terça-feira, 28 de setembro de 2021

O desejo em Nietzsche e Schopenhauer




   Toda filosofia de algum pensador é norteada pelo princípio de espaço-tempo, isto é, possui um contexto específico em que ela surge. "Desta lei jamais escaparás", acrescentou a História. Sob todo o invólucro de pensador divinizado, entronizado em sua filosofia, sempre há o lado humano, demasiado humano; analisável e passível de relativização deste pensador.


Alguns, é verdade, estão mais distantes e cobertos pela falta de documentação de sua época, de sua psiquê, tornando-se vultos históricos, obscurecidos pelos relatos dos relatos dos relatos de quem eles eram ou deixaram de ser. Sócrates, Pitágoras, Homero, Platão, Jesus, Buda... são exemplos de vultos que foram preenchidos por arquetipias, anseios humanos do que eles deveriam ser. Essa fábrica de heróis, de ídolos, começa quando o suposto herói não pode ser tocado, nem conhecido concretamente. 


Na caso de Schopenhauer e Nietzsche, estes espíritos são mais palpáveis, delineados, conhecidos. Suas ações, vidas, traumas, derrotas, abrangentes escritas, etc. Através desta máxima de que estão mais próximos de nós e são psiquês passíveis e possíveis de análise e conhecimento... podemos afirmar que a filosofia destes autores é uma síntese de alguns determinantes: contexto histórico; criação e experiências pessoais/subjetivas; e inspirações teóricas e filosóficas destes autores. 


Schopenhauer é conhecido pela sua máxima de que o desejo é equivalente ao sofrimento, sendo esta máxima retirada e absorvida do budismo. Mais do que isso: o desejo é o ente metafísico que governa todas as coisas de forma voraz, desgovernada, intransigente. O mundo schopenhaueriano não é ordenado, racional, nem linear; mas a expressão da loucura do desejo e do acaso. Nunca, na história da filosofia, o pessimismo filosófico foi tão bem sucedido quanto em Schopenhauer. Um sistema metafísico ateu foi o que Schopenhauer deu ao mundo, através de suas influências filosóficas baseadas em Kant e na antiga filosofia indiana/búdica. Sua vida depressiva, os impactos com a miséria humana em suas viagens, a morte de seu pai e a falta de sintonia com sua família fez de Schopenhauer o que ele se tornou. 


Existem certas condições na existência que aguçam os sentidos dos filósofos e uma delas é o sofrimento. A condição em que Schopenhauer foi colocado na existência deu a ele uma visão ampla e aguçada que influenciou o outro filósofo: Friedrich Nietzsche. 


O mestre do martelo um dia foi um devoto cristão em tenra idade; seus avós e seu pai foram pastores protestantes.  Ah, o ethos protestante esmagador! O protestantismo foi um catolicismo astuto e racionalista. E as seduções do ethos protestante passaram diante dos olhos de Friedrich Nietzsche. Afinal, era uma tradição familiar desde seu bisavô a formação de pastores e homens protestantes. Como escaparia Friedrich deste destino ascético que o aguardava? Sua primeira perda ocorreu com a morte de seu pai aos seus cinco anos de idade. A figura paterna... a responsável pela proteção, consolo e segurança se foi e este órfão aprendeu desde cedo o que evidenciaria em sua filosofia: o caminhar sem muletas! Afinal, desde criança este jovem Nietzsche aprendeu a caminhar por si mesmo e por suas percepções de mundo. Seria necessário que se cumprisse a palavra que o destino proferiu sobre ele: "este será o Übermensch!"


Sua forma de honrar o falecido pai foi decidir seguir o seu caminho e através disso o jovem Nietzsche entrou para o Ginásio de Naumburgo com dez anos e decidiu se dedicar a estudar a Bíblia. Quanto mais se aprofundava, mais questionava o cristianismo e suas aberrações. Aquilo que o esmagou e quase o matou... o fez mais forte! E que força manifestou o jovem Nietzsche ao ir para a Guerra Franco-Prussiana e ao beber da cultura grega os pressupostos de que a vida é uma constante luta entre o fraco e o forte, que manifesta sua vontade de potência e impera sob os fracos. Em Nietzsche o desejo é levado ao êxito, à realização e ao capricho dionisíaco. O indivíduo é instinto, potência, realização desejosa e tudo o que aflora de dentro de si. Pecado seria não ouvir a si mesmo e aos impulsos da natureza humana; o mais grave pecado seria se alienar do mundo do aqui e agora em detrimento de "verdades eternas", de ideais que veneram o nada: nihil. E o niilismo foi invertido em Nietzsche, e passou a significar toda metafísica que condena a única vida: a vida terrena. 


Ao ser esmagado pelo cristianismo, Nietzsche se fortalece na certeza de que tudo o que importa é colocar a vontade de potência no centro de tudo. Um profundo egotismo e uma repulsa aos imperativos categóricos, bem como o culto ao indivíduo é o pensamento central de Nietzsche. Os ídolos? Todos passam pelo martelo; cristianismo, comunismo, democracia, budismo e outras religiões... todos para as favas. Esses ideais de ressentidos, do populacho que precisa se definir a partir dos fortes e condená-los por dominarem sobre a Terra... são todos décadence. A compaixão é loucura, pois promove a conservação dessa decadência, do fraco. 


O insucesso com as mulheres e rejeição vinda delas, bem como o convívio desagradável com a mãe e irmã de Nietzsche, deu a ele o ar misógino que tanto faltava para a cereja do bolo. O que dizer então de forma geral da filosofia de Nietzsche? Uma filosofia de antítese. Um combate mortal e incansável contra o cristianismo e contra os ideais platônicos e metafísicos. Eis o que fez com que Nietzsche se tornasse o "filósofo de adolescência", isto é: lido por adolescentes antes de se tornarem adultos. Seria possível que esses jovens, ao crescerem, não notassem o princípio de realidade de Freud? De que nem sempre o além-homem, a vida de surfe no acaso da existência, a vida estética como obra de arte e de prazer como finalidade máxima, são possíveis de realização? 


A utopia nietzschiana é estilhaçada quando o discípulo de nietzsche dá de cara com a realidade e enxerga que nem sempre o desejo traz satisfação plena e de que nem sempre o além-homem supera a si mesmo e anda sem as muletas existenciais. Desta forma, percebemos que tanto Nietzsche, quanto Schopenhauer enxergam a importância do desejo e sua devastadora influência sobre o mundo. Porém, a forma que cada um lida com essa realidade se manifesta de formas opostas entre eles. 

-Gabriel Meiller

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