sexta-feira, 10 de novembro de 2023

21 ditados de quem nasceu no primeiro dia do inverno



1. A felicidade mora na ignorância, pois quanto mais sabe um homem... mais ele quer se estrangular ou estrangular o outro.

2. Não prive um homem de seus vícios: o vício é o último recurso antes da perda da sanidade. 

3. Todo ser humano sadio já se questionou sobre sua sanidade alguma vez na vida.

4. O trabalho não enobrece... mas é a ética protestante que adoece os 'vagabundos'.

5. Quem verdadeiramente ama o trabalho? Duas pessoas: quem emprega e quem é protestante, isto é, ingênuo. 

6. Ser saudável demais é o que adoece e tudo o que é bom e gostoso, faz mal. 

7. A dor é tão próxima do prazer quanto o homem é dos primatas. 

8. Quem acha que está certo, sempre estará; é por isso que o médico manda não contrariar. 

9. "Quando um louco parecer totalmente são, então, esta é a hora de colocá-lo na camisa de força" -Edgar Alan Poe.

10. Não se define o que é banana, sem maçã; deus sem o diabo, o louco sem o sensato... nem o que é do que não é. 

11. Todos gostam de fingir sensatez... por isso vive-se em uma sociedade de insanos. 

12. Se sofrimento não fosse bom e necessário... o sadomazoquismo não existiria. 

13. A esperança é quem destrói a humanidade e adia mais ainda o sofrimento. 

14. O que é a vida? Ela não é um morango, mas um enorme abacaxi.

15. A mentira é tão gostosa que mentimos o tempo todo: na arte, para o outro, em protocolos sociais e no 'fazer sala' para visitas indesejadas.  Mas sobretudo, mentimos o tempo todo para nós mesmos: a verdade é uma exceção, um delírio! 

16. O filho da puta se dá bem e muito: quem cresceu sem um pai aprendeu a conquistar o mundo! 

17. Quanto maior é a proibição, maior é o tesão e mais se cresce o 'monstro' interno.

18. Na grande maioria das vezes: quanto mais se vive intensamente, menos se vive biológicamente. O prazer é um acelerador do tempo restante de vida e não há o convívio entre alegria e paz. Ou se tem  um... ou o outro!

19. É em nome da euforia e do tédio que todos procuram  sarna para se coçar. O purgatório é o feliz meio termo entre o céu entediante e o inferno tenebroso. 

20. Um pecador só se confessa para outro pecador: por isso se confessam com o padre/pastor, que é o pior de todos.

21. Não acredito em Deus, graças a deus! 

-Gabriel Meiller

segunda-feira, 9 de outubro de 2023

O arqueólogo de ruínas

 



Este texto é inspirado em Memórias do Subsolo, ou melhor, no narrador de Memórias do Subsolo de Dostoiévski. Aqueles que observam enojados os meus movimentos literários recentes, percebem um falatório sobre mim parecido com um narcisismo e... de fato é um narcisismo implícito; talvez até explícito. Ultimamente tenho me analisado com olhar de psicólogo. Melhor ainda: com um olhar melhor do que o olhar "cognitivo comportamental superficial" de um psicólogo: o olhar profundo de um psicanalista! 


Hey... olhem aí o meu narcisismo saindo pelas frestas do subsolo, esse danaaado! Em meu narcisismo eu mesmo me examino, identifico minhas fantasias e promovo uma solução para desfazer esses pontos conflituosos. Eu mesmo sou o meu psicanalista, o meu confrontador e o meu redentor... querem mais narcisismo que isso? Minha tentativa de percorrer minhas ruínas internas e examinar cada pedrinha, cada fóssil e entender a origem de todos os destroços sepultados... é o sintoma do meu narcisismo e a sua redenção parcial. Digo "parcial" porque o narcisismo primitivo sempre fará parte de nós e estará tentando nos convencer de que não somos narcisos... de que não apreciamos e não esculpimos nossa imagem interior e de que não nos comprazemos com nosso ego e sua imagem diante do mundo. Freud sabia que o narcisismo era um espectro e que ao se tornar excessivo... poderia petrificar-se em transtorno. 


Estou certo nessa constatação, senhores? Ou será que o que eu falei foi somente uma racionalização e uma generalização minha somente para justificar meu narcisismo? No caso, isso também é mais uma confirmação do meu narcisismo. O homem do subsolo dostoievskiano é um homem ambíguo, vaidoso, contraditório, covarde e... narcisista! Talvez não seja no sentido patológico, mas no sentido secundário em que a volta de pulsões para si, para o seu ego... ocorre mais tarde na vida adulta por conta de traumas que o fazem se enclausurar em si mesmo. Mas o que eu admirei nesse homem liquidado pela vida foi sua sinceridade. Seu sincericídio combalido de quem já não consegue nem disfarçar sua fachada porque ela já foi derrubada. Então, ao chegar no ápice do ridículo, ele mesmo decide se abrir sem filtros, entendendo que não há mais nada a se perder, ele já se tornou o maior ridículo de todos aos olhos de todos... até aos olhos daquela meretriz que o acolheu bêbado, quando ele estava obcecado atrás de seus colegas de infância bulinadores para provar que ele era gente,  que ele significava algo para eles e tinha de ser respeitado, mesmo depois de todo o enxovalho e papel de ridículo que sofreu na noite anterior porque precisava provar algo a eles.


 Pois bem, eu me identifiquei com o homem do subsolo, eu reconheci em mim esses sintomas e... querem saber? Até nesse ato de me reconhecer neste personagem eu fui narcisista, como se essa chaga tivesse que ser só minha, como se essa autocomiseraçãozinha fosse só minha e não pudesse ser de mais ninguém. Não! Não empresto a vocês a fantasia do meu sofrimento com a qual me visto, desfilando e falando de mim... não! Pelo menos nisso me deixem ser especial. 


Mas vamos direto ao ponto... entremos em minha caverna e me deixem expor o porquê me considero tão narcisista assim. Ps: talvez eu esteja exagerando e dramatizando tudo isso. Mas isso também é parte do meu narcisismo, senhores. 


Ao descer à caverna nesses últimos dias eu tenho enxergado minhas motivações ao ajudar as pessoas sem elas pedirem ajuda. Em que eu sou tão solícito? Quando eu sei de algo e me ofereço para ajudar quem não pediu minha ajuda. Quando, por exemplo,  estou aprendendo sobre o mercado de ações, sobre análise técnica e então saio pregando esse evangelho aos meus amigos mais próximos, ou talvez até à instrutora de academia.  O que eu quero com isso? Qual o meu real interesse em dizer que seria bom eles investirem, comprarem ações, colocarem algo em renda fixa? A minha autopromoção, oras! Esse é o momento perfeito para que eu mostre como sou bom, como sou atencioso, como tenho paciência, como sou solícito. O meu bem estar se satisfaz quando mostro todas essas fantasias sobre eu mesmo e nessas aventuras eu vou manifestando meus sintomas e meu arquétipo de sábio, inteligente, poderoso... até que de tanto me aventurar eu começo a enxergar esses padrões inconscientes e me questionar,  fazendo uma autosabatina e até uma inquisiçãozinha para sentir que sofri o bastante e posso me desculpar provisóriamente por esses atos infames. 


Eu estou escrevendo para mim... não é para vocês que estão me lendo até esse momento. Mas se vocês lerem e me derem tapinhas nas costas, comentarem como eu tenho um olhar aguçado, um senso de clareza... ah! É aí que vou vibrar internamente e, depois desse orgasmo intelectual e afetivo, irei me reprimir ao dizer a mim mesmo:


 "Isso não é motivo para se orgulhar, é apenas mais um maldito reforço do seu narcisismo e da sua carência afetiva. Se você não foi admirado e não recebeu atenção na escola de seus colegas, ou de seu pai, dos colegas da rua... o problema é seu. Não venha tentar conseguir o que não teve com 27 anos na cara, seu marmanjo descompensado!" 


E então ao escrever até agora e constatar tudo isso... me dá uma certa tristeza. Não mais a tristeza narcísica para conseguir a atenção que não tive e desfilar com meu sofrimento e minhas angústias. Mas a tristeza silenciosa que constata o fato de que: não há muito o que fazer! Há padrões comportamentais a serem desconstruídos, excessos a serem medicados e suavizados... e uma vida a seguir consciente de que há buracos que não se fecharão. Eles serão tapados superficialmente, mas ficarão ali como uma armadilha para os momentos em que algum desavisado tatear com um pouquinho mais de pressão e for engolido desavisadamente. E, para encerrar de forma reafirmativa em meu narcisismo: talvez eu não procure ajuda psicológica, exatamente pelo fato do meu orgulho carente que me diz que eu posso resolver esses problemas sozinho...  Ele diz o seguinte: 


"Vejam: eu estudei para isso! Eu sei como traumas são criados e como posso amenizá-los, como posso desconstruí-los. Só preciso recorrer a olhares atentos que me observam de fora e questioná-los sobre meu comportamento e então... mãos à obra! Não... eu não preciso de psicólogos... eu não sou tão burro, tão fraco ou sem base psicológica e psicanalítica... eu sei o que é  a vida e como posso sair dessa neurose excessivamente egoica, vejam! Eu sei... eu sei!!!! Vocês não estão falando com um leigo... vocês estão falando com um neurótico reafirmador que a todo momento quer mostrar pra todos, mas principalmente a si mesmo: de que ele sabe de algo e é capaz de algo!" penso eu atordoadamente megalômano em minhas ruínas. 


Ps: agradeço a todos os meus vilões que em sua maldade e desprezo, me fizeram forte. Embora eu seja bastante frágil no ego, me tornei forte exatamente por intuir que fazer tudo por mim mesmo, em um surto de autossuficiência e isolamento, seria uma forma de não precisar de ninguém e nem de suas aprovações que eu tanto desejava. Mas então por que eu ainda as busco??!?!? 


