quarta-feira, 31 de julho de 2024

A arte da nuance como lente para interpretar as ideologias: o ideólogo trouxa e o canalha bon vivant.



Mais do que as ideias em si mesmas, carece-se de artesãos eficientes que sabem podá-las. O mundo clama por pessoas que ultrapassem o dogmatismo inebriante. A paixão é famosa entre todos por ser um ente que nos cega para os defeitos daquilo que se é venerado. O apaixonado torce seu senso crítico e busca o engenho para que suas ideias caibam no mundo de forma integral. As ideologias são essa famosa lente que distorce o mundo e o idealiza para que ele sirva às expectativas do apaixonado.  "A ideologia", certa vez entreouvi em algum lugar imemoriado, "... é o cadáver da filosofia."  Isto significa que a busca pelo senso crítico é sufocada pela ideologia sob a esperança de que os fins justificarão os meios, inclusive por meio do sufocamento do senso crítico e das amarras imputadas ao livre questionamento. 


Então a filosofia, morta por sufocamento, vira um cadáver chamado: ideologia. Já sem vida, a filosofia ainda é vista como tal por nós ingênuos, que defendemos com gosto e acariciamos nossas paixões ideológicas. A verdade? Ela só vale se estiver de acordo com nossas crenças, caso contrário é um meio que não justifica o fim desejado. 


Coloquemos em voga o exemplo político: aqui temos os que defendem as ideologias progressistas de esquerda e que valorizam os seguintes tópicos: coletividade, igualdade, controle estatal, pautas de ideologia de gênero e a luta pelo respeito à diversidade. Todes es progressistes defendem um mundo em que a acumulação de capital seja extinta ou minimizada ao máximo possível. 


Acolá, à direita, temos os que valorizam: a propriedade privada, a individualidade, a meritocracia que se opõe a igualdade artificializada pelo Estado; a desestatização, diminuição dos impostos e o controle privado em muitas áreas (mas não nas mais essenciais como saúde, educação e segurança) e pautas religiosas e sobre a família tradicional. 


Ambos os ideólogos estão comprometidos com suas paixões mais do que a verdade e por isso colocam suas lentes cadavéricas e se recusam a tirá-las. Abominam o "talvez", sendo idólatras de suas verdades dogmáticas. O esquerdista usa pautas coletivas e força a militância para causas pessoais e autopromoção. Junta-se o melindre de uma geração que nasceu em meio às facilidades da era digital com a disposição militante-progressista e então o mundo precisa se curvar a estes e serví-los.  O direitista deposita a idealização de que o Estado deve ser feito para ele: não deve gastar com projetos sociais, arrecadar a menor quantidade possível de impostos "desnecessários" pelo fato de não serem serviços direcionados à sua classe econômica. Um bom estado para este meritocrático que conseguiu tudo pelo berço é aquele estado econômico e minimalista. Para ele tudo é "mimimi", visto que nunca passou por apertos financeiros, demandas intermináveis e cobranças de superiores. 


Então, quando as lentes são amplificadas por meio da extrema direita e extrema esquerda... os mundos são incomunicáveis. O diálogo é encerrado e ambos os ideólogos se relacionam com as fantasias que produzem do outro: o outro é mau, o outro é burro, injusto, cego e mentiroso. E então o cadáver da filosofia, isto é, a ideologia... é envolto em um caixão alienante, chamado: bolha social. Uma bolha social é um isolamento cruel ensimesmante, um conjunto de narcisistas assassinos do senso crítico, quase canalhas. Não digo que sejam canalhas porque são apaixonados e deduzo que todo apaixonado não pode ser canalha, a não ser um canalha como meio para se chegar ao fim desejado. Mas o canalha em si é um desapaixonado que faz canalhices por belprazer. 


Quem são os canalhas? Os políticos. Esses são verdadeiros profissionais que encenam seu culto ao cadáver da filosofia, mas na essência só se preocupam com o dinheiro no bolso: o dinheiro desviado dos impostos, todos sabem. No final das contas uma verdade filosófica e empírica, que se distancia  muito da ideologia, eu lhes trago: os canalhas podem ser tudo, menos trouxas. Os trouxas são os ideólogos,  enquanto os canalhas: bon vivants muitas vezes à prova de karma. 


