depois me libertar; me ensinou o que não fazer e o que fazer. Meu carrasco é meu salvador. Nesta relação mazoquista eu aprendi a amar este algoz abusador. Os homens fortes são aqueles que se permitem endurecer diante dos agressores e superarem a ele na luta da vida. 


Fui privado do conhecimento terreno antes; após a libertação o busquei de todo o coração, alma e entendimento. Fui privado do sexo e então me afundei nele; entretanto, este efeito rebote, esta antítese que criei me ensinou o caminho do meio. 

As antíteses são necessárias para compensar uma tese deveras reforçada. Os que entendem a dialética hegeliana sabem do que falo.

Durante os últimos seis anos eu fui a antítese do cristianismo, do sistema de fé que impõe valores universais e esmaga as individualidades. 

Aos que são cristãos e estão contentes, certamente não falamos do mesmo cristianismo. Mas aos que se identificam com o que estou dizendo, sabem exatamente do cristianismo que estou falando. 


Nesta antítese de seis anos eu virei um laboratório e minha própria cobaia, bem como meu próprio analista, cientista e salvador. Eram problemas que somente eu resolveria em uma meditação interior, ruminadora. Os excessos hedonistas foram instintivos após a jaula da minha alma se abrir. Eu queria experimentar de tudo um pouco, tudo que era lícito ou que pelo menos não era deveras horrendo e psicopatológico. Então com a melhor professora, isto é: a vida e suas consequências eu consegui tirar minhas próprias conclusões dos excessos. 


Diferente daquele não nascido na opressão e que se contenta com a zona média, nasci no raso e naveguei para as profundezas da alma. Não é orgulho arrogante o que escrevo, muito menos falsa humildade. É minha autoanálise diante do que vivi e com quem convivi, diante da média ponderada dos que observei. E posso concluir: o que faz um homem, em parte, é o aprendizado que este tira do sofrimento, é a vontade de potência que ele desenvolve quando os empecilhos da vida instigam esta vontade a aumentar para atingir seus objetivos. 


Ao meu mais brilhante e carrasco professor por quem nutro uma destrutiva admiração e agradecimento não tanto mais raivoso: ao cristianismo meu mais profundo agradecimento! Como o escravo que beija a mão do senhor que o espancou e depois o jogou à liberdade, após este não ser mais útil para nada... ao cristianismo meu afeto, no sentido mais primitivo e etimológico da palavra "afeto". 


-Gabriel Meiller

sábado, 10 de dezembro de 2022

O Eu lírico interno


 


Quando o silêncio do Real reina, as lágrimas são a expressão mais adequada. Nenhuma palavra, nenhum campo simbólico consegue expressar certas sensações e sentimentos peculiares do ser que deveras sente. A vertigem melancólica e a nostalgia saudosista do passado são sensações humanas, mas cada um sente como se fossem únicas: e de fato o são. 


O passado me aflorou, fui pego por ele desta vez. Meu semblante mudou e só restaram lágrimas e um misto de emoções boas e ruins. Uma zona cinza se fez presente no meu psiquismo e lembranças me pegaram de jeito avassalador.


O que hoje sou é um protesto ao passado; uma outra face da moeda. Eu estava em um barco com rumo certo e constante, regado de verdades eternas e aconchegantes. Houve então a explosão e o barco se estilhaçou em pedaços; nadei rápidamente em busca de um refúgio e encontrei um bote. O bote não tinha presunção de um caminho certo, adornado de aconchegos. Ao contrário, ele era selvagem, bruto, andava à deriva, pois nada o podia domar. Nasceu para a liberdade e para os ventos dos quatro cantos, sem rumos e atracando de vez em quando em ilhas no meio do oceano.


Pois bem... pedaços do barco destruído emergiram e seguiram o bote; outros barcos semelhantes se aproximam com certa frequência e se mostram desejosos de seguir um rumo junto ao bote. Os conflitos nascem dos contrastes entre barcos e botes... e então me vejo diante do espelho com uma aparência sem rosto. No lugar surgem diversas máscaras, assim como o poeta das mil e uma faces. Assim como aquele que não se curva diante de nada, mas venera todas as máscaras. 


Aquele que estava perdido,  mas foi achado nos braços do acaso; que encontra nos mitos o consolo e nas velas que iluminam o escuro a redenção do obscurantismo. Mas ao perceber que tudo isto é muito incerto e nada se pode saber... descansa na escuridão das incertezas e diz: o que quer que haja aí, fora do oceano cheio de botes e barcos... eu aceitarei de bom grado. Este sou eu, em uma imagem metafórica; como um interior cheio de jardins da alma que são atemporais, pois o hoje e o ontem para mim são a mesma coisa e me afetam da mesma forma. Os jardins mais ricos, são os mais caóticos; me disse certa vez um ser de bigodes com expressão fechada. 


-Gabriel Meiller