Nietzsche é conhecido na filosofia pelo seu senso de humor provocativo e pelo seu perspectivismo, muitas vezes confundido pelos leigos e preconceituosos como uma contradição inerente do autor. O perspectivismo nietzschiano é a constatação de que a realidade possui verdades plurais e complexas demais para que alguém possa afirmar de forma convicta que sabe de algo.
Nietzsche começa a primeira parte de seu livro como se fosse um Sócrates 2.0, visando confundir seus "adversários" por meio de perguntas. Nietzsche critica muitos pressupostos considerados verdadeiros pela tradição filosófica Ocidental, como: a noção de um Eu racional e imutável, como quis o cartesianismo por meio da simbologia "Penso, logo existo". Essa frase coloca e reafirma a supremacia da razão sobre os demais sentidos, como se a verdade fosse subjugada e pertencente à razão e como se as emoções não fizessem parte dos julgamentos. O que Descartes fez senão sofisticar o platonismo milenar? Essa é a crítica de Nietzsche: Descartes continuou mantendo as premissas do pensamento metafísico na filosofia ao acreditar que o pensar é produto de um Eu racional e imutável (assim como Deus), mantendo o dualismo presente na filosofia da época: de que há um Eu de um lado e o mundo de outro, dando a entender que nós e o mundo somos separados.
Nietzsche questiona os filósofos por não serem críticos tanto quanto costumavam acreditar. Ele os acusa de filosofar com base em suas crenças pessoais e sem questioná-las. A oposição entre conceitos, uma valiosa premissa da metafísica, é cultuada entre aqueles filósofos: a verdade como oposição à mentira; a justiça à injustiça; o bem ao mal; o egoísmo ao altruísmo... como se fossem conceitos separados e opostos intrínsecamente entre si mesmos.
Mas será que também não há egoísmo no altruísmo, ou será mesmo que há possibilidade de existir o altruísmo sem o egoísmo? Freud posteriormenre irá mostrar que tudo é obra do ego, ou seja, tudo seria "egoísmo" e tudo teria interesses próprios em gratificação pessoal: sejam interesses conscientes ou inconscientes. E se esses conceitos "opostos" forem uma mesma característica empregada em lados diferentes? E se forem vistos de forma diferente de acordo com o julgamento de cada pessoa? E se o egoísmo for tão fundamental e importante quanto o altruísmo? E qualquer um que esteja disposto a pensar nessas críticas, seria como um filósofo perturbado pela ironia socrático-nietzschiana.
O que Nietzsche estava querendo fazer na primeira parte de seu livro? Ele almejava expurgar o parasita metafísico que se infiltrou na filosofia, tornando-a um cadáver putrefado pelo conflito de interesses. Muitos filósofos estavam dispostos a reafirmar suas crenças por argumentos eruditos ao invés de proceder pelo questionamento cruel das velhas verdades do senso comum.
O expurgo nietzschiano da filosofia almejava demolir as premissas não falseáveis do idelismo filosófico, principalmente por meio da crítica a Kant. O pressuposto de algo fixo e imutável deveria ser varrido para sempre do ofício do filósofo. O fixo e imutável, o nômeno, Deus, a eternidade... todos esses "pré-juízos" eram inimigos da busca às verdades da existência. Nietzsche começa o livro ridicularizando os filósofos dogmáticos ao dizer:
"Supondo que a verdade seja uma mulher, não seria bem fundada a suspeita de que todos os filósofos, na medida em que foram dogmáticos, entenderam pouco de mulheres?"
Poderíamos parafraseá-lo, dizendo: "Vocês nerds inteligentinhos não pegam nem mulher, nem a verdade; são péssimos em pegar qualquer uma dessas coisas, porque não sabem como se aproximar delas!"
Nietzsche era um comediante, alguém que sabia que a despretensão filosófica era a chave do conhecimento: a despretensão ocorria no fato de que suas críticas e sua filosofia não pretendiam construir algo definitivo, mas consistiam muito mais em questionar o que os demais pensavam ser A Verdade definitiva. Nietzsche foi o verdadeiro Sócrates que deu certo ao reconhecer a existência como ela é: complexa e incerta ao olhar perspectivista humano!
-Gabriel Meiller
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