-Gabriel Meiller

quarta-feira, 24 de julho de 2024

O motivos da incompreensão de Nietzsche e sua filosofia


Por que muitas pessoas não entendem o famoso Bigodudo e ainda o declaram como um louco e anarquista apocalíptico da moral? Eis aí a raíz de um prejuízo (pré-juízo) que causa um verdadeiro prejuízo aos que desejam entender Nietzsche. 


Quais são as os motivos principais da distorção que muitos fazem da filosofia de Nietzsche?  


1)Difamação cultural. 

Nietzsche sofreu por muito tempo difamações de sua filosofia, causadas pela sua irmã que manipulou seus escritos para que o nazismo se vinculasse à fama do filósofo. O conceito de além-homem (superhomem) foi adulterado por sua irmã Elisabeth para que o alemão fosse considerado uma raça superior. Mas para Nietzsche, o além-homem não tinha nenhum vínculo com uma etnia, mas com uma atitude constante dos indivíduos de exercerem o senso crítico e a criatividade para montarem os seus próprios valores, sem depender da imposição religiosa ( e sem a obrigação de demonizar as demais morais, mas até de se sevir delas quando necessário e desejado). O übermensch é mal interpretado por pessoas que querem ler "Assim Falou Zaratustra" sem conhecimentos prévios da filosofia do autor (seus gêneros literários)  e sem se aprofundar na obra geral de Nietzsche e suas intenções como filósofo. 


2)Reatividade cristã


Há outras pessoas que não entendem a filosofia de Nietzsche justamente porque sabem a proposta do autor: criticar o cristianismo e a imposição da moral cristã no Ocidente. Por esse motivo, as pessoas demonizam Nietzsche e o declaram um ateu anarquista, que queria levar a sociedade à barbárie ou que ele era um louco que sofreu de demência justamente por sua filosofia sem pé nem cabeça. Declarar Nietzsche como um louco significa tentar silenciá-lo para que ele não seja entendido pelos demais. O que é isso senão um ato de má fé e desonestidade intelectual? 


3)Falta de preparo e estudos em filosofia e história


Há ainda os que querem entender verdadeiramente o autor e não lhes faltam boa vontade. Entretanto, são pessoas apressadas ou que não dão prioridade à filosofia. Elas sentam e tentam ler e entender o autor segundo o que possuem de contexto prévio. Na maioria das vezes ocorre a famosa miscelânea de ideias. Para estudar um autor erudito e extemporâneo, que não é de nossa época, é necessário estudar o contexto do século em que  o autor escreveu. É necessário entender que as traduções do idioma original sempre irão ser infiéis ao que ele quis dizer em sua língua nativa; é necessário entender o que o autor diz em palavras que no século XIX tinham um outro significado diferente dos dias atuais. É necessário estudar o gênero literário do filósofo: muitos sabem que Nietzsche se expressava por aforismas e de forma poética em muitas obras, o que dificulta a compreensão e interpretação de suas ideias. Nietzsche era filólogo e por isso usava  a mesma palavra com diferentes significados de acordo com a ocasião.


O leigo que quer ler Nietzsche irá entendê-lo? Não. E o pior será quando o leigo achar que o está entendendo e sem consultar nenhum professor ou especialista para ajudá-lo. Então Nietzsche será deformado e apresentado de forma bestial: como inimigo da moral, nazista,  a favor do caos social, dos massacres e das guerras; um antissemita, místico ou relativista absoluto de qualquer verdade. 


Por favor: leiam livros introdutórios da filosofia de Nietzsche. Consultem especialistas ou professores capacitados. Vejam vídeos no Youtube de Scarlett Marton, Viviane Mosé, Oswaldo Giacoia ou Clóvis de Barros Filho. Para que entendam o básico de Nietzsche antes de começar pelas suas obras mais aclamadas e difíceis em ler.


