Existe um limite para todo valor religioso ou laico, bem como para todo ideal de qualquer ideologia. Dizer que qualquer valor moral ou verdade de algum sistema é suficiente, significa reduzir e encaixotar a existência a um sistema de crenças. Isto é muito comum principalmente entre o imaginário religioso cristão, bem como em toda ideologia totalitária.
Como a temática de Nietzsche continua atual, no sentido de criticar o holocausto cristão que subjugou os instintos do homem e o tornou um animal de rebanho, suprimindo as individualidades, a minha crítica será aos valores cristãos que moldaram o inconsciente coletivo do Ocidente. Não é uma crítica contra os ideais em si, mas a estes como valores insuficientes para a existência como um todo. Mais do que isso: uma crítica contra o mal uso desses valores e a universalização deles, como é praticado em muitas instituições religiosas.
Compaixão e misericórdia:
São valores, como postula Nietzsche, passivos, negativos e que estimulam a conservação do que é baixo. Eles demonstram o adiamento de uma fruta podre que contamina as outras frutas sadias, como expresso na imagem do texto. Misericórdia significa "coração voltado para a miséria". Quando esses valores de misericórdia e compaixão são impostos pela moral (que é coletiva em si) eles já não são genuínos, mas fazem mal para quem os pratica sem critérios e para quem os recebe de forma ingênua. Aquele que pratica esses valores de forma obrigatória, tende a enxergar (de forma inconsciente) o alvo de sua compaixão e de sua misericórdia como inferior e um objeto de caridade para ressaltar o ego do praticante. Neste sentido o tão gabado assistencialismo religioso pode ser danoso e prejudicial.
A aplicação de forma sistêmica desses valores impede o praticante de enxergar os momentos de não demonstrar compaixão, bem como de não exercer misericórdia. Muitas vezes aquele que não é alvo de uma ajuda sistemática e contínua, aprende a cultivar independência, a endurecer diante dos desafios da vida, a travar batalhas no Ágon. Desta forma, a compaixão excessiva mata o seu alvo, o atrofia e não promove as qualidades ativas necessárias, além de cristalizar a pessoa que é alvo dessa compaixão como: miserável, digna de dó e piedade, inferior aos outros e doente em estado terminal. Já quem pratica a misericórdia e a compaixão sem equilíbrio tende a ser um possível narcisista arrogante que carrega o mundo em suas costas. Mais do que isso: se considera um escolhido por Deus para levar a salvação aos outros que estão perdidos nas trevas: "oh, coitados!"
Ao invés disto, a vingança deve compensar; aquele que se vinga no sentido de não guardar ofensas, mas de devolvê-las, impõe limites e mostra que é digno de respeito e que não irá tolerar desrespeitos. Aquele que é firme em suas posições (mesmo que pareça arrogante aos falsos humildes) é verdadeiro e sincero, enquanto o pietismo hipócrita e da falsa humildade é enganoso e pouco produtivo.
Quem é mais sadio? Aquele que se ira e xinga seu semelhante e depois esquece das ofensas ou aquele que não devolve a ofensa, mas guarda o rancor e por isso adoece? Pior do que isso... retribui em dobro de forma sorrateira, mostrando um semblante calmo e sereno, mas irado por dentro. Este sujeito que aparenta estar calmo, na verdade está remoendo o passado por dentro, guardando de forma rancorosa seu ódio. É aquele que "mata na unha!" Aquele que sofre uma ofensa, mas não devolve... está acumulando brasas vivas sobre a sua cabeça: as brasas da mágoa.
Mas aquele que devolve, nem que seja a devolução com o bem de forma ativa... este não guarda nada, não é ressentido, mas demonstra que está vivo e não se deixa ser castrado pela religião dos desafetos.
O que percebemos da moral nietzschiana é que ela é contra toda imposição universal valorativa aos indivíduos. Cada um deve valorar a vida como bem entende, de acordo com suas reflexões. Ninguém é obrigado a seguir um livro tido como "inspirado por Deus" e praticá-lo. Cada um é responsável para seguir o que lhe convém e o que lhe vivifica. O "bem" e o "mal" não devem ser tomados como absolutos de acordo com a metafísica, mas como uma reflexão individual e segundo a vivência de cada um.
"Conhece-se minha exigência ao filósofo, de colocar-se além do bem e do mal — de ter a ilusão do julgamento moral abaixo de si." -Nietzsche
-Gabriel Meiller