quinta-feira, 2 de março de 2023

O papel da psicanálise na epistemologia científica e a rixa entre as ciências

     


A mente humana é muito intrigante. Começa pelo fato dela não ser palpável, localizável ou testável. Deve ser por isso que a psicanálise é evitada e receada por muitos cientistas que só consideram a experimentação e a total falseabilidade de um conceito (de preferência com uma reprodução em laboratório) como algo digno de ciência. A psicanálise, neste sentido, é uma epistemologia misteriosa, intrigante e sem um rótulo adequado nem de ciências biológicas, formais, e também nem de ciências humanas. Ela estuda o território empírico da mente através da observação indireta, isto é, pelos relatos dos pacientes e dos sintomas da mente neurótica ou psicótica. A estruturação do inconsciente como um conceito psicanalítico provocou a tão comentada terceira ferida narcísica na humanidade e conferiu à psicanálise um estatuto de análise da análise, ou de analista do analista. Por quê? Porque se o inconsciente rege nossa investigação, esta investigação pode estar enviesada e corrompida por fortes paixões. Não podemos dizer que existam imparcialidades, mas  sabemos que é imprescindível saber quais são nossas paixões e tendências dentro de uma tentativa de se fazer ciência para que os excessos não sejam cometidos e a arte da nuance na investigação científica seja beirada em algum momento. 


A psicanálise desafia a ciência neste sentido? Sim! Quer seja ela ciência ou protociência, ela desafia o cientista e a produção do cientista. Através de uma análise que envolva reflexões históricas e filosóficas das ideias científicas, conseguimos entender como os cientistas querem enxergar a si mesmos, à ciência, e ao mundo e seus fenômenos. A ciência e seu corpo epistemológico possui tendências e análises que obedecem princípios que são ideológicos também.


 De forma mais sutil e crítica que as ideologias não científicas, pseudocientíficas e metafísicas, mas ainda são parciais. Os teóricos da epistemologia científica possuem os conceitos do que seria a tal da ciência e estes conceitos divergem em alguns pontos. As ciências biológicas possuem sua forma e seu crivo em se fazer ciência, mas existem ciências que fogem de um cunho fortemente experimentalista, pois suas análises não podem ser testadas de formas diretas. A história e a psicanálise são as mais árduas e talvez desconsideradas pelos cientistas mais radicais e experimentalistas. A psicanálise ainda mais, recebendo a alcunha de protociência ou pseudociência por muitos sujeitos. 


O que dizer disto? O imperialismo subcientífico cegou alguns e inflou a muitos; existe uma rixa dentro da própria ciência. Por que em alguns aspectos os cientistas se comportam como os grupos religiosos em diferentes vertentes de uma mesma religião? Porque incrustado em seus DNA's, antes do papel científico, prevalece o instinto de grupos e de divisão por grupos. 


Embora não admitam: nos escombros, nas sendas mais profundas de seus corações, os cientistas veneram seus ídolos assim como o crente adora seu deus. Mas isto é inescapável, visto que a veneração e a divisão de grupos faz parte do ser humano e de sua natureza parcial. De modo nenhum encorajo a fuga dos grupos e das parcialidades, mas defendo a consciência de que estamos dentro destas venerações e destas parcialidades de julgamento para que não sejamos munidos de julgamentos e acusações hipócritas aos que não fazem parte de nosso grupo e tenham outra orientação epistemológica.


-Gabriel Meiller    


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