Imaginemos, senhores, que os demais seres vivos consigam se comunicar de forma sutil e instintiva. Por intuição que transcende palavras e gestos... algum tipo de comunicação inconsciente que está clarificada no espírito, no centro vital do entendimento de cada criatura e de cada ser senciente. As plantas, como alguns já sabem, nutrem uma comunicação sutil entre elas através de suas raízes. Mas continuemos em nossa abstraçãozinha que pode ser útil para nosso fetiche filosófico que é uma ilusão sedutora tentando derrubar outras demais ilusões. E desta vez a ilusão a ser derrubada por esse meu fetichezinho ilusório (que de vez em quando eu acredito ser real, senhores), desta vez a ilusão a ser demolida se chama identitarismo primitivo.
Então voltemos ao nosso ponto no qual desejo fazer uma arruaçazinha e caçoar um pouco, semelhante a uma criança ingênua que finge saber da vida. A questão é a seguinte, senhores: o ser humano é ridículo! Um ser imbecil que vive amontoado em um monte de crenças estúpidas acerca do que nunca jamais entendeu. Sim, senhores! Esta é a mais pura realidade petrificante e gelante da vida: o homem é um mentiroso! Mais do que isso e ainda pior, senhores e senhoras: o homem é um automentiroso, isto é, um sabotador inconsciente e, às vezes, autoconsciente! Acreditem em minha lucidez na qual alguns, seres automentirosos, acusam ser loucura; acreditem no que Lacan nos induziu a ver: o louco é quem está mais perto do Real; o Real é o epicentro da Realidade, do mundo nu e cru tal como... ah! Quem ainda está lendo essas ponderações de um teórico que está sendo, também, induzido por fantasiazinhas? Ele é mais um que está criando uma identidade para a humanidade: a identidade de que não existe loucura e sanidade em si mesmas. Mas acredito que essa fantasia dele talvez seja verdade! Talvez endosse o meu fetiche filosófico e por isso seja sensato! Então voltemos de forma mais pragmática, senhores; e me perdoem, tenham paciência para com o que quero falar e tentarei ser breve dentro do meu surto de prolixidade literária!
A questão é que desde o momento em que a humanidade se conheceu como gente, ela acredita nessa mentira: a de que ela é diferente. A mentira de que ela tem uma identidade! O começo sórdido dessa ilusão, dessa autocontação de história ingênua... começou pela linguagem mítica, propagada pelas crenças religiosas. O homo identitus, aquele que precisava se enxergar por meio da essência de algo, começou uma revolução efetuada graças à consciência amplificada e que mudou os rumos de todos os demais seres vivos. Então... a percepção induzida de que este caos tem um sentido, de que seu início se deu por outra consciência amplificada; de que há muito mais além de viver pelo instinto e pela atenção ao momento presente e de que nossas brincadeiras existenciais possuem um propósito... toda essa ilusão seduzente, incluindo a percepção de que somos os comunicadores por excelência, de que somos aqueles que controlam os rumos do planeta que nos gerou por eras... toda essa pataquada patife se tornou um credo inquestionável! Então os demais animais e seres sencientes, como eu vinha dizendo no começo... todos eles se comunicaram ao decorrer dos anos evolutivos acerca do homo sapiens e sua traição aos demais!
O que eles emanaram em suas comunicações? Eles caçoaram de nós, senhores! Fizeram uma reunião movida a tiração de sarro misturada com sarcasmo negro e indignado. A pauta desse furdunço todo? A abstração humana, a criação de essências identitárias, a teleologia como ordenadora do mundo, as crenças mágicas e a terrível mania antropocêntrica que é movida pela nossa projeção em tudo e em todos. Lógicamente as emanações sutis dos seres não foram expressadas dessa forma, mas como impressões borradas típicas de suas consciências obscuras e estruturalmente diferentes de nossa organização mental. Estes seres sabem, senhores, ou melhor: desconfiam dessa noção maníaca e neurótica de contarmos histórias para nós mesmos. O que é o identitarismo? Não é o mais óbvio que emerge na contemporaneidade e possui pautas de esquerda! Este é apenas um sintoma de uma outra fantasia muito mais antiga: o identitarismo começou nos primórdios da humanidade, quando começamos essa engenhosa mania de contar histórias a nós mesmos por meio de nossas crenças, da abstração e da fuga do presente.
Somos filhos de Deus? Somos bons ou maus? Ah... quem sabe, então, somos ateus? Bem... tudo isso é de uma espécie de bobaaaaaagem tremenda. "Já sei", falo a mim mesmo: "somos sensatos!", e caio então em outra bobagem, em outro jogo mental de bobagens e adjetivações. Adjetivar é uma bobagem, senhores! É tanta bobagem que eu mesmo cometo várias e frequentemente acredito no que falo. Por isso me previnam de minha doença pitoresca, me livrem de ser mais bobo do que sou! Falem: "tudo isso é uma grande bobagem, senhor!" e confirmem, assim, a minha bobagem! He he he he he... Perdoem-me os paroxismos de loucura... desconfio e emano frequentemente que esses paroxismos e essa minha irracionalidadezinha é mais decente do que vossas identidades metafísicas, do que vossa crença fiel ao livro do Ocidente. Vejam: quanto mais fixo o pensamento sobre o mundo, mais mentiroso ele é! Quanto mais sensato somos, mais idiotas estamos sendo! Pessoas de uma opinião só são as mais imbecis! São aqueles que querem construir um castelinho de vidro aonde batem as ondas do mar. Mas... isso já fica para uma outra oportunidade, senhores!
Bem... até mais! Se forem me procurar... estarei na reunião junto com os seres sencientes, traindo a nossa espécie e as bobagens dela que eu mesmo cometo!
-Gabriel Meiller
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