segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

Examine-se o homem a si mesmo, e então coma do pão e beba do cálice

 

 






Existem pessoas que na vida vão a esbarrar aqui e acolá; tateiam em busca de descobertas sobre o que há de significante e aprazível a deleitar-se. Alguns terminam tal caminhada existencial revestidos de uma carcaça pobre, resultante de nadismos e automatismos que foram a viver em tal monótono tempo de vida. Que foram a fazer estes? O padrão; nasceram, cresceram, se preocuparam com os aspectos basilares de suas épocas, como se aliar a um grupo social, emprego, corridas exaustivas atrás de promoções e especializações deste emprego; casar e ter filhos; ou idas frequentes em baladas e eventos semanais; o consumo de séries e filmes; a aposentadoria, a dedicação em cuidar dos netos e em arrumar a casa... e então aquele velho sentimento de um carro velho na garagem! Uma peça que já cumpriu seu tempo e sua função aqui na Terra e resta-lhe agora o túmulo e o fim da consciência.  


É isto? Isto é vida? Viver ou existir? Por deveras medíocre foi tal vida estapafúrdia, alienada no fluxo do famoso "vá vivendo (vá a viver)  vá seguindo (vá a seguir), pois um dia a felicidade chega!" O anestesiamento e o comodismo enterraram tal indivíduo antes do devido tempo e dentro deste havia somente um sepulcro caiado; um engenhoso Frankeinstein. 


Óh, Sísifo! Condenado a empurrar tal pedra estafante até o mais alto cúme para que ela role novamente! 


Que fazer? "A necessidade aguça o engenho..." como diriam meus colegas lusitanos! E então um de seus mais sublimes poetas, exaltado pelo ufanismo lusitano, Fernando Pessoa, nos diz: 


"Não importa se a estação do ano muda... Se o século vira, se o milênio é outro, se a idade aumenta... Conserva a vontade de viver, não se chega a parte alguma sem ela." 


E então o Frankeinstein acorda de seu mais profundo sono; e aqueles sábios que ouvem a voz da revolta contra o absurdo e abrem a porta de suas almas, são revestidos da glória do autosentido da vida. 


E então ela vai a encontrar (encontrando), esta vagante alma, o que a energiza; o que a dá sentido a ponto de cumprir-se a profecia do Eterno retorno do confesso amante da vida. 


Seria o hedonismo para alguns a libertação do absurdo? Uma vida de incansável estimulação dos prazeres? Que assim examine cada um em seu coração e tome deste cálice! 


Seria a tremenda privação e dedicação assídua a alguma causa religiosa ou quase religiosa (como demonstrou o marxismo/comunismo, incumbido de libertar os escravos do capital e guiá-los à terra prometida da igualdade? Ou o fetichismo da meritocracia e da autoregulação do mercado que os liberais econômicos sonharam ?) Que assim examinem em seus corações os devotos de cada causa religiosa, ou semirreligiosa... e bebam desse cálice! 


Seria a profunda revolta niilista (seja qual for o sentido do niilismo), principalmente o niilismo de negar que qualquer verdade possa ser alcançada?


Deste cálice assim beba, tal ser vivente!


Seria a tentativa incansável, por meio da filosofia racionalista, da tão sonhada busca da Verdade? Verdades acessíveis integralmente à faculdade da razão? Arre... já ouço Friedrich Nietzsche revirando-se em seu túmulo! Embora este jogo de brincar de atingir a onisciência seja seduzente aos amantes da filosofia. 

Que também, estes, bebam de seu cálice! 


Seria, então, a tentativa de viver o ideal nietzschiano? De não adotar nenhum aparente ídolo de nenhuma espécie? APARENTE, pois o próprio Nietzsche ergueu seus altares aos gregos e sua cultura suprema. Viver a vida de forma estética e com o mais profundo gosto, abraçando o sofrimento e se fortalecendo deste? 


