sábado, 9 de julho de 2022

A dança de Sheeva




A tristeza e a melancolia são naturais da arte de se viver. Em um mundo que preza pela performance e pela estética da perfeita alegria e positividade... a alma se deprime. Os grandes ditadores da depressão são as redes sociais divulgadoras de uma opressão: a hercúlea normatização da vida bem resolvida, bem vivida, feliz e cheia das cores mais vívidas. Sorrisos brancos sem manchas, olhos firmes e compenetrados, metas atingidas, fotos conceituais com fundos perfeitos. 


"Sorria, contente-se, seja o melhor!", urge a puta sombria que escraviza os infelizes com as sombras das aprovações de pessoas (a princípio sem nomes) que representam números importantes de seguidores.  Nossa infelicidade é fruto do descontentamento que é consequência da constante comparação abundante nesta corrida de ratos. 


Estamos no holocausto do autoflagelamento onde os próprios prisioneiros se torturam e se coergem a competir neste eterno e piorado ágon pós-moderno. E os méritos são nossos; nossa expertise, inovação, invenção de um novo portal invisível onde a vida parece editável e passível de redenção... estas revoluções digitais despertaram os impulsos mais potentes escondidos nos recônditos da alma que foram forjados na Idade da Pedra. Nosso ego, entretanto, este carrasco caprichoso... se manifestava através da ênfase dos mais robustos em seus papéis de caça e coleta; a imortalização destes homens alphas era realizada por meio de suas sementes implantadas nas fêmeas. 


Pasmem! Milhares de anos se passaram e os comportamentos continuam os mesmos. Entretanto, adornados pelo atual mecanismo que incrementa esta dança do acasalamento: a industrialização e os valores monetários que simbolizam a garantia do conforto e da segurança material da fêmea que irá abrigar em seu útero a prole deste grande semeador. Este é o sagrado pacto que as construções psicossociais estão, recentemente, tentando mitigar em nome de uma nova transvaloração destas naturezas primordiais coodependentes. 


Mas até quando o Coliseu se reunirá para continuar assistindo esta corrida dos ratos que se adorna de todos os símbolos e recursos extravagantes que fazem o primata cabeçudo, dominado pelos instintos mais primitivos, se vangloriar de sua vontade de potência que se consuma no ato sexual simbolizador do poder da imortalização e perpetuação de suas energias através da sua descendência?  


Não esqueçam, senhores: todo trabalho duro e todos os esforços do macho são uma dança do acasalamento em busca da imortalidade simbólica. Tudo ou quase tudo gira em torno do sexo; nosso mundo é governado por uma abissal camada sutil e implícita: as relações sexuais. Não se trata do sexo pelo sexo, meus caros! Se trata da urgência da demonstração de poder e força por meio do sexo. E este ego do homem primordial, aflorado na biologia evolutiva do homo sapiens, foi esculpido como uma necessidade de perpetuação da espécie, portanto, de imortalidade em última instância. 


Portanto, se destruírmos o mundo por conta da nossa ganância é exatamente porque a natureza evolutiva desejou salvá-lo por meio do ego que é o desdobramento dos impulsos de procriação. Entretanto, esse impulso de vida gerou morte a partir do momento em que o homem amplificou o seu poder de conquista por meio dos recursos tecnológicos. 


Em resumo: podemos dizer que a vida, em sua ganância caprichosa de querer se perpetuar, se boicotou na encarnação do homo sapiens que capturou esta poderosa energia atômica e a direcionou sem escrúpulos para a arte do acasalamento. 


E todos sabem que a arte somente é feita através da dança em cima do caos e da destruição. Óh, néscios! Não dançaram com o Deus Sheeva no princípio de todas as coisas? Sua dança da destruição é puro capricho para que algo de explêndido tome seu lugar por direito. E quem poderá dizer se isto será melhor ou pior? O vazio será o árbitro e juiz dessa nova era em que os homens serão extirpados da face da Terra justamente como punição por desejarem viver para sempre!

-Gabriel Meiller

Nenhum comentário:

Postar um comentário