quarta-feira, 30 de agosto de 2023

"Temo não nos desvencilharmos de Deus enquanto continuarmos a acreditar na gramática." -Nietzsche




"Estou encantado com isto" Estou sob o encanto disto! Encantar vem do latim incantare, isto é, in-cantare, alguém que sofreu de um canto sobre si, que é a prática do encantamento. O encantamente provavelmente tem origem na percepção do poder da palavra, visto que nas mitologias o mundo é criado pela palavra dos deuses. 


"Preciso me animar" 

Preciso colocar alma, ar, sopro... em mim.


Do latim Anima que significa alma, sopro, brisa.


As palavras... Ah, as palavras! Elas carregam mais de mil gerações em si mesmas, são rastros de mentalidade. As palavras são um conjunto de signos interdependentes entre si que revelam o inconsciente da atual humanidade. Esse inconsciente linguístico é prova das nossas crenças e da evolução de nossa consciência (evolução apenas como mudança de forma). 


Não percebem? Somos determinados e estamos presos na linguagem; não podemos ir além dela e filosofar nos limites da linguagem e tentar reconstruí-la. Caso consigamos, isto significa tentar alargar nossa percepção e descrição do mundo. Como disse o Terror dos metafísicos: "Temo não nos desvencilharmos de Deus enquanto continuarmos a acreditar na gramática." O precioso filólogo que enxergou na linguagem verbal e escrita os rastros do instinto de teólogo, da visão essencialista que concebe o eu como ente autônomo das demais faculdades, fez uma constatação impetuosa e típica de filólogo, de todo linguista, aliás. A constatação do quanro somos falados pela lingua e pensados por ela e pelos mitos!


Se o conceito de "unidade" de origem metafísica e pré-filosófica contaminou a filosofia, nos confundimos ao achar que podemos obter o conhecimento da verdade. Pois a verdade deriva da falsa noção de unidade, que deriva de Deus como Essência. Muito mais de XXI séculos, senhores, e ainda cultuamos a deus e à metafísica inconscientemente, por meio da indução ao engano da verdade como unidade! 


Conserva a vontade de verdade... e verás a tragédia epistemológica, a enganação e o erro cartesiano. Novamente: "Temo não nos desvencilharmos de Deus enquanto continuarmos a acreditar na gramática."


Temo não ser compreendido, e não serei; mas como disse o Nazareno em suas fábulas: "Não dêem aos cães o que é santo, nem atireis vossas  pérolas aos porcos!" Então tampouco disperdiçarei meu tempo com estes que ainda são fiéis à gramática e a utilizam para normativizar o pensamento. 


-Gabriel Meiller

segunda-feira, 28 de agosto de 2023

A maquinaria ontológica desgovernada

 





Havia um trem que partia para Canaã antes mesmo dela existir. 


Platão, Aristóteles, bem como os escolásticos, junto com o povo, anseavam pelo seu destino feliz, pelo brilho celeste do paraíso aos humildes de coração. Esses antes mencionados eram os maquinistas que controlavam o trem e muito mais do que isso: a maquinaria! 


Todos os passageiros daquele trem e também daquela máquina frenética movida a esperança de um sentido, entoavam louvores ao período da arché. A cada cântico a arché era modificada gradualmente para Arché, para Aquele cuja  misericórdia do mundo durou mil gerações por meio da Arca! 


Este era o Arché do universo; o Arquiteto fiel do início ao vindouro fim. E todos, exultantes, cantavam em uníssono: "Castelo forte é o nosso Deus. Amparo e fortaleza; com seu poder defende os seus!"


Mais do que breve, esta maquinaria ambulante metafísica parava nas estações e os famintos adentravam em sua glória. Estes vindouros se assentavam e seguiam o coro e cantavam em conjunto: "Castelo forte é o nosso Deus..." e assim o trem ganhava maior notoriedade. 


Entretanto, alguns assaltantes adentraram este trem afim de assaltar sua paz. A quadrilha se dividia em 

Nietzsche, Freud, Marx, Darwin, Feuerbach... entre outros que entravam em diferentes momentos. 


 A cada entrada os indigentes eram lobos infiltrados. Após o fim do coro, berravam e eram espalhafatosos em suas engenhosidades. A cada parada em uma estação eles jogavam um dos santos para fora do trem e mandavam o trem seguir.  


O trem seguia e o coro dos santos era menor até o ponto em que podiam falar sem os ruídos sacerdotais. Enquanto falavam, o trem mudava de caminho, tremia e andava em zigues-zagues. 


Nietzsche pregava a morte da Arché; reverberava: "estamos caindo, estamos caindo no abismo! Entretanto, podemos dançar, podemos sair do percurso "certo" e curtir o despropósito, senhores! "


Freud, dizia: "o maquinário é irracional, senhores. O maquinário carece de sentido e reparos, por isso projeta trilhos imaginários ineficientes." 