-Gabriel Meiller

A arte da maiêutica

 


     


 


A maiêutica é a arte utilizada e formalizada por Sócrates que consistiu em dar luz às verdades de alguém por meio de perguntas, sendo um fator muito importante para o autoconhecimento de quem utiliza essa ferramenta. Por favor, entendam "verdades" como constatações que fazem sentido pessoal para aquele que medita sobre a vida.  E é exatamente sobre a importância da maiêutica como ferramenta de autoconhecimento que precisamos meditar para que possamos partir de algum ponto para navegar no oceano da vida. 


A vida é como um enorme oceano profundo, extenso e incerto; sempre partimos da terra continental para navegar pela vida. As ilhas, os continentes e outros relevos terrestres são o nosso porto seguro que nos abriga. Somos formados como seres humanos em baixo de tetos de culturas que nos ensinam a enxergar a vida de algumas perspectivas. Somos em grande parte um depósito do Outro, isto é, de todo um imaginário que veio antes de nós e que nos educou.  As ideologias, as crenças religiosas, os sistemas econômicos e as instituições são os elementos que compõem a parte continental que nos é familiar. São todos o nosso chão, nossa âncora e nossa estabilidade. 


Quando somos crianças o círculo desse relevo continental é ainda mais delimitado: ficamos em nosso castelinho e em redomas que abrigam nossas ilusões alimentadas por nossa família. Essa estabilidade é necessária pelo menos na tenra infância, assim como a lagarta precisa de seu casulo e do estreitamento desse casulo para que quando ela estiver maturando... possa trabalhar a musculatura interna para rasgar esse casulo e desenvolver suas asas, virando uma esplendorosa borboleta. Se esse casulo for rompido muito antes do desenvolvimento de sua musculatura, a lagarta não se metamorfoseia numa borboleta. 


Pois bem... quando chega a hora de navegarmos pela vida e conhecer os sete mares, precisamos estar preparados para cada surpresa e descoberta. Os diferentes mares e continentes abrigam diversidades muitas vezes espinhosas, mas nem por isso menos entusiasmantes. Os ambientes nos quais não estamos familiarizados (nos quais nossa família não nos criou) podem parecer estranhos, obscuros ou tóxicos demais. Para alguns podem até ser... mas muitas vezes são apenas paisagens exóticas nas quais não tivemos raízes e teremos que nos adaptar a esses terrenos que possuem outros nutrientes, outro solo e outro clima. É necessário aprender a apreciar o que não é familiar, o que não nos foi cultivado no passado. 


Em meio a tantas mudanças que a vida me promove e que eu frequentemente aceito... encontro uma única pessoa que está comigo o tempo todo nos diferentes relevos continentais: eu mesmo! Já experimentaram conversar consigo mesmos em voz alta? Travaram diálogos e se fizeram perguntas esperando alguma resposta?  Esta é a arte da maiêutica! Eu desenvolvi uma regra de ouro de mim para mim mesmo: se, após me encontrar comigo mesmo eu não conseguir uma solução suficiente para algum conflito ou alguma crise que estou passando... então eu recorrerei a alguém que, talvez, possa me auxiliar. Entendam que isso não é uma espécie de narcisismo, mas uma decisão sábia em meio a uma época em que não costumamos nos ouvir e preferimos consultar um guru sem antes ouvirmos nosso eu interno (ou eus internos). E nos tornamos vulneráveis quando preferimos ouvir mais aos de fora (que muitas vezes não nos conhecem no dia a dia) do que a ouvir a nós mesmos e às nossas intuições mais profundas. 


É nesse hábito que conseguimos fixar nossas raízes em novos continentes ou ilhas até o momento em que decidirmos partir para novas paisagens silvestres, brincando de exploradores que vão para onde lhes der vontade, sempre conduzidos pelo espírito infantil e aventureiro que ama o processo de descoberta da vida e de suas múltiplas possibilidades de se manifestar. 


-Gabriel Meiller 


sexta-feira, 29 de setembro de 2023

Nossos eus internos e o conflito de forças como mobilidade no universo

 

A palavra eu deve ser destituída de qualquer impressão, por mais que possa parecer contraintuitivo, singular e unificada que sua conotação apresente. Todos empiricamente sabem que temos conflitos de diferentes naturezas devastadoras dentro de nós mesmos. A pergunta que podemos nos fazer é a seguinte: quanto tempo demora para um pequeno eu ser construído dentro de nós? Quando que o primeiro eu surge e quando ele dá lugar a um outro eu mais atualizado e recente? Precisamos pensar em mortes e renascimentos de vários eus e não em uma evolução constante. Talvez a psicanálise tenha sido seduzida pela gramática e pelas suas induções: postulou um eu consciente e o inconsciente, mas apenas como  um eu dividido e clivado porque não aceita vontades que vão contra seus próprios princípios. De qualquer forma, as três instâncias do eu já representaram um avanço gigantesco e uma parcial superação da metafísica na linguagem. 


Pois bem... meus eus são todos competitivos, o que torna meu conjunto de eus uma enorme bagunça conflituosa e contraditória. Quanto mais contraditória a vida... mais lutas há dentro de um indivíduo e essas lutas fazem parte da dinâmica da vida. "Vida" significa "mobilidade" dentro desse meu dicionário epistemológico. E essa mobilidade só existe pelo constante conflito entre diferentes forças. A vida nunca é estática, mesmo que ela aparente ser estática em macro estruturas. A nossa litosfera terrestre parece estar rígida, sólida e permanente, não é mesmo? Mas por baixo dela há um turbilhão de movimentos de abalos sísmicos e lava jorrando do núcleo da Terra; e a parte rochosa está se movendo, mesmo que de forma muito lenta e imperceptível. Os nossos cabelos também estão crescendo: eles crescem cerca de 1 milímetro a cada 3 dias; o universo está expandindo até agora; nosso coração está, desde o dia em que nascemos, pulsando sem parar e nosso cérebro emitindo ondas que são capazes de acender uma pequena lâmpada (por isso o ícone representando uma lâmpada acesa é usado quando uma pessoa tem uma ideia criativa) pois o cérebro utiliza mais ondas alfa em seus processos de criação de ideias.


Tudo, então, indica constante movimentação, bem como nós mesmos e nossos vários eus e suas partes conflitantes. Fala sério: você, moça pura e sensata, nunca teve fantasias com o irmão do seu namorado? E você, homem, nunca teve fantasias com sua cunhada e se masturbou? Esse conflito sexual é o mais pejorativo e utilizado, entretanto, temos muito mais conflitos que nos deixam atordoados conforme nossa liberdade aumenta. Esse é o motivo pelo qual muitos preferem caminhos retos, isto é, metafísicos. Os caminhos retos são a didática pedagógica da humanidade para não surtar com tanta liberdade e possibilidade de escolhas. 


Ultimamente ando com tanta raiva... tanta raiva... que se me dessem um bastão e me deixassem numa sala cheia de objetos eu quebraria todos eles... mas somente se ninguém soubesse quem foi o meliante. Mas pode ser que, mesmo tendo essas condições, no último momento em que eu tivesse prestes a praticar este ato de vandalismo... minha covardia falasse mais alto e eu mesmo não tivesse coragem de ouvir meu eu raivoso que quer vomitar frustrações  por meio do impacto e da agressividade; ou talvez meu eu ganancioso decidissse roubar os objetos da sala para vendê-los na esperança de conseguir dinheiro. 


Seja como for, que aprendamos a ouvir nossos eus internos, ou dimensões do eu, para aqueles que preferem a unificação didática. Os menos controversos são os mais pobres porque extirpam partes de si mesmos e se tornam pessoas castradas. O eterno conflito é o caminho mais excelente! 


-Gabriel Meiller

Um jovem idoso mal-humorado

 

"O que está acontecendo comigo?" penso eu, enquanto ando de bicicleta na rua, cercado de businas de carros, ruídos diversos, latidos de cachorros e de toda maldita despaisagem urbana acompanhada de pitadas de poluição visual e sonora.  


Essa descrição mal humorada e revoltada demonstra o que tenho me tornado ultimamente com o passar do tempo: um jovem idoso ranzinza e cansado de poluições. Eu não sei sobre os demais, mas acredito que minha meia idade tenha chegado antes da hora. "Será o estresse de uma rotina corrida de dois empregos? Será o estresse de um relacionamento amoroso que me dá dor de cabeça pela volatilidade emocional daquela fi..... que me deixa inseguro? " penso com meu botões, não ligando muito para o grande desserviço urbano que me assola ao redor. 


"Talvez..." penso em voz alta comigo mesmo, sem ligar para o fato de que o magnífico ato de falar sozinho pode parecer estranho aos transeuntes desgraçados que estão presos na mesma gaiolinha da rotina pós-industrial que também me encontro.


"Mas esses acontecimentos podem ser apenas uma amplificação do que eu já sentia há muito tempo..." me surpreende de sopetão essa constatação, advinda do subsolo da mente!  


"É verdade..." expresso verbalmente em um tom um pouco mais alto do que o anterior. E então volto a me enfiar em reflexões mais profundas que me ajudem a fugir dos barulhos ruidosos cotidianos de uma sociedade desastrosa. 