Quem assim pensa e compactua, que erga seu cálice e o beba com gosto! O cálice de Dionísio! 


 

Portanto, caros irmãos e companheiros de jugo existencial, qual for a decisão e percurso existencial de todos os espíritos filhos de seu tempo... que seja esta decisão examinada em tais corações e, no final, beba cada um de seu glorioso cálice! Para que no final, ao acabar a ceia da vida, a morte possa consumar este momento que deva ser eterno, enquanto dura! 


E assim a Morte pergunta ao peregrino caminhante: "Valeu a pena?" E ele dirá: "tudo vale a pena se a alma não é pequena!" Mesmo que as embarcações tenham naufragado e os filhos chorado; mesmo que as mães tenham em vão rezado e as noivas tenham ficado por casar! Pois os portugueses estavam dispostos a navegar o mar do desconhecido... e roubar o ouro e os recursos destas terras aqui de onde falo! A terem cruzado o bravo Atlântico com seus navios negreiros, cheios de escravizados africanos, pelos quais as tribos africanas rivais se vendiam ao aventureiro lusitano em troca de escambos. Mesmo assim valeu-lhes a pena, pois mesmo o jugo do capricho e do crime (que seja este punido pela parcial justiça dos homens) faz parte da vocação da vida!  Sim, os erros! Fazem eles parte da vocação de uma vida mais que vivida! 


-Gabriel Meiller

Esvaziamento dos sentidos existenciais modernos

 



Em toda mesa de cabeceira de um ser humano pós-moderno existem catálogos de manuais sobre: como se deve viver, o que almejar, como se comportar e o que esperar da vida. Em um primeiro momento o serzinho ingênuo e iludido se felizarda com tal engenhosidade da contemporaneidade e entra em um descanso sabático existencial. 


Dois empregos? Uma vida de hobbies, baladas regadas a alterações de consciência, carro importado ou nacional? Férias na Disney? Formação em direito, engenharia ou medicina? Viver de música e da arte? 


O ser humano nasceu para adorar a Deus ou Deuses? O ser humano reencarna em outras existências? O ser humano é um sopro que logo se esvai e só resta a eterna escuridão e o fim da consciência?


Ser liberal ou conservador? Usar drogas ou viver pelas leis e regras morais? Ficar com vários ou namorar? Seguir alguma religião ou viver sem elas?


Para todas estas e outras perguntas existem mostruários de roupas existenciais, pensamentos e modos de ser. Diante destes mostruários cada mortal veste uma roupa e logo depois descarta; outros se identificam e não mais as trocam. 


Mas atenção, muita atenção: o vendedor é um manipulador pertinente! Ele sugere peças de roupas por meio de artifícios engenhosos. As propagandas na mídia, os grupos sociais fechados, os influencers do youtube, a grande mídia... são o vendedor desenfreado. Mas acima de tudo: o surto coletivo da sociedade da positividade tóxica. "Produza, seja, faça, viva, escolha, exista!" De onde vem tudo isso??? Maldito Dasman! Maldita normatização!  


E neste discurso a megalomania do homem da produtividade se torna um imperativo mais que categórico que escraviza o portador do manual na mesa de cabeceira.


"Como assim você não sabe o que quer? Tenho mil e uma opções para que você seja... ande logo! Se vista e diga o que achou!" 


E assim o ser humano sai do mostruário pressionado, insatisfeito e em dúvida sobre o que escolheu! "Será que essa peça me serve mesmo? É a mais adequada?" 


E então o vazio bate à porta... cresce de maneira avassaladora; as frustrações vêem à tona; o sentimento de confusão e de que não se sabe o que quer é crescente e profundo! Quem somos? Somos por que quisemos ou por que fomos coergidos a ser? 