"O maquinário é produto da macro-estrutura; o maquinário e os maquinistas são produto das relações comerciais e nossa metafísica é um desfarce para suportarmos o caminho que leva à exploração da mão de obra." disse Marx.


À sua maneira cada um tentou mostrar que o trem trilhava um caminho imaginário, uma trilha que não iria para Canaã. "Quando Canaã irá chegar, senhores? Estamos a quase 100 paradas... e nada!" argumentou Feuerbach. 


"Canaã é uma tentativa de suportar os assentos e o tempo de canções desse  maquinário!", constatou Albert Camus. 


Até que os maquinistas originais foram dispersos, o trem entrou em rebelião e foi esfacelado para que não mais pudesse funcionar. Tudo foi feito a golpes de martelo nas engrenagens do trem para que os passageiros não continuassem aquele pouco conhecido caminho de morte! 


Após um tempo, porém, a procissão que cantava: "Castelo Forte é o nosso Deus..." tomava conta da antiga rota marcada de trilhos enferrujados. Todos seguiam confiantes e retumbantes como uma manada poderosa que corria mais rápida que guepardos! Ninguém os podiam silenciar! 


Ao seguirem pela calada da noite em gloriosos cânticos, ouviu-se um súbito silêncio que se seguiu após um estrondoso ruído derradeiro semelhante a sacos de carne caindo de alturas colossais. Um barulho semelhante a bifes sendo batidos pelo martelo de um açogueiro.


O martelo, entretanto, era o chão: todos caíram no abismo! O abismo era o fim de um enorme planalto disfarçado de campos verdejantes e que culminava na baixa fossa do desconhecido vale de pedras que por todos os lados rodeava a enorme Ilha do Acaso. 


Todos estes assaltantes concluíram o que seus instintos já desconfiavam: a maquinaria não era o trem, mas a ontologia dos mestres da finalidade, daqueles enganadores da vida que, suicidas, adiantavam sua vida aqui em prol da falsa esperança do porvir! 


Este canto da sereia, mais mortal que qualquer trem desgovernado, convertia qualquer ferramenta e qualquer transporte que, ao invés de um eterno retorno, servia de engano linear e cartesiano para que mais mestres da finalidade fossem tragados pelo ódio à vida.


-Gabriel Meiller

sábado, 26 de agosto de 2023

O surgimento da verdade: seria ela uma mentira?

 




A verdade merece uma história de si mesma. Não me julguem capaz de historicizar a origem da verdade, senhoreas (senhores e senhoras). Mas eu irei dar uma prévia do que seria uma historicidade da verdade, uma prévia muito mais metafórica do que verídica, pois investigar um vestígio de mentalidade humano é uma tarefa suicida! 


O consenso historiográfico que permeia todo o (in)consciente coletivo geral é de que a verdade surgiu conforme a consciência humana foi surgindo. Oh! Que surpresa, senhoreas! Acho que esse tipo de constatação é totalmente original e nunca antes visto! Então a verdade nasceu do que estava de acordo com a visão humana sobre o meio externo a ela (pois a convenção da consciência humana é de que ela possui uma divisão para com o mundo, passando a ser o externo e ela e seu corpo o meio interno. Aí já percebemos a origem do binarismo mais básico e pedagógico que moveu o homem no mundo).


A verdade, então, se fundou sobre um consenso do olhar humano. O "fora" e o "dentro"!  Isso mostra o seu caráter intersubjetivo e diplomático para com a percepção (percepções) humana(s). A verdade seria o que está de acordo com essa base da observação do que acontece "fora" em relação ao que ocorre "dentro". E essa observação está pautada na exatidão dessas observações. 


Mas essa observação é apenas um fragmento do que é a verdade; a verdade é como uma construção composta de diversos alicerces. Um deles é a exatidão da observação dos fenômenos internos e externos. O outro alicerce é a verdade como uma descrição não literal, mas que expressa uma tentativa de entender algum fenômeno do mundo. Estou falando sobre o aspecto mítico da verdade e não mais literal. Como surgiu o mundo? A mitologia, munida da cosmologia, teogonia, entre outras descrições... expressará uma verdade, isto é, uma codificação que expresse de forma metafórica, hiperbólea, eufêmica ou de outra natureza acerca do surgimento de algo. 


Para os antigos, impregnados do pensamento mágico, esta descrição era racional e descrevia com semelhante precisão a origem do homem e da Terra assim como a cosmologia aristotélica explicava as estruturas do universo a respeito da Terra. 