É isto, senhores: meu mau humor é uma expressão de descontentamento maior para com a vida, mais específicamente com a sociedade que nos tornamos. Estamos presos em rotinas de Sísifo e em poluições sonoras, visuais e atmosféricas. O conceito de poluição ambiental envolve essas três esferas e possuem a mesma origem: o delírio industrial do homem. Bem... talvez não o delírio em si, pois eu me beneficio dessa balburdiazinha nojenta quando me convém; não posso ser tão hipócrita assim. Mas os excessos de delírio do homem industrial é o que nos adoece! As rotinas absurdas de horas de trabalho para a tentativa de uma qualidade mediana de vida; o motor ensurdecedor de carros e motos que ultrapassa a quantidade de decibéis recomendada pela OMS; o convívio excessivo com parentes por falta de recursos para moradia; o descruzamento de rotinas e a falta de senso comunitário de muitos... tudo isso contribui para com o excesso de delírio do homem pós-moderno. 


E tudo isso está assentado em um grande alicerce: a industrialização e os consequentes golpes que ela realiza na saúde física e psíquica dos homens que (sobre)vivem nessa sociedade. Aonde existem casos de moradores de chácara ou fazenda que vivem sofrendo de crises de ansiedade? As chances são muito menores por conta do isolamento do excesso de estímulos industriais diários. E moradores que se localizam em avenidas movimentadas? Esses podem ter uma ligeira tendência a essas crises de ansiedade. E alunos ou professores que trabalham em escolas cujo alarme parece um sinal de presídio? Esses, como eu, também sofrem a cada começo e fim de aula!


Nossa... perdoem-me a verborragia e o alarido gráfico; é que me sinto bem descarregando de forma silenciosa o que para alguns pode ser uma poluição visual literária.  Chego à conclusão de que talvez eu seja um jovem idoso mesmo. E preciso da solitude e do isolamento geográfico parcial dos meus parentes. Eu sou o velho que quer paz e sossego e por isso preciso pensar em formas paliativas desse isolamento, enquanto não consigo meu canto definitivo de solitude. Por ora, fones e isoladores de ruído são a minha desesperada saída, junto com momentos em que me isolo na garagem, pescando momentos de silêncio absoluto e meditação. 


Sou aquele profeta apocalíptico do silêncio, que se indigna com mentes imprudentes que quebram o bendito silêncio na sala de refeição dos escritórios. Daqueles malditos que não sabem ficar em silêncio consigo mesmos e precisam vomitar tudo o que pensam e sentem de forma descabida. Das pessoas sem noção que colocam música externa no escritório de ambiente de trabalho... pior: que ficam vendo vídeos com áudio externo de trechos de pregação e ainda acham ruim quando eu viro com uma cara de desacreditado procurando a origem de tal "barulho sacro". Isso já é o cúmulo! Por isso eu desvio os olhares quando cruzo com algum colega de trabalho que sei que no momento que seus olhos fizerem contato visual com os meus... isso o fará achar que tem o direito de vomitar alguma cotidianidade em meus ouvidos nada dispostos a ouvir esses murmúrios quebradores de silêncio. 


Minha máxima, então, é esta: escrevam-me! Não me mandem áudios... escuto melhor com os olhos! 


-Gabriel Meiller

terça-feira, 26 de setembro de 2023

A razão como hipóstase e os suspiros do cristianismo platônico por meio do "Penso, logo existo"

 


Após o último texto em que escrevi sobre a subordinação da razão aos instintos, alguns membros fizeram boas observações que questionam sobre o problema das emoções e dos instintos como se eles fossem responsáveis pela brutalidade da sociedade. Além disso, pintaram e santificaram a nossa razão como se ela fosse o eixo para a nossa sociedade progredir e a ponte para nos trazer o controle sobre os instintos que foram adjetivados (não disseram isso diretamente, mas mostraram uma linha cartesiana de pensamento que quer dizer isso no fundo) como ruins, maus e responsáveis pela desordem na sociedade! 


Pois bem, esses membros mais kantianos em sua cosmovisão de mundo enxergam a meia verdade da razão e por isso a santificam! Mas a bem da verdade este é o grande problema: razão e emoção foram transformadas em hipóstases em meu texto,  ou seja, não existem de fato na realidade! É apenas uma ficção didática para que eu falasse que: dentro do complexo jogo das faculdades humanas, um aspecto dessas faculdades foi santificado, isto é, separado no imaginário humano há muito tempo e mais valorizado em detrimento de outros (aqueles que rotulamos de instintos, emoções, sentimentos, etc). 


Então, quando estamos a ponto de esfaquear alguém na rua (seja lá qual for o motivo), podemos dizer que é a razão que nos impede de tal ato? Duvido muito, senhores! O que nos impede de fazer tal barbaridade (ou às vezes não impede, como vemos nos noticiários) são as faculdades instintivas, muito mais do que a faculdade da razão! É o medo de ser preso, de matar alguém, de perder o controle; é este medo que nos impede de fazer tal barbaridade!  Entretanto, em outros indivíduos o medo de matar é sobreposto pelo ódio e pela vontade de aniquilar a vítima. Quando o ódio vence o medo, ocorre alguma agressão; e possivelmente o agressor se arrependerá depois (ou não). 


Aonde está a razão nesses momentos? A razão está diluída nesse turbilhão conflituoso de faculdades, pois no momento todas as faculdades estão em um eterno emaranhado conflituoso. E se fôssemos brincar de priorizar qual faculdade teve papel decisivo em impedir um assassinato, eu digo que o instinto teve esse papel e a razão somente o acompanhou com justificativas que corroborassem tal decisão prévia dos sentimentos, emoções e luta interna entre eles. 


O problema, senhores, é que somos covardes demais para admitir que: usamos a razão somente quando ela nos convém. Ela não é, de forma nenhuma, tão benfazeja quanto idealizamos. Quando alguém não tem coragem de bater de frente com o chefe, pai, pastor, esposa... usa "a razão" como pretexto para evitar o conflito, ou seja, para mentir para si mesmo e dizer que só não fez "isso ou aquilo" porque é civilizado. Mendaz! Só não fez "isso ou aquilo" porque é covarde, porque o medo venceu!  E então disse a si e aos outros: "Devemos ser racionais e deixar as emoções de lado!" 


Ora... que covardia sigilosa é essa, senhores kantianos? Até os dominicalistas reconheceriam que isso foi trapaça!  Sejam honestos: o medo do conflito congelou vocês e os tolheu de um conflito que poderia ser proveitoso. Então não me venham com essa... essa desculpinha furada!... esse papo furado pseudointelectual de que a razão nos impede do caos e de que, ainda por cima, essa beata é o progresso da civilização. Afinal de contas: a razão não existe! Ela é uma hipóstase! A realidade em si é um emaranhado inseparável de faculdades. A razão, então, é um platonismo cristianizado que vigorou no Ocidente como uma das mais populares hipóstases! Enquanto essa ideia de razão per se existir em nossa imaginação, o cristianismo continuará a dar seus suspiros em nossa quase laicidade... mesmo que Deus já esteja morto! 


-Gabriel Meiller

A razão como lacaia das emoções e dos sentidos

 

"Penso, logo existo" virou o sintoma da nossa racionalidade excessiva, isto é, do nosso racionalismo alienante. Embora tenhamos uma vasta literatura que comprove como sintoma ou como denúncia do racionalismo que acometeu a sociedade como um todo, não precisamos sempre nos refugiar nos livros, senhores; talvez o refúgio seja ainda mais sintomático para essa constatação anterior. 


Muitas vezes a busca da racionalização dos sentimentos é um convite para o enterramento deles. Costumamos ser coachings que fazem palestras sobre como arrumar nosso quarto, como limpar o lençol da cama e passar pano no chão; gritamos e nos exultamos em toda a explanação desse "como" procedimental. E quando chega a hora da práxis, ou seja, de realmente arrumar o quarto... nos imbecilizamos de mais teoria, e mais teoria, e... ainda mais teoria! 


Como fugir deste looping redundante? Saindo da faculdade eleita como o carro chefe existencial pelo Ocidente: da razão. Sair da razão no sentido de não colocá-la como superior aos demais processos que, na realidade, trabalham unificados. É preciso desfazer a abstração e a separação que nós mesmos fizemos: razão x emoção. Em verdade podemos dizer que nunca separamos  a razão (ou por que não: razões?) das emoções, pois ela sempre foi uma subordinada, uma lacaia das emoções e dos nossos instintos. A razão, na verdade, está subordinada aos nossos sentidos. Pensamos e intuímos algo lá no fundo da consciência, isto é, nas partes inconscientes. E então a razão, essa parte recente em nossa anatomia cerebral, se encarrega de dar lógica ao que sentimos para que coloquemos isso na sociedade. 


Queremos exercer domínio sobre alguém o tempo todo ou quase sempre. Então, usamos da razão das lógicas dos papéis sociais para isso: "sou seu chefe... sua mãe... seu marido... seu pai... seu professor... " e por aí vai o discurso legitimador. Mas o que está por trás dessas justificativas racionais? O desejo de exercer poder e influência sobre o outro. Se o formalismo dos papéis não for oportuno... então apelamos para o suborno! E se o suborno, por um acaso, não for suficiente... ah! Então usamos da violência acompanhada dos sentimentos e emoções mais primitivas. 


Então concluimos que a razão é um fetiche do Ocidente, mas na verdade ela é uma lacaia dos nossos instintos e emoções conflitantes. Vestimos a máscara de racionais, mas por trás dela existe toda a irracionalidade que Freud, Nietzsche  e muitos outros filósofos exploraram anteriormente. "Ah... o homem da razão; a razão do homem!" Nunca vimos discurso tão mentirosamente convincente e tão armadilhesco. Esse discurso faz o homem pensar que é sensato; não há nada mais medíocre e mesquinho do que um homem se ver como sensato, nada mais deveras perigoso do que um primata cabeçudo cheio de moral desfilando por aí. Que ao menos esse primata cabeçudo saiba que não é lá flor que se cheire, que dentro dele há emoções e razões que vão para além do bem e do mal, derradeiramente distante de tudo que há de "mais belo e sublime!". 


