sábado, 26 de agosto de 2023

A alienação na ciência (e nas demais linguagens)

 






"O que é o homem?"


"Bem... um conjunto de átomos e moléculas orgânicas que tem evoluído desde os seres marinhos e que chegou à terra na forma de répteis, aves, anfíbios, mamíferos e de um dos ramos dos mamíferos: aqueles de grande porte. Desse encadeamento dos seres vivos surgiu o homo sapiens! Este é o homem!"


Esta seria em essência a resposta da ciência e sua definição. E está correta em vias gerais; ainda há detalhes e esmiuçamentos que serão aperfeiçoados com os aprofundamentos científicos, mas temos uma verdade descritiva e literal segura e consolidada, principalmente depois da biogenética que trouxe uma exemplificação bioquímica sobre a evolução do homem advinda do ancestral em comum com os demais primatas. O último passo, para estar dentro dos credos do neopositivismo, seria a reprodução em laboratório da evolução. Entretanto isso implica questões éticas e quase impossíveis de se realizar pelo longo, longo, longo prazo que levaria uma evolução em laboratório. 


Mesmo se isso ocorresse os dogmáticos cristãos, literalistas do gênesis que andam aos montes por este grupo de ateus, ainda não se convenceriam desta verdade científica. 


Mas após dizer tudo isso, temos que pensar criticamente sobre as consequências da redução da pergunta "o que é o homem" ao pressuposto científico. "Será que o reducionismo científico equivale à verdade absoluta sobre o que é o homem?" Essa pergunta soa e é idiota de certa forma! Pois bem, temos que ser ridículos para que sejamos inteligíveis pela pedagogia esdrúxula! 


A ciência não trabalha pela ilusão de verdades absolutas, mas ela é o constante espírito crítico. Na ciência um novo paradigma que se mostra mais eficaz na explicação de algum aspecto do mundo, substitui o antigo paradigma a partir do momento em que ele é considerado obsoleto!(Thomas Kuhn).  A ciência não se pretende absoluta, muito menos exclusiva e monopolizadora ao abordar as verdades; entretanto, os seres humanos são absolutizantes, frágeis ao ponto de sempre pulularem de uma verdade definitiva para outra: senão na religião, na ciência; senão na ciência, no misticismo; senão no misticismo, em outra linguagem. Cabe, então, que cada um valore por qual verdade quer viver e se quer fechar seu julgamento em torno de uma verdade que aos olhos de outro pode ser "mentira". 


Mostro-lhes um caminho mais excelente: não se alienem em nenhuma linguagem, isto é, não reduzam a verdade (este ente imaginário preso na linguagem) a uma só linguagem. Saibam diversificar e entender que cada linguagem expressa sua verdade de forma relativa às suas proposições. A verdade mítica tem seu valor (menos quando é interpretada de forma literalizante, como os amigos dominicalistas que de fato enxergam o homem como criado do barro); a verdade científica tem igualmente o seu valor (pois ela nos abre portas de cura e saúde para com o corpo e a mente ao entender os processos evolutivos); a verdade filosófica tem também o seu valor (pois ela vai além da descrição procedimental do "como é algo", ela questiona a validade ou finalidade e aplicação das outras verdades, sendo uma verdade, ou melhor, concepções e possibilidades de novas verdades sempre pulsante que aviva a epistemologia geral e dá a ela andamento e movimento. 


Já a linguagem artística não se preocupa com a categorização "verdade". Ela é uma linguagem com ênfase na expressão humana e já não tem finalidade de apresentar verdades ou mentiras; ela vai além da verdade e da mentira, do bem e do mal (da valoração) a não ser quando é aplicada em avaliações artísticas de jurados pela dança, programas de auditório, etc... que seriam aplicações da arte. 


"O que é o homem?" A arte diria que é um ser radiante que manifesta suas peculiaridades ao mundo de forma totalmente diferente dos demais animais: de forma artificial, isto é, feita como um trabalho de artíficie que transforma uma matéria prima em algo totalmente inédito aos demais animais. Ou melhor: a arte seria a demonstração prática desse aspecto do homem.


"O que é o homem?"  A religião o coloca como alguém que carrega a divindade em si mesmo, alguém que veio da criação engenhosa de outro plano. 


"O que é o homem?" A antropologia diria que ele é uma massa modelável de acordo com sua cultura e que as culturas são tão peculiares e surgem de uma complexidade inumerável de micro e macro-fatores. 


"O que é o homem?" A filosofia nada diria; em verdade ela ficaria espantada com a definição e riqueza das  demais linguagens e também surpresa por não haver uma unificação e consenso absoluto do que signifique o homem e o que ele seja. A filosofia questionaria esse "O que é" e questionaria este "o homem". Ser em que sentido? Essencial? Isso existe ou é ilusão humana? E o que entendemos por homem?  


Agora que tudo isso foi dito, a minha conclusão é esta: se alienar nas linguagens significa negar uma parte do mundo que não está fundamentado em alguma delas. Significa o reducionismo existencial e a degradação da totalidade da vida. Se a opção pessoal de um indivíduo for viver por um tipo específico de linguagem, a valoração é totalmente sua e não deve ser questionada a não ser por ele mesmo. Mas a imposição coletiva ou social de um tipo de linguagem como redentora do mundo e de seus problemas... é certamente uma noção totalizante, isto é, falsa! 


-Gabriel Meiller, o prisioneiro da linguagem.

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