O Ceticismo Além do Ateísmo
Muito tem sido debatido, desde a antiguidade, sobre a existência ou inexistência de deuses, e outros conceitos metafísicos como karma, espíritos, reencarnações, outros planos, renascimentos, etc. A consciência do homo sapiens nestes milhares de anos se expandiu coletivamente de forma avassaladora. De conceitos míticos e metafóricos à conceitos mais literais e pretensamente objetivos. Os livros sagrados e suas teodiceias representam o engatinhamento da humanidade em termos de conhecimento racional de mundo. Vivemos em uma sociedade cristã, que cultua a Bíblia e interpreta o surgimento do mundo literalmente, como o Gênesis, que já há muito tempo foi desmistificado pela teologia não denominacional, bem como abordagens antropológicas, históricas e biológicas.
Até o espiritismo acredita na evolução, bem como o budismo, assim como alguns cristãos mais esclarecidos e não doutrinados pelo fundamentalismo. O Gênesis é um mito! E o que a palavra "mito" quer dizer? O mito é uma tentativa da humanidade, em sua infância, de explicar as suas origens, quando ainda era desprovida de literalidade e da capacidade tecnológico-científica de investigação desses assuntos.
Com o desfecho histórico da Antiguidade, através da queda do Império Romano do Ocidente, e com a Europa alicerçada no cristianismo, como resultado da fusão da cultura greco-romana somada à cultura bárbaro-germânica... surge o homem medieval. As religiões pagãs foram vencidas pelo cristianismo, e o homem medieval foi envolvido numa redoma de religiosidade, tomada pelo ódio ao corpo, valorização do espírito, do invisívelmente intocado. Explicações mais naturalistas, bem explicadas pelos filósofos jônicos e atomistas, foram dispensadas e a superstição tomou conta do Ocidente. Fogueiras, inquisições, cruzadas e guerras em nome de conceitos não objetivos, ocorreram.
Conforme o medievalismo foi sufocando a alma medieval, saturada pelos dogmas, niilismos, e dualidades... o homem medieval recorreu aos gregos e ressuscitou uma cosmovisão que havia adormecido, ou melhor, sido adulterada pela fusão de culturas no início da Idade Média e pelo apropriamento católico da filosofia grega. O crescimento da burguesia, o renascimento, e a ânsia por explicações mais racionais possuíram os homens daquele tempo. E então a ciência moderna começou a ser embrionada no útero medieval-moderno! O contexto do surgimento da ciência moderna é marcado não só pelo cansaço do homem com a superstição por um lado; mas opostamente, também, com a curiosidade dos cientistas para tentar explicar as obras de Deus. Ao ver de alguns, o universo era criação de Deus: perfeita, admirável, bem calculada, etc. Vendo desta forma, através de dois pressupostos simultâneos e complementares, a ciência era o cansaço da religião, do mítico, de Deus; bem como a tentativa de explicar como ele fez e organizou o funcionamento do universo.
O homem medieval não resistiu ao tempo, transitou para o homem moderno, e estamos aqui no homem pós-moderno! A ciência consolidou seu valioso princípio: explicar o "como" das coisas, mas nunca "o que" elas são. Isto ela relega para a filosofia e sua tentativa caprichosa de tentar esta árdua e impossível tarefa. Mas como funciona a ciência? Essa pergunta é imprescindível, visto que todos querem usá-la para validar suas crenças, dizendo: "É científico, viu?" Ou seja: "é indiscutível, acabou aqui esta discussão!"
Podemos dizer que a ciência é uma investigação humana que procura o confronto de ideias/teorias e fenômenos, bem como a falseabilidade delas e a repetição destes fenômenos em laboratórios. Quando não podem ser repetidos, busca-se a comprovação desses fenômenos ou dessas teorias por outros meios, como por exemplo a teoria da evolução: comprovado pelo registro fóssil, pela bioquímica e estudos fisiológicos e anatômicos.
Mas e as teorias e crenças que não podem ser testáveis ou falseáveis? "Sinto muito" diz a ciência! "Não podemos nos pronunciar a respeito disso." E então é quando qualquer indivíduo que possua excelentes capacidades argumentativas e predisposição para o "cherry picken" (pinçagem a gosto, conveniente), pode formular suas explicações racionais com base em sua interpretação da ciência e do que ela NÃO DISSE, por obedecer aos princípios falseáveis como norteadores de sua investigação. Neste ponto, temos que saber separar "fatos" de "crenças e opiniões" e é neste ponto que a honestidade e a humildade epistemológica separa um pensador maduro de um pensador imaturo e desonesto. E a questão da existência ou inexistência de deuses, espíritos, reencarnações, outros planos, etc... é levantada novamente! Estes conceitos existem de fato? O que são eles? Se existem, interpretamos eles adequadamente e de quantas formas possíveis? Pois o deus cristão tem sido concebido de forma carrasca, e muitos ateus são mais ateus do deus cristão do que qualquer outra coisa. Os deuses não existem? Como sabemos? Como podemos bater o martelo e provar cientificamente que todos eles são invenções da mente humana? Podemos?
Perceberam? Não há garantias de nada, mas apenas especulações! Não há ciência para selar a crença na existência de metafísica, nem de sua inexistência. Pois para a ciência: ausência de evidência, não significa evidência de ausência! Tanto o ateu, quanto o teísta/deísta/místico estão subordinados a uma crença. Um está subordinado à crença da existência de outros seres e de uma vida após a morte; já o outro, está alicerçado na crença do nada após a morte, somente do fim da consciência e da matéria. Muitos conseguiram ser céticos com os conceitos metafísicos teístas... mas poucos usaram o ceticismo para o nada, para questionar a crença na inexistência de fenômenos metafísicos. O ceticismo em relação ao ateísmo é tão necessário quanto o ceticismo nas ideologias metafísicas.
Com isso em mente, surge em 1869 o termo agnosticismo, cunhado por Aldous Huxley (mas sendo de origem grega) que nega a ilimitação da razão para encerrar uma discussão tão grande sobre a existência ou não de divindades e outros assuntos. Para o agnóstico, ou seja, "aquele que nega ter o conhecimento", o mundo é complexo demais para dizer um "sim" ou "não" para estas questões. A razão é frágil e limitada (apesar de seus avanços e utilidades) comparada com a totalidade da existência, e insuficiente para afirmar ou negar categoricamente alguns desses pressupostos.
Agnosticismo é o ceticismo da razão, de sua capacidade ilimitada. Seja o indivíduo um agnóstico; agnóstico teísta/deísta, ou agnóstico ateísta, ele reconhece essa fragilidade da razão, e assume sua crença com ressalvas, com humildade, com ceticismo! Pois o ceticismo vai muito além do ateísmo!
-Gabriel Meiller.
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