-Gabriel Meiller

quinta-feira, 21 de setembro de 2023

O identitarismo primitivo



Imaginemos, senhores, que os demais seres vivos consigam se comunicar de forma sutil e instintiva. Por intuição que transcende palavras e gestos... algum tipo de comunicação inconsciente que está clarificada no espírito, no centro vital do entendimento de cada criatura e de cada ser senciente. As plantas, como alguns já sabem, nutrem uma comunicação sutil entre elas através de suas raízes. Mas continuemos em nossa abstraçãozinha que pode ser útil para nosso fetiche filosófico que é uma ilusão sedutora tentando derrubar outras demais ilusões. E desta vez a ilusão a ser derrubada por esse meu fetichezinho ilusório (que de vez em quando eu acredito ser real, senhores), desta vez a ilusão a ser demolida se chama identitarismo primitivo. 


Então voltemos ao nosso ponto no qual desejo fazer uma arruaçazinha e caçoar um pouco, semelhante a uma criança ingênua que finge saber da vida. A questão é a seguinte, senhores: o ser humano é ridículo! Um ser imbecil que vive amontoado em um monte de crenças estúpidas acerca do que nunca jamais entendeu. Sim, senhores! Esta é a mais pura realidade petrificante e gelante da vida: o homem é um mentiroso! Mais do que isso e ainda pior, senhores e senhoras: o homem é um automentiroso, isto é, um sabotador inconsciente e, às vezes, autoconsciente! Acreditem em minha lucidez na qual alguns, seres automentirosos, acusam ser loucura; acreditem no que Lacan nos induziu a ver: o louco é quem está mais perto do Real; o Real é o epicentro da Realidade, do mundo nu e cru tal como... ah! Quem ainda está lendo essas ponderações de um teórico que está sendo, também, induzido por fantasiazinhas? Ele é mais um que está criando uma identidade para a humanidade: a identidade de que não existe loucura e sanidade em si mesmas. Mas acredito que essa fantasia dele talvez seja verdade! Talvez endosse o meu fetiche filosófico e por isso seja sensato!  Então voltemos de forma mais pragmática, senhores; e me perdoem, tenham paciência para com o que quero falar e tentarei ser breve dentro do meu surto de prolixidade literária! 


A questão é que desde o momento em que a humanidade se conheceu como gente, ela acredita nessa mentira: a de que ela é diferente. A mentira de que ela tem uma identidade! O começo sórdido dessa ilusão, dessa autocontação de história ingênua... começou pela linguagem mítica, propagada pelas crenças religiosas. O homo identitus, aquele que precisava se enxergar por meio da essência de algo, começou uma revolução efetuada graças à consciência amplificada e que mudou os rumos de todos os demais seres vivos. Então... a percepção induzida de que este caos tem um sentido, de que seu início se deu por outra consciência amplificada; de que há muito mais além de viver pelo instinto e pela atenção ao momento presente e de que nossas brincadeiras existenciais possuem um propósito... toda essa ilusão seduzente, incluindo a percepção de que somos os comunicadores por excelência, de que somos aqueles que controlam os rumos do planeta que nos gerou por eras... toda essa pataquada patife se tornou um credo inquestionável! Então os demais animais e seres sencientes, como eu vinha dizendo no começo... todos eles se comunicaram ao decorrer dos anos evolutivos acerca do homo sapiens e sua traição aos demais!  


O que eles emanaram em suas comunicações? Eles caçoaram de nós, senhores! Fizeram uma reunião movida a tiração de sarro misturada com sarcasmo negro e indignado. A pauta desse furdunço todo? A abstração humana, a criação de essências identitárias, a teleologia como ordenadora do mundo, as crenças mágicas e a terrível mania antropocêntrica que é movida pela nossa projeção em tudo e em todos. Lógicamente as emanações sutis dos seres não foram expressadas dessa forma, mas como impressões borradas típicas de suas consciências obscuras e estruturalmente diferentes de nossa organização mental. Estes seres sabem, senhores, ou melhor: desconfiam dessa noção maníaca e neurótica de contarmos histórias para nós mesmos. O que é o identitarismo? Não é o mais óbvio que emerge na contemporaneidade e possui pautas de esquerda! Este é apenas um sintoma de uma outra fantasia muito mais antiga: o identitarismo começou nos primórdios da humanidade, quando começamos essa engenhosa mania de contar histórias a nós mesmos por meio de nossas crenças, da abstração e da fuga do presente. 


Somos filhos de Deus? Somos bons ou maus? Ah... quem sabe, então, somos ateus? Bem... tudo isso é de uma espécie de bobaaaaaagem tremenda. "Já sei", falo a mim mesmo: "somos sensatos!", e caio então em outra bobagem, em outro jogo mental de bobagens e adjetivações. Adjetivar é uma bobagem, senhores! É tanta bobagem que eu mesmo cometo várias e frequentemente acredito no que falo. Por isso me previnam de minha doença pitoresca, me livrem de ser mais bobo do que sou! Falem: "tudo isso é uma grande bobagem, senhor!" e confirmem, assim, a minha bobagem! He he he he he... Perdoem-me os paroxismos de loucura... desconfio e emano frequentemente que esses paroxismos e essa minha irracionalidadezinha é mais decente do que vossas identidades metafísicas, do que vossa crença fiel ao livro do Ocidente. Vejam: quanto mais fixo o pensamento sobre o mundo, mais mentiroso ele é! Quanto mais sensato somos, mais idiotas estamos sendo! Pessoas de uma opinião só são as mais imbecis! São aqueles que querem construir um castelinho de vidro aonde batem as ondas do mar.  Mas... isso já fica para uma outra oportunidade, senhores!


Bem... até mais!  Se forem me procurar... estarei na reunião junto com os seres sencientes, traindo a nossa espécie e as bobagens dela que eu mesmo cometo! 


-Gabriel Meiller

domingo, 17 de setembro de 2023

O poeta das mil faces: quando Lila (o brincar criativo divino) é a única saída

 


Quem somos nós? De onde viemos e para onde vamos? A maior parte dos questionamentos humanos e das identidades humanas giram em torno dessas perguntas fundamentais. Viraram perguntas batidas e cafonas para muitos, embora todos saibam sua importância.  


E então nós navegamos em resposta a essas perguntas e às variações delas. Muito bem, senhores: eu já naveguei pelos sete mares em busca das melhores respostas a essas perguntas e a conclusão que eu, um jovem adulto de 27 anos, cheguei é esta: a vida é Lila! "Lila" é um conceito oriental e hinduísta que diz que nosso mundo é uma criação dos deuses, isto é, um brincar criativo dos deuses. Não somente isto, mas estendido a nós: esse conceito diz que a vida é uma grande brincadeira na qual somos atores e atrizes! É a vida como despretensão, isto é, sem uma finalidade única e eterna como as vertentes ocidentais cristãs enxergam. 


Esse é o princípio e a filosofia que direciona minha vida, senhores! É a minha visão para a vida: de que ela é o que nós quisermos que seja. Não há um sentido, por isso damos sentido da nossa forma e ao nosso jeito. Isso é um chute que quebra qualquer cabresto metafísico  que engessa as personalidades que necessitam de "um eixo" na vida. Esses perfis psicológicos que precisam de um eixo e têm suas razões para aceitarem as religiões escriturísticas e os imperativos categóricos. Mas saibam que à primeira ressaca: esse gesso irá se estilhaçar e o sofrimento será terrível; porque a vida é mar bravio e os deques de eixos metafísicos são constantemente quebrados. 


Mas àqueles que se cansaram de procurar um eixo rígido, engessado, um "porto seguro" e estático... digo-lhes que podem procurar um novo "eixo" que na verdade seria um eterno navegar, um eterno vagar! Lembro nitidamente de um membro que comentou em um de meus textos que "eu estava à deriva!". E, de fato, eu estava à deriva na vida e desconstruindo conceitos cristãos dos meus 20 anos (e ainda estou). Eu estava me sentindo perdido e à deriva por estar passando por várias mudanças pessoais e não somente mudanças teóricas e morais. Aquele comentário me fez refletir e achar, ingenuamente, que eu tinha que achar um eixo na vida. Um eixo? Pois bem, meu eixo foi a constante navegação na vida, a constante deriva! 


E essa deriva foi suportada teóricamente por noções nietzschianas de destruição das noções metafísicas de "eixo", de "certo" e de "errado". O errante para a moral cristã é aquele que não achou um caminho, não encontrou um certo! É aquele que anda à deriva por vários caminhos, este é o errante: o que anda no erro, ou melhor, nos erros! Essa origem etimológica da palavra "errado" já demonstra que a moral cristã metafísica precisa acreditar em um eixo, e que o eixo, o estável, é o certo!  O outro suporte teórico foi justamente a noção de Lila, da vida despretensiosa e sem nenhum sentido coletivo metafísico. 


Desta forma, posso ser o poeta das mil faces, como representa Fernando Pessoa! Alguém que coloca diferentes máscaras sociais de acordo com a situação. Este é o meu sentido: brincar de diferentes formas e com os mais variados atores e atrizes. Esse enriquecimento da vida, este culto aos sentidos e à diversidade... este eterno brincar é o meu caminho, a minha verdade e a minha vida.  Eu considero  humildemente que minha experiência de vida é madura se comparada com de muitos da minha idade. Considero também que nem todos conseguiriam viver dessa forma e precisam se apegar a alguns ideais estáticos e metafísicos. E muitos dos que lêem meus textos acham estranho o fato de eu não ter "um eixo" e podem me rotular como louco. Pois bem:"o louco" é o arquetipo de quem não possui eixos! O louco é aquele que vaga sem nenhum destino. Então, estão certos: este é o caminho da loucura, do peregrino sem destino  final, do viajante que ama a experiência do caminho e não o destino em si.


