sábado, 26 de agosto de 2023

O surgimento da verdade: seria ela uma mentira?

 




A verdade merece uma história de si mesma. Não me julguem capaz de historicizar a origem da verdade, senhoreas (senhores e senhoras). Mas eu irei dar uma prévia do que seria uma historicidade da verdade, uma prévia muito mais metafórica do que verídica, pois investigar um vestígio de mentalidade humano é uma tarefa suicida! 


O consenso historiográfico que permeia todo o (in)consciente coletivo geral é de que a verdade surgiu conforme a consciência humana foi surgindo. Oh! Que surpresa, senhoreas! Acho que esse tipo de constatação é totalmente original e nunca antes visto! Então a verdade nasceu do que estava de acordo com a visão humana sobre o meio externo a ela (pois a convenção da consciência humana é de que ela possui uma divisão para com o mundo, passando a ser o externo e ela e seu corpo o meio interno. Aí já percebemos a origem do binarismo mais básico e pedagógico que moveu o homem no mundo).


A verdade, então, se fundou sobre um consenso do olhar humano. O "fora" e o "dentro"!  Isso mostra o seu caráter intersubjetivo e diplomático para com a percepção (percepções) humana(s). A verdade seria o que está de acordo com essa base da observação do que acontece "fora" em relação ao que ocorre "dentro". E essa observação está pautada na exatidão dessas observações. 


Mas essa observação é apenas um fragmento do que é a verdade; a verdade é como uma construção composta de diversos alicerces. Um deles é a exatidão da observação dos fenômenos internos e externos. O outro alicerce é a verdade como uma descrição não literal, mas que expressa uma tentativa de entender algum fenômeno do mundo. Estou falando sobre o aspecto mítico da verdade e não mais literal. Como surgiu o mundo? A mitologia, munida da cosmologia, teogonia, entre outras descrições... expressará uma verdade, isto é, uma codificação que expresse de forma metafórica, hiperbólea, eufêmica ou de outra natureza acerca do surgimento de algo. 


Para os antigos, impregnados do pensamento mágico, esta descrição era racional e descrevia com semelhante precisão a origem do homem e da Terra assim como a cosmologia aristotélica explicava as estruturas do universo a respeito da Terra. 


Temos então a verdade como revelação de algo que antes era desconhecido; temos a verdade como interpretação exata do mundo pelo consenso de um "externo" e um "interno"; temos, então, a verdade como literalidade  e como descrição metafórica de algo, como nas mitologias.


 Soma-se dentro deste último ponto os mitos que tratam a respeito das dinâmicas humanas. A história de Rômulo e Remo, Abel e Caim, são verdade! Se repetem na vida de muitos; a história de Adão e Eva, que comem do fruto do conhecimento do bem e do mal e são punidos, é verdade e se repete em todo aquele que busca o conhecimento e se sente o homem da caverna que se libertou das correntes e foi importunar os demais ao dizer que estavam nas sombras! 


Entretanto, nosso espírito de época decidiu reduzir a verdade à literalidade do pensamento. O raciocínio foi obrigado a se tornar literal e científico em muitos grupos sociais. Uma prova disso são os religiosos que querem interpretar uma verdade mítica pela verdade literal e assim fazem uma miscelânea de verdades! A verdade como literalidade está no senso comum e sendo muito mal impregada. Sejam religiosos, sejam ateus: todos bebem da mesma fonte da verdade! E então não entendem quando a verdade aparece em uma de suas mil faces. Só a enxergam sob o parecer da literalidade, do "é" ou "não é". 


 A mentira surge como uma oposição ao conceito vigente de verdade, "o que não é"! O que não é verdade, é mentira! Logo, a mentira e a verdade são uma invenção. Digo melhor: o conceito linguístico do que é verdade e mentira são invenções. A verdade não é um ente que anda por aí! A verdade não existe fora do aparelho psíquico. O que existe são fatos, fenômenos e acontecimentos. Por isso posso dizer que a verdade é uma invenção, isto é, uma linguagem. Ela é o símbolo dentro da linguagem usado para que o ser humano se aproprie de fatos mediante sua consciência e a transmita a outros seres humanos! A verdade é uma "mentira" desde o seu nascimento porque estamos presos na linguagem e na imprecisão dela! 


-Gabriel Meiller, prisioneiro da linguagem.

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