A construção do sentido da vida é pessoal e subjetiva, mesmo que em meio à exposição ao objetivo e ao coletivo-social. O ser que escolhe abandonar o manual da mesa de cabeceira, expulsar o vendedor apressado e manipulador, e averiguar, vestir, trocar, desfilar e usar o mostruário um a um... sai com a certeza (mesmo que ilusória) de que escolheu seus melhores looks. 


Ah... a segurança de que a bendita "escolha certa" foi feita! Nada paga o preço desta sensação aconchegante; nada rouba a felicidade de uma vida bem vivida e saboreada pelos sentidos.  


-Gabriel Meiller

O Gênesis científico


 



No princípio a Terra era sem forma e vazia... até que pela ação do tempo biológico e de bilhares de anos, a vida surgiu no mais profundo abismo: o abismo do oceano. É quase certo que não havia um ente que pairava sob a face das águas, tendo em vista que o famoso "haja luz" e "o Espírito de Deus pairava sob a face das águas..." é uma linguagem mitológica muito bem formulada na antiguidade sob a finalidade de explicar em uma linguagem infantil (pois a antiguidade é o jardim de infância da humanidade) a origem do mundo e da vida na Terra. 


A mitologia hebraica, formidável em riqueza de detalhes visto que foi aculturada da tradição de diversos outros povos, a saber: egípcios e babilônios primordialmente... é um dos trunfos da linguagem mítica e simbólica. 


Embora o mítico seja primordial para a base e a continuação da evolução do pensamento humano, voltemos para o ponto central da narrativa: a vida nasceu das profundezas do Oceano. E variando por inúmeros microorganismos que se refinaram e se desenvolveram de forma pluricelular... um descendente que saiu de um ramo de uma espécie ancestral aquática em comum, aquele que migrou da água para a Terra, deu início à jornada terrestre das espécies. 


Das variadas espécies terrestres, entre os inúmeros mamíferos que percorriam o caminho sinuoso que levou até os primatas e ancestrais humanos... adveio o homo sapiens. Este é, como diria Carl Sagan  (este cultivador do arquétipo apolíneo e da racionalidade platônica), a parte do universo que resolveu conhecer a si mesmo. O homem é o universo que se autoconhece! 


"Vida inteligente? Prazer, sou o homo sapiens!"  Demonstrou esta espécie tão contraditória e absurda; sim, somos inteligentes por inúmeros feitos incontáveis espalhados pela história. Entretanto, ainda permanecemos burros por cairmos nos encantos da ganância coletiva da espécie. Ora... se a evolução traumatizou o homo sapiens a sempre buscar o acúmulo como uma tentativa de se prevenir contra a escassez e o inesperado... esta foi a sua grande ironia. 


Mas se a ganância e o fetiche pelo acúmulo desmedido possui fortes raízes na construção social da natureza do homo sapiens... então esta é a espécie mais digna de investigações que a história já sonhou. Afinal, os predadores que são o topo da cadeia alimentar estão exaurindo o planeta e as suas demais espécies através da ganância e deste instinto caprichoso. 


Que mais dizer? a mãe -Terra que os gerou se incumbirá de vomitá-los como um ninho de ratos dispersado e esmagado pelo pneu de uma Picape 4x4 veloz. A natureza, ou melhor, o planeta Terra se autorecicla através de macroprocessos. E as impurezas são removidas e jogadas para longe; assim fará a fúria da mãe-Terra, quando vingar seus filhos irracionais e sua vida que foi devorada pelos animais fantásticos, aqueles mestres da finalidade arrastados pela ganância! 


Naquele dia, revela a sagrada mãe-Terra, vocês colherão de forma fatal e irreparável as suas ações imperialistas. O dia do julgamento revelará o talhamento do animal fantástico e sua pior sina. As catástrofes serão o expurgo e os sinais do começo do fim. 


-Gabriel Meiller

sexta-feira, 21 de janeiro de 2022

O que a tragédia grega e sua interpretação nietzschiana nos ensina de forma prática!