Temos então a verdade como revelação de algo que antes era desconhecido; temos a verdade como interpretação exata do mundo pelo consenso de um "externo" e um "interno"; temos, então, a verdade como literalidade  e como descrição metafórica de algo, como nas mitologias.


 Soma-se dentro deste último ponto os mitos que tratam a respeito das dinâmicas humanas. A história de Rômulo e Remo, Abel e Caim, são verdade! Se repetem na vida de muitos; a história de Adão e Eva, que comem do fruto do conhecimento do bem e do mal e são punidos, é verdade e se repete em todo aquele que busca o conhecimento e se sente o homem da caverna que se libertou das correntes e foi importunar os demais ao dizer que estavam nas sombras! 


Entretanto, nosso espírito de época decidiu reduzir a verdade à literalidade do pensamento. O raciocínio foi obrigado a se tornar literal e científico em muitos grupos sociais. Uma prova disso são os religiosos que querem interpretar uma verdade mítica pela verdade literal e assim fazem uma miscelânea de verdades! A verdade como literalidade está no senso comum e sendo muito mal impregada. Sejam religiosos, sejam ateus: todos bebem da mesma fonte da verdade! E então não entendem quando a verdade aparece em uma de suas mil faces. Só a enxergam sob o parecer da literalidade, do "é" ou "não é". 


 A mentira surge como uma oposição ao conceito vigente de verdade, "o que não é"! O que não é verdade, é mentira! Logo, a mentira e a verdade são uma invenção. Digo melhor: o conceito linguístico do que é verdade e mentira são invenções. A verdade não é um ente que anda por aí! A verdade não existe fora do aparelho psíquico. O que existe são fatos, fenômenos e acontecimentos. Por isso posso dizer que a verdade é uma invenção, isto é, uma linguagem. Ela é o símbolo dentro da linguagem usado para que o ser humano se aproprie de fatos mediante sua consciência e a transmita a outros seres humanos! A verdade é uma "mentira" desde o seu nascimento porque estamos presos na linguagem e na imprecisão dela! 


-Gabriel Meiller, prisioneiro da linguagem.

A alienação na ciência (e nas demais linguagens)

 






"O que é o homem?"


"Bem... um conjunto de átomos e moléculas orgânicas que tem evoluído desde os seres marinhos e que chegou à terra na forma de répteis, aves, anfíbios, mamíferos e de um dos ramos dos mamíferos: aqueles de grande porte. Desse encadeamento dos seres vivos surgiu o homo sapiens! Este é o homem!"


Esta seria em essência a resposta da ciência e sua definição. E está correta em vias gerais; ainda há detalhes e esmiuçamentos que serão aperfeiçoados com os aprofundamentos científicos, mas temos uma verdade descritiva e literal segura e consolidada, principalmente depois da biogenética que trouxe uma exemplificação bioquímica sobre a evolução do homem advinda do ancestral em comum com os demais primatas. O último passo, para estar dentro dos credos do neopositivismo, seria a reprodução em laboratório da evolução. Entretanto isso implica questões éticas e quase impossíveis de se realizar pelo longo, longo, longo prazo que levaria uma evolução em laboratório. 


Mesmo se isso ocorresse os dogmáticos cristãos, literalistas do gênesis que andam aos montes por este grupo de ateus, ainda não se convenceriam desta verdade científica. 


Mas após dizer tudo isso, temos que pensar criticamente sobre as consequências da redução da pergunta "o que é o homem" ao pressuposto científico. "Será que o reducionismo científico equivale à verdade absoluta sobre o que é o homem?" Essa pergunta soa e é idiota de certa forma! Pois bem, temos que ser ridículos para que sejamos inteligíveis pela pedagogia esdrúxula! 


A ciência não trabalha pela ilusão de verdades absolutas, mas ela é o constante espírito crítico. Na ciência um novo paradigma que se mostra mais eficaz na explicação de algum aspecto do mundo, substitui o antigo paradigma a partir do momento em que ele é considerado obsoleto!(Thomas Kuhn).  A ciência não se pretende absoluta, muito menos exclusiva e monopolizadora ao abordar as verdades; entretanto, os seres humanos são absolutizantes, frágeis ao ponto de sempre pulularem de uma verdade definitiva para outra: senão na religião, na ciência; senão na ciência, no misticismo; senão no misticismo, em outra linguagem. Cabe, então, que cada um valore por qual verdade quer viver e se quer fechar seu julgamento em torno de uma verdade que aos olhos de outro pode ser "mentira". 