Então continuemos, amigos! E enquanto uns caminham à Terra Prometida sob o canto "Castelo forte é o nosso Deus...", outros cantam " a vida é despretensão e somos poetas de mil faces..." sem nenhum rumo a não ser o que suas vontades decidirem espontaneamente! 


-Gabriel Meiller

quarta-feira, 13 de setembro de 2023

Crítica ao meu antigo Eu metafísico e um diálogo interno com meu relativismo

 


Rolando a barra do meu blog e relendo textos da época metafísica eu percebo que fiz uma evolução no pensamento: enquanto cristão eu já desconstruía o fundamentalismo religioso que antes eu abraçava. No auge da minha fase cristã, eu já aderia à moda crescente, como muitos cristãos aqui, de enxergar a Bíblia por meio de Jesus Cristo (como Deus encarnado) e deixar de fora todas as partes consideradas "ultrapassadas" e desarmônicas com os evangelhos. "É mesmo?" Converso sozinho comigo mesmo e zombo desse eu ingênuo. E complemento: "E não pôde enxergar a contradição também nos quatro evangelhos  e na construção do seu amado Jesus?" 


O fato é que os próprios evangelhos, embora sejam tidos pelos cristãos descolados como suprassumo da revelação, também possuem contradições que os olhares hermenêuticos dos cristãos não estão destreinados para enxergar. O treino da hermenêutica cristã é o treino da harmonização bíblica! O olhar de um cristão é treinado para ler os 4 evangelhos, que possuem informações contraditórias, e sintetizar essas 4 versões em uma e dizer: "São singularidades de cada autor, mas a revelação é a mesma!" 


Ora, no destreinamento hermenêutico para enxergar a Bíblia como uma miscelânia de diferentes crenças, percebe -se que há muitas divergências na qual cada autor enxerga Jesus, na qual descrevem seus feitos, e na qual descrevem seu sepultamento e sua ressurreição. Mas o olhar cristão não se incomoda e racionaliza: o que importa é que todos dizem a mesma mensagem: Jesus foi batizado, morreu e ressuscitou! Oh, simplórios! Quanta necessidade de crença. Então, muito bem: necessidade de crença não se refuta! Só outra necessidade de crença elimina a anterior e nenhuma sistematização de refutações fará algum fiel mudar de ideia.


E por que eu mudei? Ah, porque a religião já não representava quase nada para mim. Porque o Jesus descolado, o nazareno loko da revolução, já não simbolizava nada além de uma construção engenhosa. O relativismo me inundou e transbordou em mim antes mesmo de ter contato com Nietzsche. A história me alertou e foi minha conselheira: "quantas religiões temos no mundo, Gabriel? " E eu respondi: "Tantas quanto possamos imaginar e criar!" E ela prosseguiu de forma aguda e quase perversa: "Então, o que te fez cristão: nascer em uma família cristã ou numa cultura cristã? Pelo menos as probabilidades de você ser da religião vigente são altas, não é mesmo? Se você nascesse em um país árabe, provavelmente flertaria com o Islã!"


Então eu meneei suavemente a cabeça, engolindo essa "nova iluminação" em um misto de emoções. Era eu contra eu mesmo! O Gabriel metafísico, versus o Gabriel relativista e científico: aquele que descobrira que, sim, viemos de um ancestral em comum com os macacos; aquele que descobrira que o Gênesis é uma alegoria; aquele que descobrira que Jesus Cristo como deus encarnado foi um construção em cima da figura histórica de um nazareno; aquele que tirou o último alicerce de sua fé metafísica: Jesus Cristo como carro chefe do cristianismo descolado, do cristianismo que aprendi com Caio Fábio D'Araújo Filho. Foi um momento de total rompimento, inclusive com o pessoal do Caminho da Graça, que seguia esse Jesus de Nazaré descolado. Não rompi por querer, afinal, eu ainda frequentava aquele ambiente sem crer em Jesus Cristo; apenas frequentava movido pelos laços humanos!  Mas então veio a pandemia e tudo o que já estava naturalmente se desfazendo... acabou-se por desfazer-se.  


A morte do mito, a morte da fé; o que isso trouxe em mim senão um luto sufocado? Um luto reprimido e mal sentido? Freud já postulou que " As emoções não expressadas jamais morrem. Elas são enterradas vivas e voltarão mais tarde, mais feias."  Percebo isso com mais clareza hoje. Uma identidade de 20 anos morreu, isto é fato! Ainda hoje tento sepultá-la, mas ela ainda está viva de outras formas. 


"E quem eu sou agora?" Me pergunto hoje. "Um cínico!" Respondo a mim mesmo. O cinismo surgiu do total desprezo dos filósofos pelos bens materiais; a eles interessava pregar com a moral sua forma de pensar. Mas o meu cinismo não despreza os bens materiais: ele despreza a suposta verdade! Qualquer afirmação  que digam: "Vejam, eu achei a verdade, ela está aqui!" Eu direi: "Olha só  querido... não querendo estragar seu entusiasmo, mas..." E lá vou eu jogar baldes de água fria, pontuando outras visões contraditórias dessa suposta verdade. 


Este é o meu cinismo: o desprezo pela verdade!  A constatação de que boa parte do que afirmamos ser verdade, é apenas interpretação do olhar humano e restrição nesse pressuposto. "Que cara mais mau humorado...", critico a mim mesmo; e complemento: "Deixe as pessoas seguirem seu caminho provisório, deixe elas formarem sínteses sobre o que precisam; seja despretensioso! Não seja um destruidor de convicções, deixe elas mesmas destruírem se e quando quiserem." 


Então perdoem-me, senhores! Perdoem-me pelo relativismo selvagem e pelo cinismo à verdade. Quem vos fala é um guerrilheiro bruto que precisa relaxar diante de tantas verdades e nenhuma certeza. 


-Gabriel Meiller

terça-feira, 12 de setembro de 2023

A melhor crítica nietzschiana: a crítica antropológica a Deus.

 




Que todos sabem que Nietzsche é o crítico mais voraz que ruge com seu martelo a respeito da moral cristã absoluta, isso é um fato dado e obsoleto. Mas por que o "Deus está morto" gerou todo esse rebuliço a ponto de terminar de supultar (pois o iluminismo já tinha começado essa árdua tarefa) o aguilhão da agudez (pois a religião cristã por meio da moral ainda deixa suas marcas no Estado) da religião no Estado?


O "Deus está morto" foi profundo e pragmático. Não foi uma afirmação no sentido: "A entidade existente chamada Deus está morta." como se ela tivesse existido e então morreu; Nietzsche estava falando do Deus cristão na mente humana. Era uma afirmação da interpretação do Deus cristão. Nietzsche confessou em Ecce Homo que seu ateísmo instintivo não o fazia perder tempo com a entidade Deus; visto que provar a inexistência de um Deus soa como provar a inexistência de um dragão invisível na minha garagem que é imune a qualquer aparelho de detecção de alguma vibração ou temperatura, como exemplificou Carl Sagan. 


Então, se o Deus ontológico era perda de tempo para Nietzsche, o Deus antropomorfizado, ou melhor, o Deus antropológico construído pela mente humana, esse sim deveria ser analisado e constatado como morto! Por que? Porque de fato  o mataram!  Pelo iluminismo, pelo afastamento da igreja católica e sua interferência no poder temporal do Ocidente; pela constante laicização e a possibilidade de outros valores que não fossem cristãos. Matar Deus, então, significa mudar a concepção moral do Deus ontológico e  consecutivamente da moral!


Mas Nietzsche visava a crítica do Deus antropológico para ir mais fundo ainda. Ah, essa topeira persistente e imparável; esse rapazote de visão aguçada que sente o faro da privação aos sentidos do corpo: que sente o faro do platonismo adaptado ao cristianismo! 


Nietzsche enxergou em Eurípedes o começo da maior tragédia de todas: a tragédia do privilégio do que não se vê em detrimento do que se vê! Parece familiar aos senhores esta estratagema? Sim, está em vosso livro sagrado: 


"Assim, fixamos os olhos, não naquilo que se vê, mas no que não se vê, pois o que se vê é transitório, mas o que não se vê é eterno." - 2 Coríntios 4:18.


Essa foi a tendência que começou a entrar em ascensão no Ocidente: uma revolta contra aquilo que se vê, a saber: o corpo! E uma idolatria para com tudo aquilo que não se vê, a saber: a mente, alma e a razão como juiz máximo de todas as demais faculdades submetidas a este novo juiz. Ou se quiserem nos termos de Nietzsche: o domínio do apolíneo sob o dionisíaco! 


O centro de toda crítica nietzschiana, ou seja, sua guerra de morte: foi travada contra o desequilíbrio da valoração expressa na máxima do platonismo: a superioridade da mente em detrimento da inferioridade e transitoriedade dos sentidos! A razão, pela narrativa nietzschiana, passou a dominar sob os sentidos em escala de importância e então o cristianismo foi fundamentado sob essa valoração platônica que considerava o pecado/transitório como produto das vontades da carne. E o combate ao pecado, como combate à carne!  A grande questão é que o pecado foi a interpretação cristã do que seria o "engano" para o platonismo, do que seria a cópia barata do mundo das ideias em comparação com o mundo das essências. Para Nietzsche essa concepção platônica foi o delírio que pegou e fez de todos lunáticos que cultuavam uma vida imaginária em detrimento  desta vida. O que é isso senão ódio à vida? O que ainda é isso senão niilismo?!! 


