Já morri diversas vezes, senhores. Já não sou mais eu desde que aceitei a manifestação da contradição neste campo de batalha biopsíquico que vos fala!
Quem é o meu Eu? Um apanhado de vontades, pensamentos e sentimentos que se alternam em todo o tempo. Não há dualidade, há decalidades!
Eis o meu submarino para águas profundas: a aceitação das contradições que habitam em mim e na humanidade. Minha filosofia é para aqueles que suportam a descida ao profundo abismo do Oceano, mais afastado do que a calamidade do Titanic onde a pressão é esmagadora àqueles que ainda possuem ideais metafísicos absolutos.
Os ideais metafísicos não são o problema; o problema é a seriedade com que os manuseamos. Somos demasiado pretensiosos, demasiado sérios! Precisamos da despretensão, meus caros! Gravem esta palavra chave: des-pre-ten-são!
Ela é a chave para a vida em abundância: se desprender de uma visão no momento adequado; não ter uma pretensão a todos os momentos; uma pré-tensão significa uma tensão desnecessária; não pretender nada é necessário para que a criatividade surja e a pretensão se aplique quando os novos objetivos forem necessários; novos objetivos que só aparecem quando não há uma pré-tensão, um objetivo totalitário e universalizante barrando todas as possibilidades de ser que aparecem com a maré das incertezas e da impermanência.
A despretensão é uma constante dissolução do ego; não devemos nos enxergar com uma essência, não! Nossa única essência é a não-essência, a inconstância, ou melhor: a impermanência.
Nosso velho Heráclito estava corretíssimo sobre nós e sobre os rios, porque ele estava falando de uma coisa só: tudo é feito da mesma submatéria! Dos átomos que são uma espécie de energia, de oscilação (im)permanente. A luta começa entre a interação das menores partes da matéria que neste conflito fundam os alicerces de todo o mundo: o mundo como conflito eterno de forças que começam desde a mecânica quântica até as maiores partes da matéria.
Se há conflito em tudo, em nós também ele está presente nas mais diversas dimensões e áreas: pois somos parte do universo e abrigamos em nós bilhões de bactérias, milhões de células e milhares de interações entre as desigualdades que nos formam em um organismo que possui uma diferente e intrigante consciência de si mesmo e de seu funcionamento.
Somos, então, seres da contradição e devemos aceitá-la. Aceitar a contradição significa aceitar todas as partes de si! Significa dizer um sagrado "sim" ao mundo! Mas quem não ama o mundo, diz que ama as coisas de Deus. Filhinhos, aprendam de uma vez: quem alega amar a Deus, nunca poderá amar ao mundo, pois as coisas do mundo significam o eterno conflito de forças. Os que amam a Deus morreram para esse conflito e preferem o nada. Essa é a essência da metafísica: a morte e aniquilação de partes de si mesmo pela não movimentação da vida. Essa morte ocorre justamente pela estatização. Metafísica= estatização. Estatização= ausência de conflitos existenciais das forças que estão em nós e no mundo.
Os metafísicos fiéis não aceitam sua natureza e por isso recorrem a outra; mas quem sabe relativizar até a metafísica, este se livra dela sem precisar negá-la por completo e por falta de uma longa e prolongada reflexão constante sobre suas estruturas de dominação (Nem todos conseguem essa metódica proeza de desmantelamento).
Mas esta é a vitória que vence a metafísica: a despretensão e o ouvir aos instintos! Filhinhos: não deixem que a vontade de verdade reine sobre vós: ela é como um homem conservador que trilha caminhos tortuosos: ele finge estar satisfeito com sua mulher, mas na calada da madrugada sai para procurar as transexuais e os garotos de programa e dar a eles suas partes de trás.
A vontade de verdade é o negar de si mesmo em nome da pretensão e de uma busca imaginária que nega a vida e se contenta com a morte por esta ser o prêmio que leva à suposta vida eterna. Em verdade, em verdade vos digo: a vida eterna é esta a quem vós negais, óh filhos da Bíblia e do ascetismo de todas as religiões que negam este mundo em prol de uma esperança de vida eterna.
-Gabriel Meiller
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