Não é novidade ou assombro para nenhum de nossos neófitos em Nietzsche, talvez para alguns ainda em fase deveras iniciática, de que o filósofo alemão admirava e extraia sua filosofia dos antigos gregos. Não somente dos antigos gregos, mas da antiga tragédia grega do período clássico. Ésquilo e Sófocles foram as principais inspirações na qual Friedrich Nietzsche se inspirou e contemplou o tão comentado Nascimento da Tragédia grega, que se transformou no nome de seu primeiro trunfo: O Nascimento da Tragédia no Espírito da Música. 


A quem Nietzsche contemplava nestas tragédias e mitologias gregas? Os deuses gregos, bem como os heróis trágicos e os seres místicos. 


Sob a perspectiva de que o mundo helênico se contemplava, como em um espelho, através dos seus mitos e dos deuses olímpicos: orgulhosos, caprichosos, guerreiros, vingativos, sábios, impetuosos, belos, exóticos, fortes, sensuais, divertidos e felizes; tristes e sérios, enfim: deuses antropomórficos! Sob esta perspectiva os gregos se baseavam e mostravam quem eram: um povo guerreiro e engenhoso, cultuador da vida e da harmonia estética, equilibrada pelos pressupostos dionisíacos e apolíneos.


Ao olhar para este suprassumo da Vontade, o filósofo reprimido e aprisionado em sua juventude pelos dogmas do cristianismo e por uma vida abarcada pela rejeição da figura materna e pela ausência paterna, encontra um verdadeiro refúgio no oásis da mentalidade greco-romana e guerreira em essência. 


Por que o adjetivo guerreiro é importante para Nietzsche e a compreensão de sua filosofia? Porque o guerreiro é o arquétipo que lhe coube em sua vida trágica, semelhante à tragédia grega. 


O guerreiro é quem lida com o sofrimento existencial, isto é: a divergência entre as expectativas de que determinadas situações acontecessem de uma determinada forma e a realidade que ocorre de uma forma totalmente diferente da expectada. 


Na tragédia grega o final feliz é abolido; os heróis são "heróis trágicos" pois o destino, isto é, os acontecimentos que transcendem o controle dos personagens, é carrasco e supremo sobre a vida deles. O final ocorre sempre de forma trágica, isto é, contra a vontade dos personagens da tragédia grega. 


Existe alguma possível semelhança com a vida pessoal do filósofo germânico? Ou melhor, com as nossas vidas? Claramente. Pois a tragédia não discrimina nenhum ente sofredor por sua etnia, classe social ou nível intelectual. 


Entretanto, apesar da tragédia ser um tema em que nos identificamos em muitos momentos da vida, ela possui um caráter mister: o aspecto redentor! 


Redenção? O que há de redentor na tragédia e no escárnio da vida humana em bancarrota? Para o falido que sofre o imputamento do inesperado e do trágico, nada há de redentor. Mas para o observador atento, independente das épocas, a tragédia é um ensinamento de amor fati, ou seja, amor ao destino. 


Como o personagem Jó, porventura, disse por meio dos hebraicos após sofrer uma série de tragédias e ser impelido por sua mulher a amaldiçoar a divindade: 


" 'Você fala como uma insensata. Aceitaremos o bem dado por Deus, e não o mal?'  Em tudo isso Jó não pecou com os lábios. "


Em suma, a lição das tragédias e relatos sobre o trágico mostram que da vida e do destino devemos abraçar tanto o sofrimento, quanto o deleite. O bom e o ruim; o aparentemente justo e o injusto, pois o destino e a fatalidade são senhores sobre nossa vontade. E quando abraçamos o sofrimento inevitável e este não nos mata, certamente somos fortalecidos. Recalcitrar aos grilhões do sofrimento inevitável significa gastar energia em vão e perder a oportunidade de viver a vida de forma plena, ou seja: de forma humana, demasiada humana. Navegando para além da dualidade entre o bem e o mal, entre o bom e o ruim. 


-Gabriel Meiller