Desta forma, por que criticar o Deus ontológico? Chutar cachorro morto não leva ninguém a nada; tentar expulsar um dragão invisível da garagem é perda de tempo. Deixemos os meninos descolados, os metafísicos refinados se divertirem com seus dragões imaginários na garagem, que mal isso faz a alguém? Mas o Deus cristão histórico e antropológico que dá margem para a condenação da carne e dos instintos... esse deve ser alertado a todos, para que saiam da emboscada mortal de autossabotagem! 


-Gabriel Meiller

domingo, 3 de setembro de 2023

Deus me revelou que Ele não existe (e nem é)

 


Somos seres de sentido e carecemos de lógica. Mas uma síndrome silenciosa e típica de quem estuda demasiado e em diversas áreas é a "síndrome de corrosão da lógica". Essa síndrome assola àqueles que começam a fazer autorreflexões, isto é, uma crítica a sua linha epistemológica de pensamento, além da crítica de outras linhas epistemológicas, ou seja, a crítica da verdade. 


O título do texto é contraditório e um absurdo e ele é o ponto máximo da minha intuição sobre o que é a existência: uma contradição que não cabe  em nossa visão de mundo. Certa vez, um homem de tanto procurar a verdade encontrou o absurdo: Deus apareceu a ele e revelou que o universo surgiu do nada por meio do Big Bang. Foi-lhe revelado que o Big Bang surgiu do nada absoluto, isto é, as partículas fervilharam do caldo do nada e antes disso nada existia! 


Deus ainda lhe explicou que a ideia da autoexistência de Deus foi uma recorrência da teleologia humana que precisa de um começo, meio e fim, bem como de um criador com consciência cósmica e que tenha noção do  bem e do mal! 


Ao receber essa revelação de Deus, o homem saiu pela rua e pelas igrejas pregando esta nova palavra: "Deus me revelou que ele não existe, Deus não existe!" Então um pastor protestante versado em filosofia lhe disse: "Tens razão, meu filho! Ele não existe, ele é, pois ele está além da existência."  


O homem que recebeu essa revelação ficou indignado pois não era essa a mensagem que ele queria introduzir. O pastor usou a teleologia para obscurecer a verdade: de que a verdade não existia no universo e de que o próprio universo surgiu do nada. E que Deus lhe revelou essa verdade!  Então ele voltou a falar: "Não, caro pastor! Deus não existe e nem é! Deus é uma invenção humana antropomorfizada, mas Ele me revelou isso para que a humanidade passe a crer nestas palavras!" 


A igreja, os ouvintes das praças e das avenidas o taxaram de louco! Um esquizofrênico ou um bufão zombeteiro que fala por paradoxos. E então, depois de tanta importunação o homem se pôs a gargalhar e dizer: "Sim... eu sou louco! Sou louco como todos os senhores! Pois lá no fundo, todos vocês fazem o mesmo: os ateus dizem que o universo surgiu do nada e que Deus é apenas mito! E os teístas dizem que Deus sempre existiu! Aonde isto faz sentido a algum de vocês se formos levar a razão até seus limites? É irracional à mente humana o conceito de autoexistência de um ser; e também irracional à mente humana o conceito de algo surgir do nada. Quem tem mais fé para sustentar sua tese e construir as demais a partir desses pressupostos? Ambos de vocês possuem uma convicção em um princípio irracional que é racionalizado para que vossas crenças sobrevivam. E eu não posso também falar um absurdo destes? É tão mais provável deus me revelar sua inexistência assim como o é para vocês o mundo surgir do nada e Deus autoexistir. Todos carecemos de razão, senhores; todos devemos ignorar a falta de sentido lógico da existência..."


O homem silenciou a todos! E depois de um longo e demorado silêncio... se pôs novamente a gritar: DEUS ME REVELOU QUE ELE NÃO EXISTE, ACREDITEM! A RAZÃO ESTÁ MORTA, A RAZÃO ESTÁ MORTA!  AGORA SÓ NOS RESTA A VIDA EM DESPRETENSÃO! 


E assim como o badalar dos sinos às 18:00 da tarde, o profeta da contradição e da morte da razão passava pelas ruas gritando e anunciando a morte da razão e, consecutivamente, a morte da verdade! 


Qual o resumo dessa história? Não acreditamos na verdade; acreditamos no que temos necessidade de crer! Acreditamos no que nos faz bem, no que nos faz sentido; a maior mentira é que acreditamos na verdade: só acreditamos na nossa verdade, então criamos a verdade à nossa imagem e semelhança. 


-Gabriel Meiller

sábado, 2 de setembro de 2023

A grande dissolução do ego: um mergulho em mares profundos

 




Já morri diversas vezes, senhores. Já não sou mais eu desde que aceitei a manifestação da contradição neste campo de batalha biopsíquico que vos fala! 


Quem é o meu Eu? Um apanhado de vontades, pensamentos e sentimentos que se alternam em todo o tempo. Não há dualidade, há decalidades! 


Eis o meu submarino para águas profundas: a aceitação das contradições que habitam em mim e na humanidade. Minha filosofia é para aqueles que suportam a descida ao profundo abismo do Oceano, mais afastado do que a calamidade do Titanic onde a pressão é esmagadora àqueles que ainda possuem ideais metafísicos absolutos.


Os ideais metafísicos não são o problema; o problema é a seriedade com que os manuseamos. Somos demasiado pretensiosos, demasiado sérios! Precisamos da despretensão, meus caros! Gravem esta palavra chave: des-pre-ten-são!


Ela é a chave para a vida em abundância: se desprender de uma visão no momento adequado; não ter uma pretensão a todos os momentos; uma pré-tensão significa uma tensão desnecessária; não pretender nada é necessário para que a criatividade surja e a pretensão se aplique quando os novos objetivos forem necessários; novos objetivos que só aparecem quando não há uma pré-tensão, um objetivo totalitário e universalizante barrando todas as possibilidades de ser que aparecem com a maré das incertezas e da impermanência. 


A despretensão é uma constante dissolução do ego; não devemos nos enxergar com uma essência, não! Nossa única essência é a não-essência, a inconstância, ou melhor: a impermanência. 


Nosso velho Heráclito estava corretíssimo sobre nós e sobre os rios, porque ele estava falando de uma coisa só: tudo é feito da mesma submatéria! Dos átomos que são uma espécie de energia, de oscilação (im)permanente. A luta começa entre a interação das menores partes da matéria que neste conflito fundam os alicerces de todo o mundo: o mundo como conflito eterno de forças que começam desde a mecânica quântica até as maiores partes da matéria. 


Se há conflito em tudo, em nós também ele está presente nas mais diversas dimensões e áreas: pois somos parte do universo e abrigamos em nós bilhões de bactérias, milhões de células e milhares de interações entre as desigualdades que nos formam em um organismo que possui uma diferente e intrigante consciência de si mesmo e de seu funcionamento. 


Somos, então, seres da contradição e devemos aceitá-la. Aceitar a contradição significa aceitar todas as partes de si! Significa dizer um sagrado "sim" ao mundo! Mas quem não ama o mundo, diz que ama as coisas de Deus. Filhinhos, aprendam de uma vez: quem alega amar a Deus, nunca poderá amar ao mundo, pois as coisas do mundo significam o eterno conflito de forças. Os que amam a Deus morreram para esse conflito e preferem o nada. Essa é a essência da metafísica: a morte e aniquilação de partes de si mesmo pela não movimentação da vida. Essa morte ocorre justamente pela estatização. Metafísica= estatização. Estatização= ausência de conflitos existenciais das forças que estão em nós e no mundo. 


Os metafísicos fiéis não aceitam sua natureza e por isso recorrem a outra; mas quem sabe relativizar até a metafísica, este se livra dela sem precisar negá-la por completo e por falta de uma longa e prolongada reflexão constante sobre suas estruturas de dominação (Nem todos conseguem essa metódica proeza de desmantelamento).


Mas esta é a vitória que vence a metafísica: a despretensão e o ouvir aos instintos! Filhinhos: não deixem que a vontade de verdade reine sobre vós: ela é como um homem conservador que trilha caminhos tortuosos: ele finge estar satisfeito com sua mulher, mas na calada da madrugada sai para procurar as transexuais e os garotos de programa e dar a eles suas partes de trás. 


A vontade de verdade é o negar de si mesmo em nome da pretensão e de uma busca imaginária que nega a vida e se contenta com a morte por esta ser o prêmio que leva à suposta vida eterna. Em verdade, em verdade vos digo: a vida eterna é esta a quem vós negais, óh filhos da Bíblia e do ascetismo de todas as religiões que negam este mundo em prol de uma esperança de vida eterna.


-Gabriel Meiller

sexta-feira, 1 de setembro de 2023

Existência precede a essência

 

 


Ficou claro aue o homem é o animal rebelde? Então posso me ir embora...


Não... restam os dominicalistas e os que conhecem esse conceito apenas na mente, mas não na vida! Então resta-me berrar às pedras e ser taxado de louco, resta-me ser o bufão belicoso. 


Para a metafísica o homem é definido pelos deuses e pelo deus cristão: ele é a imagem e semelhança de Deus. Isto significa que ele é racional porque Deus assim o quis. 


Para o existencialismo e o darwinismo o homem é o animal rebelde que sofreu uma mutação e passou a produzir a chamada cultura. Não houve um artífice que desenhou e projetou o homem para ser algo. Dentro da espécie do homem, há varios homens, mulheres e seres não binários. 


No reino social um homem (macho) nasce assim por determinação da biologia; mas pode se tornar mulher trans. Em parte por sua decisão, em parte porque a própria biologia assim o quis por meios fenotípicos; há os nascimentos de hermafroditas, também. O que dizer disto? 


O homem primeiro existe, vive, aprende e depois se define! Depois descobre uma essência bem diferente da essência metafísica. 


