domingo, 29 de agosto de 2021

O Vício do Unilateralismo Epistêmico


 Uma não tão criticada chaga, presente no cotidiano dos "mais intelectuais", se chama unilateralismo epistêmico! De maneira grosseira podemos descrevê-lo como a alienação numa visão de mundo a partir de uma única ou de poucas ciências ou perspectivas científicas. O que isso significa em exemplos concretos?


 Um indivíduo que entra em um curso de ciências biológicas e começa a enxergar o mundo somente a partir da cosmovisão biológica. Ou seja: de que o ser humano e os demais seres vivos são destinados a nascer, se reproduzir e passar seus genes adiante, cumprindo a lei natural da degeneração, ou seja: a morte! 


Mais adiante temos um indivíduo que entra em um curso de história e começa a enxergar tudo como histórico: história da matemática, história da filosofia, história da política, bem como o fato dos homens serem mais filhos de seu tempo do que de seus pais, reféns dos períodos históricos. Existe algo novo para o conhecedor das mentalidades humanas e assistidor das grandes atrocidades do espírito humano? Ele diz, farto de tudo, o mesmo que Cazuza: "Eu vejo o futuro repetir o passado, eu vejo um museu de grandes novidades!" 


Logo em seguida entra em cena o graduando em psicologia, viciado na perspectiva de dissecar a mente humana; enxergando-a não somente como fruto de sua época, mas como fruto de sua criação, traumas, determinações psíquicas, mecanismos de defesa, etc.  Cada ser humano vira alvo de pesquisa laboratorial... cada palavra e expressão é analisada friamente e de forma calculista, pois o psicólogo persegue padrões na cobaia analisada. 


Semelhantemente podemos dizer isto sobre o estudante de filosofia que enxerga os reles mortais como "mentes fechadas", necessitados de libertação do senso comum e da padronização e normatização sufocante. A alegoria da caverna sempre é relembrada pelo aspirante a filósofo com grande saudosismo. 


O astrônomo/astrofísico começa a enxergar os seres humanos como simples pontos no meio do nada (o que em parte somos) e sua perspectiva é de olhar para a imensidão do cosmos, que empalidece a Terra e suas pobres criaturas cheias de humanismo e valores morais inúteis perto do imenso universo. 


O químico, aquele bruxo científico, enxerga o mundo como uma consequência de mistura de substâncias que podem alterar estruturas orgânicas, estados de consciência; tudo é um aglomerado de substâncias que podem estar em equilíbrio para a vida na Terra, ou em desequilíbrio, para a sua ruína. 


Essas visões unilaterais são comuns nos primeiros anos de curso (ou de aprendizagem autodidata) de cada indivíduo. Eles certamente necessitam passar por esse processo de aprofundamento, que gera essa unilateralidade momentânea. Porém, depois de um tempo é necessário o processo de sínteses mais transdisciplinares. Em que a consciência do indivíduo começa a cruzar estas epistemologias, fazer novas sínteses, confrontar cosmovisões, montar o quebra-cabeça do todo da existência... e chegar a conclusões amplas, que desistem de unilateralizar o ser humano e o universo. Somos, lógicamente, um pouco de todas essas perspectivas anteriores mencionadas. Mas nós, o universo e os seres vivos, não nos reduzimos a isto somente; a transcendência está no fato de que o olhar humano é limitado demais perto da grandeza do Real, do que de fato as coisas são em realidade, para além das caixinhas epistemológicas ensinadas nos livros, nas universidades, na ciência, na religião, na arte, etc.


A realidade está sempre além das nossas perspectivas e olhar presunçoso de topeira! Como afirmou Shakespeare: "Há mais coisas entre o céu e a terra do que pode imaginar nossa vã filosofia...".


Sendo assim, só podemos superar o vício do unilateralismo epistêmico quando somos bagaçados e surpreendidos pela realidade e aprendemos a desenvolver a humildade epistêmica. 


Nisto consiste a minha espiritualidade: enxergar que o universo sempre tem algo a nos contar de novo! Sempre está disposto a nos surpreender com a sua complexidade e sua desobrigação de nos corresponder. Aos mais ateus, peço a sensibilidade de interpretarem a palavra espiritualidade sem o invólucro religioso, pois a religião não pode mais monopolizar palavras desse tipo... não! Ela não possui mais poder algum sobre elas! 


Gabriel Meiller

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