Que todos sabem que Nietzsche é o crítico mais voraz que ruge com seu martelo a respeito da moral cristã absoluta, isso é um fato dado e obsoleto. Mas por que o "Deus está morto" gerou todo esse rebuliço a ponto de terminar de supultar (pois o iluminismo já tinha começado essa árdua tarefa) o aguilhão da agudez (pois a religião cristã por meio da moral ainda deixa suas marcas no Estado) da religião no Estado?
O "Deus está morto" foi profundo e pragmático. Não foi uma afirmação no sentido: "A entidade existente chamada Deus está morta." como se ela tivesse existido e então morreu; Nietzsche estava falando do Deus cristão na mente humana. Era uma afirmação da interpretação do Deus cristão. Nietzsche confessou em Ecce Homo que seu ateísmo instintivo não o fazia perder tempo com a entidade Deus; visto que provar a inexistência de um Deus soa como provar a inexistência de um dragão invisível na minha garagem que é imune a qualquer aparelho de detecção de alguma vibração ou temperatura, como exemplificou Carl Sagan.
Então, se o Deus ontológico era perda de tempo para Nietzsche, o Deus antropomorfizado, ou melhor, o Deus antropológico construído pela mente humana, esse sim deveria ser analisado e constatado como morto! Por que? Porque de fato o mataram! Pelo iluminismo, pelo afastamento da igreja católica e sua interferência no poder temporal do Ocidente; pela constante laicização e a possibilidade de outros valores que não fossem cristãos. Matar Deus, então, significa mudar a concepção moral do Deus ontológico e consecutivamente da moral!
Mas Nietzsche visava a crítica do Deus antropológico para ir mais fundo ainda. Ah, essa topeira persistente e imparável; esse rapazote de visão aguçada que sente o faro da privação aos sentidos do corpo: que sente o faro do platonismo adaptado ao cristianismo!
Nietzsche enxergou em Eurípedes o começo da maior tragédia de todas: a tragédia do privilégio do que não se vê em detrimento do que se vê! Parece familiar aos senhores esta estratagema? Sim, está em vosso livro sagrado:
"Assim, fixamos os olhos, não naquilo que se vê, mas no que não se vê, pois o que se vê é transitório, mas o que não se vê é eterno." - 2 Coríntios 4:18.
Essa foi a tendência que começou a entrar em ascensão no Ocidente: uma revolta contra aquilo que se vê, a saber: o corpo! E uma idolatria para com tudo aquilo que não se vê, a saber: a mente, alma e a razão como juiz máximo de todas as demais faculdades submetidas a este novo juiz. Ou se quiserem nos termos de Nietzsche: o domínio do apolíneo sob o dionisíaco!
O centro de toda crítica nietzschiana, ou seja, sua guerra de morte: foi travada contra o desequilíbrio da valoração expressa na máxima do platonismo: a superioridade da mente em detrimento da inferioridade e transitoriedade dos sentidos! A razão, pela narrativa nietzschiana, passou a dominar sob os sentidos em escala de importância e então o cristianismo foi fundamentado sob essa valoração platônica que considerava o pecado/transitório como produto das vontades da carne. E o combate ao pecado, como combate à carne! A grande questão é que o pecado foi a interpretação cristã do que seria o "engano" para o platonismo, do que seria a cópia barata do mundo das ideias em comparação com o mundo das essências. Para Nietzsche essa concepção platônica foi o delírio que pegou e fez de todos lunáticos que cultuavam uma vida imaginária em detrimento desta vida. O que é isso senão ódio à vida? O que ainda é isso senão niilismo?!!
Desta forma, por que criticar o Deus ontológico? Chutar cachorro morto não leva ninguém a nada; tentar expulsar um dragão invisível da garagem é perda de tempo. Deixemos os meninos descolados, os metafísicos refinados se divertirem com seus dragões imaginários na garagem, que mal isso faz a alguém? Mas o Deus cristão histórico e antropológico que dá margem para a condenação da carne e dos instintos... esse deve ser alertado a todos, para que saiam da emboscada mortal de autossabotagem!
-Gabriel Meiller
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