Os homens são ambíguos; já presenciei homens casados com mulheres que estavam em aplicativos lgbtqia+, tendo relações sexuais com outros homens no sigilo; e estes são muitos! Já presenciei aqueles que adoram mulheres trans porque querem a figura feminina somada à "surpresinha" que literalmente os atravessam. Ops!!! Perdoem-me a indiscrição, ela faz parte da minha pedagogia filosófica. No Brasil o pornô mais acessado é o pornô trans e um dos lugares onde mais matam e agridem mulheres trans! (Fenômeno social e psicológico de negação da pulsão de excitação sexual por meio da violência). 


Mas, em contrapartida, o homem trans (mulher original que se tornou homem)não possui tanta audiência ou endeusamentos. E por quê?  Porque não possuem falo em meio a uma cultura falocêntrica que liga o pênis ao poder! As mulheres trans são as únicas mulheres que possuem um falo, representando poder e possibilidade de serem ativas e passivas e sem a reprodução sexual de outro ser vivo. Poxa... quanta diversidade. E depois vocês ainda brincam com a preferência do jogador Mbappé? Ele foi inteligente, isso sim! 


O que tudo isso diz? Que somos seres sem essência; não há um homem e mulher e mulher e homem; macho e fêmea como assim quis a tradição e as doutrinas religiosas conservadoras. O homem pode fazer o que bem quiser com seu botão... inclusive praticar a submissão e ser dominado.


Isso nos leva à perspectiva de que somos atores sociais em constante mudança, mesmo quando ainda cismamos em um mesmo papel social. O que é atuar senão definir uma essência? Nossa essência foi construída por outras influências. Um ator como Jim Carrey percebeu isso ao se ver em crise por ir à fundo demais em seus papéis de identidade. Quem era ele se sempre era fácil demais se perder após os seus filmes? Não havia uma essência, haviam papéis que foram aprendidos em casa e no meio social.


Sou mais prático que Sartre por causa do espírito nietszchiano: Não existe essência, ela também é uma invenção! Existe o papel de uma essência por meio da existência! 


-Gabriel Meiller

quarta-feira, 30 de agosto de 2023

"Temo não nos desvencilharmos de Deus enquanto continuarmos a acreditar na gramática." -Nietzsche




"Estou encantado com isto" Estou sob o encanto disto! Encantar vem do latim incantare, isto é, in-cantare, alguém que sofreu de um canto sobre si, que é a prática do encantamento. O encantamente provavelmente tem origem na percepção do poder da palavra, visto que nas mitologias o mundo é criado pela palavra dos deuses. 


"Preciso me animar" 

Preciso colocar alma, ar, sopro... em mim.


Do latim Anima que significa alma, sopro, brisa.


As palavras... Ah, as palavras! Elas carregam mais de mil gerações em si mesmas, são rastros de mentalidade. As palavras são um conjunto de signos interdependentes entre si que revelam o inconsciente da atual humanidade. Esse inconsciente linguístico é prova das nossas crenças e da evolução de nossa consciência (evolução apenas como mudança de forma). 


Não percebem? Somos determinados e estamos presos na linguagem; não podemos ir além dela e filosofar nos limites da linguagem e tentar reconstruí-la. Caso consigamos, isto significa tentar alargar nossa percepção e descrição do mundo. Como disse o Terror dos metafísicos: "Temo não nos desvencilharmos de Deus enquanto continuarmos a acreditar na gramática." O precioso filólogo que enxergou na linguagem verbal e escrita os rastros do instinto de teólogo, da visão essencialista que concebe o eu como ente autônomo das demais faculdades, fez uma constatação impetuosa e típica de filólogo, de todo linguista, aliás. A constatação do quanro somos falados pela lingua e pensados por ela e pelos mitos!


Se o conceito de "unidade" de origem metafísica e pré-filosófica contaminou a filosofia, nos confundimos ao achar que podemos obter o conhecimento da verdade. Pois a verdade deriva da falsa noção de unidade, que deriva de Deus como Essência. Muito mais de XXI séculos, senhores, e ainda cultuamos a deus e à metafísica inconscientemente, por meio da indução ao engano da verdade como unidade! 


Conserva a vontade de verdade... e verás a tragédia epistemológica, a enganação e o erro cartesiano. Novamente: "Temo não nos desvencilharmos de Deus enquanto continuarmos a acreditar na gramática."


Temo não ser compreendido, e não serei; mas como disse o Nazareno em suas fábulas: "Não dêem aos cães o que é santo, nem atireis vossas  pérolas aos porcos!" Então tampouco disperdiçarei meu tempo com estes que ainda são fiéis à gramática e a utilizam para normativizar o pensamento. 


-Gabriel Meiller

segunda-feira, 28 de agosto de 2023

A maquinaria ontológica desgovernada

 





Havia um trem que partia para Canaã antes mesmo dela existir. 


Platão, Aristóteles, bem como os escolásticos, junto com o povo, anseavam pelo seu destino feliz, pelo brilho celeste do paraíso aos humildes de coração. Esses antes mencionados eram os maquinistas que controlavam o trem e muito mais do que isso: a maquinaria! 


Todos os passageiros daquele trem e também daquela máquina frenética movida a esperança de um sentido, entoavam louvores ao período da arché. A cada cântico a arché era modificada gradualmente para Arché, para Aquele cuja  misericórdia do mundo durou mil gerações por meio da Arca! 


Este era o Arché do universo; o Arquiteto fiel do início ao vindouro fim. E todos, exultantes, cantavam em uníssono: "Castelo forte é o nosso Deus. Amparo e fortaleza; com seu poder defende os seus!"


Mais do que breve, esta maquinaria ambulante metafísica parava nas estações e os famintos adentravam em sua glória. Estes vindouros se assentavam e seguiam o coro e cantavam em conjunto: "Castelo forte é o nosso Deus..." e assim o trem ganhava maior notoriedade. 


Entretanto, alguns assaltantes adentraram este trem afim de assaltar sua paz. A quadrilha se dividia em 

Nietzsche, Freud, Marx, Darwin, Feuerbach... entre outros que entravam em diferentes momentos. 


 A cada entrada os indigentes eram lobos infiltrados. Após o fim do coro, berravam e eram espalhafatosos em suas engenhosidades. A cada parada em uma estação eles jogavam um dos santos para fora do trem e mandavam o trem seguir.  


O trem seguia e o coro dos santos era menor até o ponto em que podiam falar sem os ruídos sacerdotais. Enquanto falavam, o trem mudava de caminho, tremia e andava em zigues-zagues. 


Nietzsche pregava a morte da Arché; reverberava: "estamos caindo, estamos caindo no abismo! Entretanto, podemos dançar, podemos sair do percurso "certo" e curtir o despropósito, senhores! "


Freud, dizia: "o maquinário é irracional, senhores. O maquinário carece de sentido e reparos, por isso projeta trilhos imaginários ineficientes." 


"O maquinário é produto da macro-estrutura; o maquinário e os maquinistas são produto das relações comerciais e nossa metafísica é um desfarce para suportarmos o caminho que leva à exploração da mão de obra." disse Marx.


À sua maneira cada um tentou mostrar que o trem trilhava um caminho imaginário, uma trilha que não iria para Canaã. "Quando Canaã irá chegar, senhores? Estamos a quase 100 paradas... e nada!" argumentou Feuerbach. 


"Canaã é uma tentativa de suportar os assentos e o tempo de canções desse  maquinário!", constatou Albert Camus. 


Até que os maquinistas originais foram dispersos, o trem entrou em rebelião e foi esfacelado para que não mais pudesse funcionar. Tudo foi feito a golpes de martelo nas engrenagens do trem para que os passageiros não continuassem aquele pouco conhecido caminho de morte! 


Após um tempo, porém, a procissão que cantava: "Castelo Forte é o nosso Deus..." tomava conta da antiga rota marcada de trilhos enferrujados. Todos seguiam confiantes e retumbantes como uma manada poderosa que corria mais rápida que guepardos! Ninguém os podiam silenciar! 


Ao seguirem pela calada da noite em gloriosos cânticos, ouviu-se um súbito silêncio que se seguiu após um estrondoso ruído derradeiro semelhante a sacos de carne caindo de alturas colossais. Um barulho semelhante a bifes sendo batidos pelo martelo de um açogueiro.


O martelo, entretanto, era o chão: todos caíram no abismo! O abismo era o fim de um enorme planalto disfarçado de campos verdejantes e que culminava na baixa fossa do desconhecido vale de pedras que por todos os lados rodeava a enorme Ilha do Acaso. 


Todos estes assaltantes concluíram o que seus instintos já desconfiavam: a maquinaria não era o trem, mas a ontologia dos mestres da finalidade, daqueles enganadores da vida que, suicidas, adiantavam sua vida aqui em prol da falsa esperança do porvir! 


Este canto da sereia, mais mortal que qualquer trem desgovernado, convertia qualquer ferramenta e qualquer transporte que, ao invés de um eterno retorno, servia de engano linear e cartesiano para que mais mestres da finalidade fossem tragados pelo ódio à vida.


-Gabriel Meiller

sábado, 26 de agosto de 2023

O surgimento da verdade: seria ela uma mentira?

 




A verdade merece uma história de si mesma. Não me julguem capaz de historicizar a origem da verdade, senhoreas (senhores e senhoras). Mas eu irei dar uma prévia do que seria uma historicidade da verdade, uma prévia muito mais metafórica do que verídica, pois investigar um vestígio de mentalidade humano é uma tarefa suicida! 


