Os rituais fúnebres são uma expressão dos maiores mistérios da humanidade: a morte e a relação da humanidade com esta. Conhecemos o medo da morte; medo que amplificou o espírito religioso na espécie humana. Mas conhecemos a veneração à morte praticada pelos antigos? Aos que não buscam as raízes das crenças atuais, estes estão condenados ao grande abismo da ignorância.
Os primórdios da cultura greco-romana são acompanhados de crenças profundas na vida pós-morte. A alma do morto não viajava para outra dimensão, mas ficava na sepultura. Ali deveria ela descansar, caso contrário vagava errante pela Terra e atormentava os homens. Os rituais funerários eram para desejar à alma o devido descanso; as oferendas de comidas, bebidas e sacrifícios humanos na sepultura do morto eram para assegurar-lhe o gozo e a servidão.
Maior negligência seria não enterrar seus mortos; tanto que generais atenienses que venceram uma batalha foram condenados pela plebe à morte, pois não buscaram os corpos dos soldados mortos para serem enterrados. Isto era falta grave, um insulto às almas que agora eram condenadas a vagar errantes sem seu descanso.
Os criminosos eram condenados a não ter um enterro, mas os homens de bem deveriam tê-lo por deveras.
Com o tempo os conceitos foram evoluindo, isto é, mudando de forma. E então o conhecido Hades, constituído pelo Tártaros (lugar dos maus), Campos Elísios (lugar dos virtuosos) e Campo de Asfódelos (dos irrelevantes) surge nas crenças religiosas destes povos.
Coincidentemente (ou não), o conceito de inferno do Novo Testamento, surge quando os judeus/cristãos, entram em contato com esta cultura helênica. E na epístola sob o nome de Pedro (2 Pedro 2:4, que óbviamente não foi ele quem escreveu) cita o Tártaros no idioma grego para falar do inferno. As Bíblias traduzem de diversas formas, adaptando segundo melhor lhes convém.
Mas o que isto significa? Que a cultura greco-romana influenciou por deveras todo o Ocidente e o próprio cristianismo que nasceu no paganismo através de conceitos greco-romanos, como o conceito de inferno, bem como as liturgias do culto, através da oratória grega e também a sutil arte de se apropriar de qualquer festa pagã (vide o natal e a páscoa pagãos).
Podemos concluir que há uma intensa ligação entre a morte, vida e as religiões; o sentido dos mitos e das crenças religiosas orbitam nessa necessidade vital do por vir que sacrificou por muito tempo a vida no aqui e no agora. Entretanto, quando ensaiamos em sair dos mitos e do estado religioso, uma angústia brota no coração do homem. Poderão os mitos modernos, através da sociedade pautada no conhecimento científico, tecnológico e nos rituais da performance social (ser sempre o melhor e se superar perante a si e os outros) preencher tal angústia e contentar o coração do homem? Esta é a mais obscura questão que de antemão já possui vislumbres: é evidente que não!
Enquanto isto navegamos na grandeza do desconhecido e na satisfação de viver construindo nosso sentido singular ao que chamamos de vida!
-Gabriel Meiller
(Ps: Referência teórica sobre as crenças de vida após morte nas sociedades greco-romanas: "Cidade Antiga", de Fustel de Coulanges.)