A palavra eu deve ser destituída de qualquer impressão, por mais que possa parecer contraintuitivo, singular e unificada que sua conotação apresente. Todos empiricamente sabem que temos conflitos de diferentes naturezas devastadoras dentro de nós mesmos. A pergunta que podemos nos fazer é a seguinte: quanto tempo demora para um pequeno eu ser construído dentro de nós? Quando que o primeiro eu surge e quando ele dá lugar a um outro eu mais atualizado e recente? Precisamos pensar em mortes e renascimentos de vários eus e não em uma evolução constante. Talvez a psicanálise tenha sido seduzida pela gramática e pelas suas induções: postulou um eu consciente e o inconsciente, mas apenas como um eu dividido e clivado porque não aceita vontades que vão contra seus próprios princípios. De qualquer forma, as três instâncias do eu já representaram um avanço gigantesco e uma parcial superação da metafísica na linguagem.
Pois bem... meus eus são todos competitivos, o que torna meu conjunto de eus uma enorme bagunça conflituosa e contraditória. Quanto mais contraditória a vida... mais lutas há dentro de um indivíduo e essas lutas fazem parte da dinâmica da vida. "Vida" significa "mobilidade" dentro desse meu dicionário epistemológico. E essa mobilidade só existe pelo constante conflito entre diferentes forças. A vida nunca é estática, mesmo que ela aparente ser estática em macro estruturas. A nossa litosfera terrestre parece estar rígida, sólida e permanente, não é mesmo? Mas por baixo dela há um turbilhão de movimentos de abalos sísmicos e lava jorrando do núcleo da Terra; e a parte rochosa está se movendo, mesmo que de forma muito lenta e imperceptível. Os nossos cabelos também estão crescendo: eles crescem cerca de 1 milímetro a cada 3 dias; o universo está expandindo até agora; nosso coração está, desde o dia em que nascemos, pulsando sem parar e nosso cérebro emitindo ondas que são capazes de acender uma pequena lâmpada (por isso o ícone representando uma lâmpada acesa é usado quando uma pessoa tem uma ideia criativa) pois o cérebro utiliza mais ondas alfa em seus processos de criação de ideias.
Tudo, então, indica constante movimentação, bem como nós mesmos e nossos vários eus e suas partes conflitantes. Fala sério: você, moça pura e sensata, nunca teve fantasias com o irmão do seu namorado? E você, homem, nunca teve fantasias com sua cunhada e se masturbou? Esse conflito sexual é o mais pejorativo e utilizado, entretanto, temos muito mais conflitos que nos deixam atordoados conforme nossa liberdade aumenta. Esse é o motivo pelo qual muitos preferem caminhos retos, isto é, metafísicos. Os caminhos retos são a didática pedagógica da humanidade para não surtar com tanta liberdade e possibilidade de escolhas.
Ultimamente ando com tanta raiva... tanta raiva... que se me dessem um bastão e me deixassem numa sala cheia de objetos eu quebraria todos eles... mas somente se ninguém soubesse quem foi o meliante. Mas pode ser que, mesmo tendo essas condições, no último momento em que eu tivesse prestes a praticar este ato de vandalismo... minha covardia falasse mais alto e eu mesmo não tivesse coragem de ouvir meu eu raivoso que quer vomitar frustrações por meio do impacto e da agressividade; ou talvez meu eu ganancioso decidissse roubar os objetos da sala para vendê-los na esperança de conseguir dinheiro.
Seja como for, que aprendamos a ouvir nossos eus internos, ou dimensões do eu, para aqueles que preferem a unificação didática. Os menos controversos são os mais pobres porque extirpam partes de si mesmos e se tornam pessoas castradas. O eterno conflito é o caminho mais excelente!
-Gabriel Meiller