sexta-feira, 29 de setembro de 2023

Um jovem idoso mal-humorado

 

"O que está acontecendo comigo?" penso eu, enquanto ando de bicicleta na rua, cercado de businas de carros, ruídos diversos, latidos de cachorros e de toda maldita despaisagem urbana acompanhada de pitadas de poluição visual e sonora.  


Essa descrição mal humorada e revoltada demonstra o que tenho me tornado ultimamente com o passar do tempo: um jovem idoso ranzinza e cansado de poluições. Eu não sei sobre os demais, mas acredito que minha meia idade tenha chegado antes da hora. "Será o estresse de uma rotina corrida de dois empregos? Será o estresse de um relacionamento amoroso que me dá dor de cabeça pela volatilidade emocional daquela fi..... que me deixa inseguro? " penso com meu botões, não ligando muito para o grande desserviço urbano que me assola ao redor. 


"Talvez..." penso em voz alta comigo mesmo, sem ligar para o fato de que o magnífico ato de falar sozinho pode parecer estranho aos transeuntes desgraçados que estão presos na mesma gaiolinha da rotina pós-industrial que também me encontro.


"Mas esses acontecimentos podem ser apenas uma amplificação do que eu já sentia há muito tempo..." me surpreende de sopetão essa constatação, advinda do subsolo da mente!  


"É verdade..." expresso verbalmente em um tom um pouco mais alto do que o anterior. E então volto a me enfiar em reflexões mais profundas que me ajudem a fugir dos barulhos ruidosos cotidianos de uma sociedade desastrosa. 


É isto, senhores: meu mau humor é uma expressão de descontentamento maior para com a vida, mais específicamente com a sociedade que nos tornamos. Estamos presos em rotinas de Sísifo e em poluições sonoras, visuais e atmosféricas. O conceito de poluição ambiental envolve essas três esferas e possuem a mesma origem: o delírio industrial do homem. Bem... talvez não o delírio em si, pois eu me beneficio dessa balburdiazinha nojenta quando me convém; não posso ser tão hipócrita assim. Mas os excessos de delírio do homem industrial é o que nos adoece! As rotinas absurdas de horas de trabalho para a tentativa de uma qualidade mediana de vida; o motor ensurdecedor de carros e motos que ultrapassa a quantidade de decibéis recomendada pela OMS; o convívio excessivo com parentes por falta de recursos para moradia; o descruzamento de rotinas e a falta de senso comunitário de muitos... tudo isso contribui para com o excesso de delírio do homem pós-moderno. 


E tudo isso está assentado em um grande alicerce: a industrialização e os consequentes golpes que ela realiza na saúde física e psíquica dos homens que (sobre)vivem nessa sociedade. Aonde existem casos de moradores de chácara ou fazenda que vivem sofrendo de crises de ansiedade? As chances são muito menores por conta do isolamento do excesso de estímulos industriais diários. E moradores que se localizam em avenidas movimentadas? Esses podem ter uma ligeira tendência a essas crises de ansiedade. E alunos ou professores que trabalham em escolas cujo alarme parece um sinal de presídio? Esses, como eu, também sofrem a cada começo e fim de aula!


Nossa... perdoem-me a verborragia e o alarido gráfico; é que me sinto bem descarregando de forma silenciosa o que para alguns pode ser uma poluição visual literária.  Chego à conclusão de que talvez eu seja um jovem idoso mesmo. E preciso da solitude e do isolamento geográfico parcial dos meus parentes. Eu sou o velho que quer paz e sossego e por isso preciso pensar em formas paliativas desse isolamento, enquanto não consigo meu canto definitivo de solitude. Por ora, fones e isoladores de ruído são a minha desesperada saída, junto com momentos em que me isolo na garagem, pescando momentos de silêncio absoluto e meditação. 


Sou aquele profeta apocalíptico do silêncio, que se indigna com mentes imprudentes que quebram o bendito silêncio na sala de refeição dos escritórios. Daqueles malditos que não sabem ficar em silêncio consigo mesmos e precisam vomitar tudo o que pensam e sentem de forma descabida. Das pessoas sem noção que colocam música externa no escritório de ambiente de trabalho... pior: que ficam vendo vídeos com áudio externo de trechos de pregação e ainda acham ruim quando eu viro com uma cara de desacreditado procurando a origem de tal "barulho sacro". Isso já é o cúmulo! Por isso eu desvio os olhares quando cruzo com algum colega de trabalho que sei que no momento que seus olhos fizerem contato visual com os meus... isso o fará achar que tem o direito de vomitar alguma cotidianidade em meus ouvidos nada dispostos a ouvir esses murmúrios quebradores de silêncio. 


Minha máxima, então, é esta: escrevam-me! Não me mandem áudios... escuto melhor com os olhos! 


-Gabriel Meiller

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