Mostro-lhes um caminho mais excelente: não se alienem em nenhuma linguagem, isto é, não reduzam a verdade (este ente imaginário preso na linguagem) a uma só linguagem. Saibam diversificar e entender que cada linguagem expressa sua verdade de forma relativa às suas proposições. A verdade mítica tem seu valor (menos quando é interpretada de forma literalizante, como os amigos dominicalistas que de fato enxergam o homem como criado do barro); a verdade científica tem igualmente o seu valor (pois ela nos abre portas de cura e saúde para com o corpo e a mente ao entender os processos evolutivos); a verdade filosófica tem também o seu valor (pois ela vai além da descrição procedimental do "como é algo", ela questiona a validade ou finalidade e aplicação das outras verdades, sendo uma verdade, ou melhor, concepções e possibilidades de novas verdades sempre pulsante que aviva a epistemologia geral e dá a ela andamento e movimento. 


Já a linguagem artística não se preocupa com a categorização "verdade". Ela é uma linguagem com ênfase na expressão humana e já não tem finalidade de apresentar verdades ou mentiras; ela vai além da verdade e da mentira, do bem e do mal (da valoração) a não ser quando é aplicada em avaliações artísticas de jurados pela dança, programas de auditório, etc... que seriam aplicações da arte. 


"O que é o homem?" A arte diria que é um ser radiante que manifesta suas peculiaridades ao mundo de forma totalmente diferente dos demais animais: de forma artificial, isto é, feita como um trabalho de artíficie que transforma uma matéria prima em algo totalmente inédito aos demais animais. Ou melhor: a arte seria a demonstração prática desse aspecto do homem.


"O que é o homem?"  A religião o coloca como alguém que carrega a divindade em si mesmo, alguém que veio da criação engenhosa de outro plano. 


"O que é o homem?" A antropologia diria que ele é uma massa modelável de acordo com sua cultura e que as culturas são tão peculiares e surgem de uma complexidade inumerável de micro e macro-fatores. 


"O que é o homem?" A filosofia nada diria; em verdade ela ficaria espantada com a definição e riqueza das  demais linguagens e também surpresa por não haver uma unificação e consenso absoluto do que signifique o homem e o que ele seja. A filosofia questionaria esse "O que é" e questionaria este "o homem". Ser em que sentido? Essencial? Isso existe ou é ilusão humana? E o que entendemos por homem?  


Agora que tudo isso foi dito, a minha conclusão é esta: se alienar nas linguagens significa negar uma parte do mundo que não está fundamentado em alguma delas. Significa o reducionismo existencial e a degradação da totalidade da vida. Se a opção pessoal de um indivíduo for viver por um tipo específico de linguagem, a valoração é totalmente sua e não deve ser questionada a não ser por ele mesmo. Mas a imposição coletiva ou social de um tipo de linguagem como redentora do mundo e de seus problemas... é certamente uma noção totalizante, isto é, falsa! 


-Gabriel Meiller, o prisioneiro da linguagem.

sexta-feira, 25 de agosto de 2023

Demasiada seriedade

 



Não estou preocupado com a verdade... 


Não me interessa a verdade;  muito menos deus... são todos a mesma essência: invenções. 


Não estou preocupado com os valores, estou preocupado com a valoração. 


Não tolero valores demasiado sérios, demasiado rígidos.


Quem está preocupado é quem se ocupa previamente; eu apenas me ocupo no presente a cada valoração. 


Olhem lá: eis que surge uma criança inocente.... Aaah!!! Ela mal chegou ao mundo... e se encanta com este! O encanto é obra da inocência, da bendita despretensão. 


Ela engatinha... e depois  caminha. A cada descoberta, uma nova impressão sobre a vida. 


A criança se encanta, mas depois volta ao normal; se enfeza, mas depois esquece a fonte do enfezamento: eis aí a grande obra do esquecimento. Ou melhor: do "presentimento", do agir do presente no ressentimento através do esquecimento. 


O que é cobiçado e assaltado da criança? O entusiasmo pela descoberta da vida, pela mudança constante de suas sensações e percepções. 


A criança é exploradora por natureza, não possui eixo; mas os pais são os velhacos emburrados com a vida que empurram valores a elas. 


Rígidos, doutores do saber; valoradores sérios: estes tratam a verdade de forma verdadeira e a falsidade de forma igualmente verdadeira.  


A fronte craniana dos adultos aumenta, suas cabeças crescem demasiado porque focam na discriminação entre a verdade e a mentira. Enquanto isso a despretensão da criança é confirmada por sua moleira ainda frágil e a se fechar! 


Haja córtex pré-frontal para aguentar tanta firmeza de julgamento. Eis aqui uma verdade: tanto enrijecimento da musculatura cerebral adulta que clama por álcool e pelas drogas, ocorre justamente pelo demasiado foco! 


Mas a criança é livre, senhorxs. Livre para experienciar, o que não a isenta de riscos. 


"O que é a verdade e a mentira?" 


