Expressão cunhada por Nietzsche, um pensador humano demasiado humano como demonstra a sua vida e obra, revela que os argonautas são aqueles navegadores do espírito; indivíduos que se refestelam no conhecimento da imensidão do espírito humano. Não só no coletivo, mas no âmbito pessoal. Veja o homem: um animal supersticioso e místico que ousou olhar para além dos instintos mais básicos e contemplar a existência de forma profunda. Quem é um argonauta do espírito sabe que o mundo é imenso, muito mais do que a Terra; o mundo humano é um universo próprio, regido por leis próprias e sem nenhuma capacidade de ser examinado pela ciência em suas dimensões mais profundas.
"Mundo, mundo, vasto mundo..." é o que todos sentimos e intuímos. Nesta dimensão particular, aonde a regra de 2+2=4 não se aplica; aonde um fato tem mil faces e aonde a verdade não existe por si mesma; é nesse campo do espírito humano que as batalhas mais importantes são travadas! Como se espera que o homem cumpra a tarefa de viver em sociedade se dentro de si mesmo existem milhares desta? Suas vontades se contradizem e entram em conflito; temos multidões dentro de nós; nossa moral e nossas ações exteriores são projeções do que está "dentro". O homem é o lobo do homem, porque antes de tudo se caça dentro de si mesmo; ele se auto sabota em suas dúvidas, em sua agressividade, em sua punição vingativa de si mesmo; no desprezo a si e no ressentimento do que poderia ter sido, mas não foi.
O homem não quer sua auto superação; quer a auto superação do outro. Este verme medroso que teme olhar para seu abismo interior é covarde ao olhar para o outro. A fuga de si mesmo é o maior pecado capital; o resto é um erro, uma falha, um deslize. Se o homem se encarasse como devia, chamando para si o escrutínio, a parcimônia e o desenvolvimento interno... sobraria uma ínfima preocupação impositiva ao outro. Ao contrário da cobrança excessiva do outro, a compaixão seria abundante, pois o homem que encarou a si mesmo e se deparou com a árdua tarefa de se aprimorar, sabe que com o outro não será diferente. Se a raiva e a cobrança é projetiva, que também seja em dobro a compaixão e a parcimônia. Saibam que todo narcisista olha para si mesmo de forma errada; seu sintoma é olhar sempre para si mesmo porque não olhou de forma fundamental quando devia olhar para si. Por isso o narcisista não herda seu reino, mas sempre o persegue sem nunca alcançá-lo de fato.
Sendo assim, os únicos mandamentos humanos, demasiado humanos seriam resumidos em dois: Conhece e ama a ti mesmo em profundidade, só assim será capaz de encontrar-te em espírito e em verdade; e ame ao próximo como a ti mesmo de forma moderadamente projetiva. "Mas e Deus?" você poderia pensar. Deus já está morto! Um ateu vive sem Deus; mas um religioso não vive sem se conhecer e se encontrar existencialmente. Sob o estigma da identidade religiosa, o homem religioso se engana porque se enxerga sob o prisma da metafísica e do olhar de um ser externo sobre si. Antes, deveria se encontrar por conta própria para depois ensaiar um encontro com o divino. Os homens fundamentalistas possuem um erro de fundação em sua natureza humana, pois caso não tenham sido antes argonautas do seu próprio espírito., nunca verão a deus.
-Gabriel Meiller