terça-feira, 23 de janeiro de 2024

A libertação de Sísifo de sua síndrome de estocolmo



"Mais fundo... ", disse a voz de dentro da caverna cheia de ruínas. "Mais fundo tu terás que imergir para entender o que te aprisiona nesse narcisismo inquietante", complementou ela. E então eu pensei: Mas esse é o fim da caverna, como posso ir mais fundo? E então fechei os olhos indignado, suspirando de impaciência e após alguns segundos eu os abri novamente ao ouvir um suave barulho de água. Me deparei com um oceano denso em minha frente e deveras profundo. Eu estava em um barco pequeno na superfície e as águas estavam calmas, mas algo me dizia que o fundo era agitado e obscuro. 


Ah, o meu inconsciente não erra e me mostra em metáforas concretas e profundas o que a mim é necessário para a saída de turbilhões psicológicos que ainda me afligem e conferem a mim tal aspectos de personalidade flutuantes e dantescos. O que na superfície é forte e confiante, no fundo é bravio e instável, desconfiado e raivoso. O meu leito oceânico povoroso é tão traumático que me leva a distorcer algumas coisas que refletem na minha superfície oceânica. O que está dentro distorce e ressoa no que está fora.  Mas de forma direta e sem enfeites, do que eu estou falando por trás da minha máscara reafirmativa de erudição poética? 


Que sou um sobrevivente... ou pelo menos ajo como um sobrevivente; daqueles guerrilheiros brutos que se fecham e só confiam em si mesmos. A estes vermes desconfiados, mas confiantes em suas habilidades de rastejar pela floresta temendo novos ataques, reservo a minha metáfora para falar de quem incorporei em meu modus operandi.  Em o "Arqueólogo de ruínas" eu comecei esse desnudamento sobre mim e pretendo continuar o que tinha começado anteriormente. E, para que ninguém use minha escrita como julgamento e humilhação para jogar coisas em minha cara,  eu mesmo vou me humilhar e me ridicularizar aqui e agora.  Farei isso por vocês, meus inimigos (imaginários?), por achar que eu mesmo devo me punir por ser ridicularizado em minha infância e adolescência e não ter feito nada diante dos meus agressores. E dessas ridicularizações e do meu jeito passivo de ser zuado e não fazer nada... de tudo isso surgiu esse oceano de modos operandi narcisista de me colocar como vítima em muitas coisas e de constantemente tentar me reafirmar como uma pessoa capaz de algo. 


Entendem com quem vocês estão falando? Com um verme que foi pisado e ainda dará um show de se expor ao ridículo para entretê-los.


      Ha ha ha ha... olha como eu sou bondoso, humilde e me importo com o entretenimento de vocês, senhores,  às custas da minha ridicularização psicanalítica. Então vamos lá, vou começar explicando porque estou fazendo isso: porque eu sofro da síndrome de estocolmo. Eu dou razão aos meus sequestradores e agressores, no caso os que me zoaram na adolescência, e dou a eles razão, através do meu autoboicote. Eu penso de forma inconsciente: "eles estavam certos... se eles me chamaram de feio, fraco, burro, dentuço, choquito, um pega ninguém... é porque estavam certos, eu era tudo isso mesmo! É por isso que a minha desconfiança é a confirmação deles e de seus olhares aguçados. Então por que irei fingir que sou sensato? Irei me ridicularizar, ao menos serei mais honesto!" 


E... siiim, senhores! Estou escrevendo com linguagens metafóricas, mas que carregam uma seriedade afiada. Eu não sei lidar bem com a rejeição, por isso instintivamente eu não me aproximo de muitas pessoas e espero elas virem até mim. Eu não sei lidar bem com a rejeição, e é por isso que tudo que os outros falam eu levo como um ataque pessoal e antecipo a possível "rejeição imaginária" que está acontecendo na minha mente. Eu não sei lidar com a rejeição, então tento parecer sensato e finjo que concordo com todo mundo quando estou conversando pessoalmente; eu não sei lidar com a rejeição... e por isso prefiro o isolamento que me garante evitar a dor dela, mas que me traz outras dores, como a dor de ser alguém quebrado existencialmente e desajustado; eu não sei lidar com a rejeição e por isso não sinalizo o que me incomoda nas poucas relações que tenho e por isso me afasto sem sinalizar... e isso estremece o pouco que tenho. 


Imagens mentais de desaprovações  de pessoas me invadem e eu me crucifico com a rejeição, mesmo que a pessoa não tenha me rejeitado de fato. E, se por acaso, eu de fato fizer alguma merda, cometer algum erro, pisar na bola... aí será a confirmação de todas as minhas desconfianças imaginárias. E eu direi: "Ta vendo, esses fulanos não gostavam de mim e eu estava certo em me manter longe e vigilante com eles." E então os meus delírios mentais são reforçados com sucesso e eu me ponho a me isolar e achar que o mundo não gosta de mim, expressando um narcisismo negativo e sem limites. Minha visão é contaminada por esses traumas, que distorcem minha visão de mundo. Que me fazem sempre pensar que tenho que pensar só em mim, porque sou só eu e eu somente. 


E lá vai Sísifo,  novamente, empurrando a colossal pedra de traumas psicológicos que distorcem o presente e contaminam o seu futuro. Como ele pode se salvar? Largando o passado no passado; deixando a pedra ir embora... não enxergando tudo como um ataque, nem se sentindo obrigado a se moldar em favor das pessoas; não tendo medo de se expôr ao ridículo, nem do que os outros irão pensar... dizendo aos mais abusados ou pessoas sem tato: "não estou contente com isso, poderia não fazer mais?" Assim, Sísifo sairia por aí calando os sequestradores e saindo da casa deles, desfazendo a síndrome de estocolmo. Sísifo se libertaria perdoando seus algozes e desconfiando menos da humanidade, inclusive de si mesmo.


-Gabriel Meiller

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