Cada definição é uma tentativa de enquadrar a realidade à nossa mente: não existe verdade senhorxs! Existe o real! Existe o que não se julga plenamente. Já o "existir" de algo implica em duas coisas: No "em si", no "algo". E também no observador que filtra o em si em sua observação. 


Cheguei à conclusão de que não há existência se não houver um ser existente para completá-la e quem sabe até criá-la em nome da verdade. 


Não me perguntem o que é esse "em si"; não serei pretensioso ao dizer o que é algo que simplesmente é! A verdade é arrogância de todo aquele que passou da infância para a vida adulta e julga poder discriminar a realidade. 


Não há fatos, somente interpretações feitas pelo aparelho psíquico de algo que está "aí fora" de nós.


Mas e quem disse que a criança liga em discriminar ou fazer um tratado do que "é" e do que "não é"? Ou que se aborreça em definir teoricamente a verdade e a mentira? 


Ah, pobres coitades! Não entenderam ainda que a criança quer o brincar? Ela ama as sensações que provêm da arte! Esta é a sua redenção: encarar o mundo pelo mundo, o ser pelo ser! A finalidade passou muito longe de sua bendita inocência! 


-Gabriel Meiller

quinta-feira, 17 de agosto de 2023

"O que é a vida?"

 



Antônio Abujamra, já falecido, em seu antigo programa "Provocações" sempre perguntava e repetia a mesma pergunta ao seus convidados: "O que é a vida?" A repetição desta pergunta carregava a dedução lógica de que se a vida é um conjunto de inúmeros fenômenos complexos e desconhecidos, a resposta do convidado nunca seria suficiente. Em resumo, as respostas nunca são suficientes para definir algo. As respostas são integrantes do campo da linguagem e a linguagem é limitada se comparada com a realidade. Lacan formulou bem a impossibilidade do simbólico e também do imaginário alcançar a magnitude do Real, isto é, daquilo que de fato é independente da linguagem e da imaginação humana.


"O que é a vida?" é uma pergunta que explora a maior metalinguagem de todas. E qualquer sinônimo que possamos emitir para defini-la é um reducionismo proposital para que o sinônimo seja engrandecido e valorizado acima do normal. Digamos que a vida é prazer! Então o prazer sofre uma hipérbole, pois é equiparado à vida. Ou poderíamos dizer que a vida sofreu um eufemismo ao ser reduzida ao prazer. Para um hedonista bem seria desta forma, mas para qualquer um que tivesse a percepção de que a vida transcende qualquer sinônimo individual... isso soa ridículo e banal. 


Mas o que é ridículo e banal faz parte da arte, bem como das Provocações. A provocação é uma forma de fazer com que haja uma resposta por parte de alguém. E a arte é uma produção humana que visa despertar reações humanas diante do que é apresentado. "O que é a vida?" 'A vida é a vida!' Seria uma resposta redundante, mas justa ao termo em si mesmo. Dizer que a vida é a vida implica em admitir: ela não pode ser comparada a algo que não seja ela mesma, seja lá o que ela seja.


Nietzsche diria que a vida não pode ser definida, pois ela não pode ser comparada com outra vida, pois não conhecemos outra vida senão a que conhecemos no aqui e agora. A definição só poderia ocorrer através da comparação ao ver dele. Só conhecemos um idioma quando há outro para que haja uma valoração comparativa. Mas que outras formas de vida existem além da vida neste pálido ponto azul?


"O que é a vida?


           ...


O que é a vida... ?"


-Gabriel Meiller

O 'plot' de Platão parte II: a falácia da crença na libertação por meio da razão

 



Agora, sob uma interpretação tênue da tradição platônica (e não de Platão em si) que cindiu o mundo em dois, reflitamos na Alegoria da Caverna de forma mais livre, crítica e temática pelo tradicional questionamento da filosofia, isto é, o questionar da verdade sem chegar a ela de forma definitiva. 


Sob a intenção de criticar a falsidade dos sentidos, Platão propôs a razão e o pensamento filosófico como guias do homem no mundo. A parte produtiva disso é a capacidade limitada e parcial do homem se libertar de seus enganos pela autorreflexão. Sob esse ponto de vista, a alegoria da caverna representa uma revolucionária libertação de um sistema de aprisionamento humano porque liberta: 


1)O homem de sua ignorância pela falta de questionamento. 2)O homem das amarras de um rebanho/grupo social que o pressiona a continuar nas sombras das tradições que o aprisiona. 