-Gabriel Meiller


-Scarlett Marton 


https://youtu.be/r0gaysPg-cQ?si=3jR5cPg6cTmziYFA


-Clóvis de Barros


https://youtu.be/4xXrZprnPlk?si=KOU2YjQ9Pkylama4 


-Viviane Mosé


https://youtu.be/_xP-RIKX7SI?si=TYBUaKJ443ByQKuR 


- Oswaldo Giacoia


https://youtu.be/qDAHX8KnFz0?si=5STE5GsFS3zNN-w5

sábado, 13 de julho de 2024

O novo ópio do povo

 


"A religião é o ópio do povo..." constatou Karl Marx. Sim, ele estava certo em suas análises e constatações sobre as engrenagens do capitalismo.  O marxismo é uma excelente análise do modus  operandi do capitalismo, não há dúvida. Entretanto, o grande delírio marxista é a solução do problema que essa teoria visa postular: a extinção do capitalismo como crença de que o mundo terá a melhor versão da humanidade. 


O fim do capitalismo significa a redenção da humanidade, seja essa redenção parcial ou plena? Loucura! Os problemas da humanidade são inerentes a ela desde que o mundo é mundo. A humanidade nutre o instinto de acumulação, isto é, a famosa ganância. A hierarquia social também é algo precedente que remete aos primatas e outros animais e não somente ao homo sapiens. Neste sentido não estou fazendo um juízo de valor da hierarquia e da ganância, mas apenas observando esses fenômenos como fenômenos inerentes ao ser humano até o momento. 


E a grande aspiração marxista postulou alguma solução pré-capitalista para esses problemas? Se postulou, quais as possibilidades reais de aplicação dessa solução? Essas problemáticas certamente são árduas  e exigem muita ponderação antes da chegada da esperança de um  mundo melhor. Será possível alcançar o delírio marxista de que se poderia estabelecer algo próximo de um paraíso na Terra? O anarquismo criticou o socialismo justamente por postular que a transição do capitalismo para o comunismo seria bem sucedida ao colocar o Estado como meio de transição sem considerar a iminência de corrupção do proletariado que estaria no controle do Estado. 


Resumindo a problemática: podemos dizer que Marx foi assertivo em sua análise, mas delirante em sua proposta de solução. Marx secularizou a redenção cristã e transformou o marxismo em um potente ópio para o povo que acredita ter consciência de classe, nutrindo a esperança do paraíso na Terra por meio da cartilha da militância e do evangelho de Marx. Antes que a esperança se restringisse a um plano inexistente chamado de céu, pois  assim, após a morte,  a frustração não viria sob forma de amargura.  Mas a esperança foi tida como algo possível de se concretizar neste plano, tomado pela natureza humana hobesiana  que reina sem nenhum pudor e adoece cada vez mais o coração marxista iludido por uma metafísica secular. 


Em resumo rudimentar: o marxismo como solução é uma esperança refinada, mas nem por isso menos errônea e no final: uma ilusão amarga. 


-Gabriel Meiller

quinta-feira, 11 de julho de 2024

A coragem do desenformamento

 

Desenformar, tirar da forma... das formas normativas! As normatividades não são apenas fruto do tão atacado capitalismo e seus tentáculos. As formas estão presentes nos contrasistemas que criticam o próprio sistema vigente. E muitos dos desconstruídos da moral capitalista nutrem sua própria nova normatividade: a da redenção das mazelas do mundo por meio da utopia marxista. Vamos para além de qualquer sistemática moral de todos os espectros: montemos nós a nossa própria concepção de mundo,  pautada em sistemas morais de forma parcial, sem nutrir a obrigação para com os dogmas laicos, visto que não precisamos mais alertar para os velhos dogmas: os religiosos. São os novos dogmas que estão seduzindo os homens seculares de forma avassaladora. 


O desenformamento individual significa a coragem para o indivíduo ser contraditório num mundo que prega harmonia ideológica. Nós, seres humanos, nunca fomos harmônicos em nada, apesar de amarmos nos iludir nessa crença da harmonia. Sim: podemos acreditar na ciência e em demônios; sim, podemos pregar equidade social e sermos egoístas; sim, podemos ser, no limite, hipócritas. E mesmo se não fosse permitido, seríamos mesmo sem almejar ser!  


Tenho orgulho em ser covarde e em admitir a minha covardia em um mundo que prega coragem sem limites e que no final pode liquidar a minha vida. 


