sábado, 9 de julho de 2022

As bipolarizações não superadas


  


Claro e escuro, bom e mau, bonito e feio, forte e fraco, justo e injusto, ativo e   passivo... bem como quaisquer outros adjetivos e conceitos que expressam a mentalidade dual do Ocidente ao Oriente. 


O que nós aprendemos destes arquétipos e quais as consequências desses conceitos didáticos que formam a estrutura de nossas personalidades e gêneros? 


A dualidade é magnífica, precisa, encantadora e divisora de águas, ou seja: preto no branco. Entretanto, a bipolarização e o maniqueísmo são o erro de aplicação das dualidades arquetípicas que acometem dos mais novos aos mais velhos. A dualidade como um fim em si mesma gera o adoecimento da psiquê! A dualidade é apenas um meio para que possamos, depois de usar esta canoa que cruza os lagos, abandoná-la e chegar ao nosso destino que ao contrário de ser preto no branco, pode ser cinza, quando não deveras colorido!


O universo não brada aos leitores? Não demonstra que somos uma infindável  combinação de muitos fatores materiais e imateriais que formam algo ou alguém? Átomos, antes de tudo, e depois ilimitadas possibilidades em ser através desses diferentes átomos, gases, elementos químicos, estruturas, crenças, mentalidades e condicionamentos biopsicossociais! 


Mas somos condenados por nossa teimosia em adorar ao permanente, estático e definitivo! O que gera a bipolarização, senhores, é a falsa noção de que somos estáticos e de que todos precisam seguir a um só conceito e ideologia como verdade absoluta. A guerra entre os sexos, por exemplo, como mencionei no texto anterior, só tem sentido quando a sociedade incorpora papéis prontos e acabados e reproduz este papéis sem nenhuma mudança ou aprimoramento. Logo, os homens sempre irão se prender ao conceito hegemônico de correrem atrás das mulheres custe o que custar e de correr a maratona de que precisam ser ricos, fortes, ativos e sedutores sem nenhuma nuance ou flexibilidade nestes conceitos. Logo, o animus aflorado (ver animus e anima de Jung) gera o machismo estrutural e qualquer crítica do movimento feminista é levado como uma afronta ao "ser homem em si", o que nunca foi intenção do feminismo, que se preocupa muito mais em lutar pela emancipação feminina em si. 


Não estou dizendo que o homem precisa ser sempre sensível, fraco, desinteressado e passivo... mas que pode sair exatamente desse idolatria associativa dos polos em que ou ele é forte ou fraco, ou pega todas ou é mole e gay, ou é puro e cavalheiro ou tóxico e que maltrata as mulheres. Esta é a doença: a bipolarização que tomou conta da guerra entre os sexos. 


O mesmo apliquemos nas ideologias políticas (que estão intimamente relacionadas à bipolarização entre os sexos), às rivalidades desportivas, ao gostos artísticos e acadêmicos, bem como guerras religiosas, etc. 


O que Nietzsche diria de tudo isto em suas considerações? "A arte da nuance!". O indivíduo pela ótica nietzschiana é aberto, múltiplo e possui inúmeros arquétipos e faces dentro de si mesmo, conforme demonstrado: 


"Eu sou vários! Há multidões em mim. Na mesa de minha alma sentam-se muitos, e eu sou todos eles. Há um velho, uma criança, um sábio, um tolo. Você nunca saberá com quem está sentado ou quanto tempo permanecerá com cada um de mim. Mas prometo que, se nos sentarmos à mesa, nesse ritual sagrado eu lhe entregarei ao menos um dos tantos que sou, e correrei os riscos de estarmos juntos no mesmo plano. Desde logo, evite ilusões: também tenho um lado mau, ruim, que tento manter preso e que quando se solta me envergonha. Não sou santo, nem exemplo, infelizmente. Entre tantos, um dia me descubro, um dia serei eu mesmo, definitivamente. Como já foi dito: ouse conquistar a ti mesmo."


Desta forma, relaxemos os ímpetos bravios e religiosos que clamam pela dualidade como um fim em si mesma e sejamos os inclusivos e refinados em personalidade: seres de almas largas e nuançadas pela arte da nuance. Não digo esquizofrênicos e bipolares, mas amplos e profundos em nossas formas de ser: espíritos livres; capitães de nossas almas e senhores de nossos destinos, ainda que feridos pelas fatalidades do acaso e de forças maiores aos nossos quereres.

-Gabriel Meiller

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