Oh, Platão, homem de profunda instrospecção: a tradição filosófica te louva por criar um aprisionante veneno que liberta! De tanta introspecção criastes um mundo divorciado da realidade, o mundo das ideias em que tudo é perfeito. Por acaso almejastes a perfeição e na verdade a encontrou por vias de alucinação? Serás mesmo um louco benfazejo ou uma espécie de maluco beleza, ou apenas um sedutor barato? Ou quem sabe estavas somente a usar uma metáfora sobre esse mundo das ideias, algo somente alegórico e que não pretendia divorciar o mundo de sua naturalidade e imperfeição que é perfeita? 


Muitos possuem motivos para concluir que usavas apenas uma metáfora para engrandecer a razão e o inatismo humano; outros podem acreditar que havia uma realidade do mundo das ideias em que acreditavas; mas o que de fato ocorreu foi que teus discípulos, oh mestre incompreendido!, transformaram o Ocidente num sepulcro da razão. 


O pensar se tornou extremamente teórico e ineficiente: suprimiu as emoções, os sentidos e as demais faculdades em detrimento da gélida razão e demasiada seriedade cristã. O cristianismo enquanto sistema se fortaleceu e bebeu em teu princípio do mundo das ideias para justificar um além; o cristianismo como platonismo da plebe! 


Platão, a incógnita! O desvirtuador da humanidade ou a sua possível redenção que foi transvalorada? Mas nada disso foi seu agudo plot, senão a crença por parte de Platão de que a humanidade seria capaz de se libertar pelas vias da razão! A razão, corrompida pelos traumas, sentimentos e pulsões (Nietzsche e Freud demonstraram) é apenas serva e escudeira das emoções: "defendemos racionalmente nossas paixões! " Existe algo mais paradoxal do que esta constatação? 


Ah, Platão e suas boas intenções! Oh, o redentor da humanidade acabou por pervertê-la! De boas intenções o inferno existencial está cheio! 


Eis o insight de Platão: emoções são enganosas e nossos sentidos nos traem; usemos o pensamento para romper este engano dos instintos.


Vieram outros e constataram: "Ah, senhor idealista! Não enxergas a razão como topo do iceberg das emoções e determinada por elas? A fisiologia do cérebro determinou a razão como posterior e determinável pelos instintos. "


Alguém cuja existência é ameaçada ou quando não consegue realizar suas ambições, suspende a razão em prol dos instintos. Um apocalipse na sociedade (ou ainda menos) é sinônimo do reinar dos instintos mais primitivos. A razão, desta forma, só reina quando a estabilidade e a paz a tomam nos braços. 


E vocês, senhores(as)? O que suspeitam que Platão tentou elucidar? 


-Gabriel Meiller

segunda-feira, 14 de agosto de 2023

A pedagogia dos sentidos

 




Uma das definições mais lúdicas de pedagogia pode ser a seguinte: a arte do aprendizado guiado. O aprendizado é natural e muitas vezes associado com a palavra "pedagógico". Entretanto, há uma diferenciação mínima e balizadora: o aprendizado ocorre em todo lugar e a todo momento, enquanto a pedagogia exige um lugar(es) e momentos específicos. Por isso, o aprendizado é guiado de alguma forma e por algum método a variar de acordo com o tempo e a cultura. 


A pedagogia dos sentidos seria o método mais natural e empírico para educar uma criança, através de constatações dela conforme os sentidos e as situações mostrem a elas aspectos de fenômenos a serem aprendidos. O aprendizado ocorre por associações conscientes  de fenômenos (na maior parte das vezes) e a ligação dos fenômenos entre si envolvendo o aprendiz. Um exemplo concreto: quando entendo a relação entre uma alimentação desregrada, gordurosa e cheia de excessos e o predomínio e maior frequência de doenças, eu consolidei um aprendizado! Entretanto, o que julgará o caráter sólido e ativo deste aprendizado é o reforço do mesmo. Se eu aprendo de forma prática, sentindo em meu corpo essa relação de má alimentação, sendentarismo e baixa imunidade; além da experiência de mudar essas variáveis por meio da oportunidade de mudar a alimentação, me exercitar e presenciar uma melhora substancial... então as chances de um aprendizado efetivo e significativo serão muito maiores! 


O sofrimento (não somente ele) pode ser um ótimo professor porque ele é prático. Deste princípio origina-se a pedagogia dos sentidos e não somente uma pedagogia teórica e abstrata que na maioria das vezes é ineficiente. 


É interessante observar que a epistemologia dessa pedagogia teórica tem base na tradição cartesiana, sob o jargão: "Penso, logo existo" colocando o pensamento como superior sob as demais faculdades. E essa tradição tem origem na pedra fundamental: o culto à razão como a faculdade mais importante e divorciada dos demais sentidos. Essa constatação nos faz entender a importância da unificação e igual atribuição da importância de nossas múltiplas faculdades orgânicas. A valoração é desigual, portanto! A memória é multisetorial, pois envolve a capacidade de abstração, generalização, sintetização e extrapolação, entre outros mecanismos que ocorrem pela interação dos sentidos, como o tato, olfato, paladar, visão e audição. 