Tenho orgulho em ser individualista e egoísta em um mundo que prega a predominância da coletividade até o ponto de esmagar e massificar as individualidades por meio da moral de rebanho e do "tu deves" moralista dos religiosos ou dos marxistas: essas são duas faces de uma mesma moeda. 


Tenho orgulho de ser vagabundo em meio ao espírito empreendedor e à moral puritana de que o trabalho enobrece. Quero a redenção do sistema de opressão trabalhista que faz o trabalhador achar que precisa ser uma massa moldável a todas as decisões dos que batem a meta e depois a dobram só por capricho! 


Tenho orgulho de ser pecador em meio a uma cultura pseudolaica e que mistura constantemente a política pública com a moral religiosa. Quero, sim, ir para o chamado "inferno" e para  "o caminho da perdição" daqueles que acreditam que herdarão novos céus e nova terra após a morte. Vosso deus é o próprio diabo que deixou o inferno para se preocupar com aborto, homossexualidade, fornicação e qualquer asneira que vosso livro prega, não é mesmo? Então nada mais justo que eu vá para onde ele não estará: no inferno. 


Tenho orgulho em não ceder e não vender minhas ambições a qualquer um que queira me amalgamar em alguma visão de mundo que ofereça homogeneidade e harmonização. A harmonização é a morte do ego, a amputação da diversidade, da verdadeira diversidade que nem os marxistas entendem porque nutrem o ideal de harmonia e igualdade social ao mundo.

 

O que mais dizer? A coragem do desenformamento exige uma única renúncia: não renunciar em nada que seja pedido por outrem. Não existe uma renúncia inerente à vida, a não ser a renúncia por quem percebe que ela é necessária e de bom grado para si próprio. 


-Gabriel Meiller 


terça-feira, 2 de julho de 2024

Um sem-vergonha



Sim, sou um belo de um ridículo; daqueles que não tem vergonha e não se interessa pela correção alheia expressa nos olhares de desaprovação ou de caçoamento.  


Sim, eu sou um fanfarrão que não tem pudor em dizer uma coisa e fazer outra. Eu digo: nunca mais... e no dia seguinte estou lá, cultuando meu inferno. Eu digo: sempre amarei, mas em algumas semanas estou fazendo ataques sistemáticos àquilo que amava. 


Eu sou o homem do subsolo, composto por Dostoiévski; perdi as contas de quantos indivíduos me acharam ridículo e eu ainda disse: é verdade! Perdi as contas de quantas vezes voltei com a minha ex; perdi as contas de quantas vezes eu fui cínico só por divertimento e por tédio.  A verdade é que sou isto: contraditório. E deste pecado eu não me privo, pois só se contradiz quem tem direito a mudar de opinião e faz da vida o que ela é: dinâmica. 


E alguns se inquietam com minha inteligência e perguntam: porque você é tão inteligente? E eu respondo: porque eu sou ridículo. E só é inteligente quem não tem medo de sair da tutela dos sensatos da moral da discrição. Só é inteligente quem não tem medo de se perder quando mergulha em diferentes atividades e áreas do conhecimento e de repente se sente em contradição, pois "conhecer" significa lidar com as "contradições do mundo". 


Ah... a maioria é covarde; a maioria das pessoas decepa versões de si  mesmas para que haja uma falsa harmonia: em desejos, em pensamentos, em ações. É por isso que eu sou ridículo: porque em mim habita a complexidade da vida e seus dinamismos! Em mim impera a eterna briga de pulsões e aspectos da vida, como: "sins" e "nãos",  "bons" e "ruins", "lealdades" e "traições", "humildades" e "arrogâncias". 


Aos que concordam com minha loucura, vos ofereço a coragem de serem o que o devir vos oferece. Aos que repudiam minha visão da vida, desejo-lhes um eterno foda-se, pois também são dignos do meu ódio, assim como seriam do meu amor: pois a indiferença é o contrário do amor e não o ódio. O ódio é o amor expresso de forma agressiva e visceral. Nisso também vos amo: odiando-vos e considerando-vos como dignos do combate, do constante confronto do Ágon. 


Eu sou aquele que transcende a dualidade por meio de uma ponte desvirtuosa e detestada pelos sensatos: a contradição. 


-Gabriel Meiller