Entretanto, senhores e senhoras pedagogas, o que nossas escolas ainda reproduzem? Uma dinâmica pedagógica ainda antiga e da idade da pedra grega! Um culto à razão pura, como anteriormente eu discorri  sobre o plote de Platão! Entretanto, em outros países como a Suécia, Dinamarca, Finlândia e o próprio Portugal (com o exemplo da Escola da Ponte), trazem esse pressuposto da Pedagogia dos Sentidos como o motor da educação! Enquanto isso no Brasil temos uma cultura que ojeriza um dos maiores pedagogos que também ensinou esses princípios, a saber: Paulo Freire. Quando não o odeiam, o idolatram, mostrando que não há um senso crítico entre os indivíduos da moral de rebanho acadêmica ou religiosa. 


Minha pergunta se encerra da seguinte forma: superamos mesmo essa tradição de supremacia da razão pura? Uma tradição que diviniza a consciência em detrimento da subestimação das demais faculdades? 


-Gabriel Meiller

O "plot" de Platão

 



O texto a seguir é uma leitura de Platão inspirada na crítica nietzschiana do platonismo. 


Qual foi o "plot" de Platão? Ou seja, qual foi seu golpe de mestre, sua trama, sua artimanha? O plot se deu na sua famosa Alegoria da Caverna. Platão disse que nós somos escravos e reféns de nossos sentidos que fazem-nos enxergar o mundo como sombras. A libertação disso é o conhecimento racional da realidade que seria a libertação dessa caverna regida pelas sombras dos sentidos. E a razão é a grande libertação!  O famoso idealismo platônico, ou seja, a cisão do mundo em mundo sensível (falso, imperfeito, sombra) e o mundo inteligível (mundo das ideias em que as coisas  são o que são: verdadeiras, reais e perfeitas) é o epicentro do plot 'armadilhesco' do platonismo. 


Ora, Platão cria um espantalho, isto é, pinta o único mundo como defeituoso, imperfeito e cria a necessidade em seus ouvintes de transcender esse mundo que é ilustrado como uma caverna! O que Platão faz senão causar descontentamento pela vida? Pregar a superação do único plano que conhecemos em prol de um suposto plano que seria acessado pela primazia da razão não parece uma sedução covarde? Platão oferece a verdadeira alienação da vida ao pintar a mesma vida como mentira; Platão prega uma peça em seus ouvintes: ele escraviza-os fazendo acreditarem que estão na matrix! 


Platão aprisiona quem acredita estar preso e deseja se libertar, eis aí o mais novo paradigma platônico:


 Quem quiser se libertar, será preso; e quem quiser salvar sua vida, a perderá! Pois quem acreditar que este mundo é uma caverna e procurar a saída, este se perderá na 'busca da verdade'. 


O que significa tudo isso? Significa o mesmo que empobrecer quem busca riquezas, dando um golpe nos ingênuos que acreditam ser possível ganhar dinheiro pela internet.  Platão faz a mesma coisa, mas faz em relação à suposta verdade e à busca pelo sentido da vida. Platão transformou a verdade em uma essência e criou um mundo de essências e fez deste único mundo uma sucata de sombras incompletas. 


Ahh, danado zombeteiro! Tremendo doidivanas! Sacripanta mentecapto!  Até hoje,  Platão, desde os ingênuos até os mais sagazes homens caem em tuas peripécias, em teus sortilégios filsóficos! Com teu vão falatório, semelhante aos sofistas, fizestes da humanidade a tua boba da corte, alvo de entretenimento barato de teu tédio insensato. 


Enquanto te pões a rir desses incautos com tuas peripécias a humanidade sofre na busca de coisas que nem sequer existem. Mas lá vão eles... continuam a dizer que estão a sair da caverna, que se libertaram desse mundo de mentiras e que encontrarão a verdadeira libertação, isto é, a saída dessa imaginária caverna! 


-Gabriel Meiller

quinta-feira, 10 de agosto de 2023

Diferença entre teologia liberal (cristã) e a teologia fundamentalista (cristã)

 




O que esse texto representa? O entendimento de que uma divergência teológica significa que uma teologia parte de outros pressupostos ao ler a Bíblia, enquanto a outra teologia parte de outros pressupostos  que são divergentes em gênero, número e grau para ler a mesma Bíblia. Sejamos específicos: a teologia fundamentalista se baseia nos fundamentos, que são: a fé tradicional dos teólogos e a crença na literalidade bíblica. 


Dentro da própria teologia cristã fundamentalista já existem variações abismais; entretanto, entre a liberal e a fundamentalista, as diferenças são galaxiais, isto é, no sentido de que pertencem a universos diferentes. A teologia fundamentalista apresenta sua investigação com os métodos interpretativos hermenêuticos, históricos, exegéticos, etc... fundamentados numa investigação racional subordinada à fé confecional! 


Ou seja, um teólogo fundamentalista nunca afirmará que Jesus de Nazaré não era divino, isto é, não era o Cristo no sentido literal. Nunca afirmará que Javé era apenas um deus no panteão hebreu e que incorporou as demais divindades; nunca irá admitir erros de relatos bíblicos ou ocultações. Ele sempre irá encarar a Bíblia de forma literalista e como a Palavra de Deus. 


Enquanto o teólogo liberal irá sempre enxergar a Bíblia colocando o consenso científico e crítico acima da fé; ele não irá distorcer uma hermenêutica, crítica textual, contexto histórico e exegético para que a Bíblia caia em sua confissão e idealizações de fé. Isso não significa uma imparcialidade e objetividade plena, isto seria um neopositivismo ingênuo; mas significa que a parcialidade deste investigador será menos tendenciosa se comparada para com o teólogo fundamentalista. 


Ora, todos sabem que para qualquer investigação, inclusive da Bíblia, o erudito precisa de um "agnosticismo metodológico", ou seja, suspender suas crenças pessoais para interpretar o mundo e neste caso a Bíblia com a menor interferência possível da fé ou do dogmatismo ateu; é necessário muita autocrítica! Pois bem, os teólogos fundamentalistas não se dispõem a isso. E como a teologia liberal possui um público de diferentes crenças religiosas e de interesses não conflitantes da investigação em sua grande maioria, é muito mais provável que a teologia liberal seja mais acurada e científica do que a velha teologia fundamentalista, que serve para reafirmações de fé, da qual os dominicalistas bebem em sua grande maioria. 


Síntese: teologia baseada em fé não é teologia razoável e próxima da verdade; teologia baseada em ciência e na crítica é mais próxima da verdade e mais exata! 


-Gabriel Meiller

segunda-feira, 7 de agosto de 2023

Reflexões sobre a gênese, aquele "antes de tudo"

 



"Deus só pode existir pela lógica" pensam aqueles que não conseguem entender o que é o "nada". O que é o nada? Conseguimos compreender o que é o nada? Ele tem uma incompreensão e confusão com o vácuo; o vácuo, rotulado de nada, tem coisas em si. Aqueles que imaginam o universo surgindo do nada deste vácuo, pensam que é impossível surgir algo. Mas não estamos falando deste "nada" do vácuo. Logo, o nada é uma abstração da mente e ele não existe. O verdadeiro nada é inconcebível e incompreensível. O que havia então no lugar desse nada? Algo que sempre existiu, que foi além do tempo/espaço. E muitos reportam esse "algo" a Deus, um ser criador, certo? E por que gostam de pensar assim os nossos amigos filósofos de escola dominical? Porque o pressuposto por trás desse pensamento é este: "Só algo dotado de consciência pode gerar outras coisas!" 


Oras, que grande loucura! Por que algo desprovido de consciência não pode ter gerado tudo? Lembrem-se que a consciência é um atributo humano e dos demais seres vivos. A consciência surgiu muito tempo depois dos surgimentos primitivos; ela não estava em explosões e confrontos de astros; não estava na expansão da matéria.  Entretanto, nossos filósofos dominicais cometem um erro crasso de deslocamento histórico temporal da consciência para antes de tudo. Não parece isso um senso a-histórico? O nome disso é pensamento mágico! Não é da ordem da filosofia que enxerga o mundo como ordenado e gradual na cosmologia, mas é um pensamento irracional. 


O pensamento mágico, portanto, precisa de uma consciência anterior ao nada porque é um pensamento repleto de projeções humanas e conscienciosas tentando compreender algo anterior à consciência. Então conceberam deus à vossa imagem e semelhança e se tornaram os juízes dotados de pensamento mágico. Esses juízes são como calouros que almejam julgar os professores e diretores de um curso de ensino superior. O critério tem como base a mágica e não um apanhado teórico. Pois bem, assim também têm feito os dominicalistas baseados na Bíblia.  Há uma enorme e irreconciliável diferença epistemológica aqui, em um grupo sob o nome de ateus: Freud e Nietzsche. Mas isso não desanima os dominicalistas a usarem o pensamento mágico, que concebe a consciência (divina) antes do nada para julgar como irracional postulações filosóficas e evolucionistas. Encerro com esta síntese: Deus: sinônimo de mágica; mágica: sinônimo de engano!

-Gabriel Meiller