O consenso historiográfico que permeia todo o (in)consciente coletivo geral é de que a verdade surgiu conforme a consciência humana foi surgindo. Oh! Que surpresa, senhoreas! Acho que esse tipo de constatação é totalmente original e nunca antes visto! Então a verdade nasceu do que estava de acordo com a visão humana sobre o meio externo a ela (pois a convenção da consciência humana é de que ela possui uma divisão para com o mundo, passando a ser o externo e ela e seu corpo o meio interno. Aí já percebemos a origem do binarismo mais básico e pedagógico que moveu o homem no mundo).


A verdade, então, se fundou sobre um consenso do olhar humano. O "fora" e o "dentro"!  Isso mostra o seu caráter intersubjetivo e diplomático para com a percepção (percepções) humana(s). A verdade seria o que está de acordo com essa base da observação do que acontece "fora" em relação ao que ocorre "dentro". E essa observação está pautada na exatidão dessas observações. 


Mas essa observação é apenas um fragmento do que é a verdade; a verdade é como uma construção composta de diversos alicerces. Um deles é a exatidão da observação dos fenômenos internos e externos. O outro alicerce é a verdade como uma descrição não literal, mas que expressa uma tentativa de entender algum fenômeno do mundo. Estou falando sobre o aspecto mítico da verdade e não mais literal. Como surgiu o mundo? A mitologia, munida da cosmologia, teogonia, entre outras descrições... expressará uma verdade, isto é, uma codificação que expresse de forma metafórica, hiperbólea, eufêmica ou de outra natureza acerca do surgimento de algo. 


Para os antigos, impregnados do pensamento mágico, esta descrição era racional e descrevia com semelhante precisão a origem do homem e da Terra assim como a cosmologia aristotélica explicava as estruturas do universo a respeito da Terra. 


Temos então a verdade como revelação de algo que antes era desconhecido; temos a verdade como interpretação exata do mundo pelo consenso de um "externo" e um "interno"; temos, então, a verdade como literalidade  e como descrição metafórica de algo, como nas mitologias.


 Soma-se dentro deste último ponto os mitos que tratam a respeito das dinâmicas humanas. A história de Rômulo e Remo, Abel e Caim, são verdade! Se repetem na vida de muitos; a história de Adão e Eva, que comem do fruto do conhecimento do bem e do mal e são punidos, é verdade e se repete em todo aquele que busca o conhecimento e se sente o homem da caverna que se libertou das correntes e foi importunar os demais ao dizer que estavam nas sombras! 


Entretanto, nosso espírito de época decidiu reduzir a verdade à literalidade do pensamento. O raciocínio foi obrigado a se tornar literal e científico em muitos grupos sociais. Uma prova disso são os religiosos que querem interpretar uma verdade mítica pela verdade literal e assim fazem uma miscelânea de verdades! A verdade como literalidade está no senso comum e sendo muito mal impregada. Sejam religiosos, sejam ateus: todos bebem da mesma fonte da verdade! E então não entendem quando a verdade aparece em uma de suas mil faces. Só a enxergam sob o parecer da literalidade, do "é" ou "não é". 


 A mentira surge como uma oposição ao conceito vigente de verdade, "o que não é"! O que não é verdade, é mentira! Logo, a mentira e a verdade são uma invenção. Digo melhor: o conceito linguístico do que é verdade e mentira são invenções. A verdade não é um ente que anda por aí! A verdade não existe fora do aparelho psíquico. O que existe são fatos, fenômenos e acontecimentos. Por isso posso dizer que a verdade é uma invenção, isto é, uma linguagem. Ela é o símbolo dentro da linguagem usado para que o ser humano se aproprie de fatos mediante sua consciência e a transmita a outros seres humanos! A verdade é uma "mentira" desde o seu nascimento porque estamos presos na linguagem e na imprecisão dela! 


-Gabriel Meiller, prisioneiro da linguagem.

A alienação na ciência (e nas demais linguagens)

 






"O que é o homem?"


"Bem... um conjunto de átomos e moléculas orgânicas que tem evoluído desde os seres marinhos e que chegou à terra na forma de répteis, aves, anfíbios, mamíferos e de um dos ramos dos mamíferos: aqueles de grande porte. Desse encadeamento dos seres vivos surgiu o homo sapiens! Este é o homem!"


Esta seria em essência a resposta da ciência e sua definição. E está correta em vias gerais; ainda há detalhes e esmiuçamentos que serão aperfeiçoados com os aprofundamentos científicos, mas temos uma verdade descritiva e literal segura e consolidada, principalmente depois da biogenética que trouxe uma exemplificação bioquímica sobre a evolução do homem advinda do ancestral em comum com os demais primatas. O último passo, para estar dentro dos credos do neopositivismo, seria a reprodução em laboratório da evolução. Entretanto isso implica questões éticas e quase impossíveis de se realizar pelo longo, longo, longo prazo que levaria uma evolução em laboratório. 


Mesmo se isso ocorresse os dogmáticos cristãos, literalistas do gênesis que andam aos montes por este grupo de ateus, ainda não se convenceriam desta verdade científica. 


Mas após dizer tudo isso, temos que pensar criticamente sobre as consequências da redução da pergunta "o que é o homem" ao pressuposto científico. "Será que o reducionismo científico equivale à verdade absoluta sobre o que é o homem?" Essa pergunta soa e é idiota de certa forma! Pois bem, temos que ser ridículos para que sejamos inteligíveis pela pedagogia esdrúxula! 


A ciência não trabalha pela ilusão de verdades absolutas, mas ela é o constante espírito crítico. Na ciência um novo paradigma que se mostra mais eficaz na explicação de algum aspecto do mundo, substitui o antigo paradigma a partir do momento em que ele é considerado obsoleto!(Thomas Kuhn).  A ciência não se pretende absoluta, muito menos exclusiva e monopolizadora ao abordar as verdades; entretanto, os seres humanos são absolutizantes, frágeis ao ponto de sempre pulularem de uma verdade definitiva para outra: senão na religião, na ciência; senão na ciência, no misticismo; senão no misticismo, em outra linguagem. Cabe, então, que cada um valore por qual verdade quer viver e se quer fechar seu julgamento em torno de uma verdade que aos olhos de outro pode ser "mentira". 


Mostro-lhes um caminho mais excelente: não se alienem em nenhuma linguagem, isto é, não reduzam a verdade (este ente imaginário preso na linguagem) a uma só linguagem. Saibam diversificar e entender que cada linguagem expressa sua verdade de forma relativa às suas proposições. A verdade mítica tem seu valor (menos quando é interpretada de forma literalizante, como os amigos dominicalistas que de fato enxergam o homem como criado do barro); a verdade científica tem igualmente o seu valor (pois ela nos abre portas de cura e saúde para com o corpo e a mente ao entender os processos evolutivos); a verdade filosófica tem também o seu valor (pois ela vai além da descrição procedimental do "como é algo", ela questiona a validade ou finalidade e aplicação das outras verdades, sendo uma verdade, ou melhor, concepções e possibilidades de novas verdades sempre pulsante que aviva a epistemologia geral e dá a ela andamento e movimento. 


Já a linguagem artística não se preocupa com a categorização "verdade". Ela é uma linguagem com ênfase na expressão humana e já não tem finalidade de apresentar verdades ou mentiras; ela vai além da verdade e da mentira, do bem e do mal (da valoração) a não ser quando é aplicada em avaliações artísticas de jurados pela dança, programas de auditório, etc... que seriam aplicações da arte. 


"O que é o homem?" A arte diria que é um ser radiante que manifesta suas peculiaridades ao mundo de forma totalmente diferente dos demais animais: de forma artificial, isto é, feita como um trabalho de artíficie que transforma uma matéria prima em algo totalmente inédito aos demais animais. Ou melhor: a arte seria a demonstração prática desse aspecto do homem.


"O que é o homem?"  A religião o coloca como alguém que carrega a divindade em si mesmo, alguém que veio da criação engenhosa de outro plano. 


"O que é o homem?" A antropologia diria que ele é uma massa modelável de acordo com sua cultura e que as culturas são tão peculiares e surgem de uma complexidade inumerável de micro e macro-fatores. 


"O que é o homem?" A filosofia nada diria; em verdade ela ficaria espantada com a definição e riqueza das  demais linguagens e também surpresa por não haver uma unificação e consenso absoluto do que signifique o homem e o que ele seja. A filosofia questionaria esse "O que é" e questionaria este "o homem". Ser em que sentido? Essencial? Isso existe ou é ilusão humana? E o que entendemos por homem?  


Agora que tudo isso foi dito, a minha conclusão é esta: se alienar nas linguagens significa negar uma parte do mundo que não está fundamentado em alguma delas. Significa o reducionismo existencial e a degradação da totalidade da vida. Se a opção pessoal de um indivíduo for viver por um tipo específico de linguagem, a valoração é totalmente sua e não deve ser questionada a não ser por ele mesmo. Mas a imposição coletiva ou social de um tipo de linguagem como redentora do mundo e de seus problemas... é certamente uma noção totalizante, isto é, falsa! 


-Gabriel Meiller, o prisioneiro da linguagem.

sexta-feira, 25 de agosto de 2023

Demasiada seriedade

 



Não estou preocupado com a verdade... 


Não me interessa a verdade;  muito menos deus... são todos a mesma essência: invenções. 


Não estou preocupado com os valores, estou preocupado com a valoração. 


Não tolero valores demasiado sérios, demasiado rígidos.


Quem está preocupado é quem se ocupa previamente; eu apenas me ocupo no presente a cada valoração. 


Olhem lá: eis que surge uma criança inocente.... Aaah!!! Ela mal chegou ao mundo... e se encanta com este! O encanto é obra da inocência, da bendita despretensão. 


Ela engatinha... e depois  caminha. A cada descoberta, uma nova impressão sobre a vida. 


A criança se encanta, mas depois volta ao normal; se enfeza, mas depois esquece a fonte do enfezamento: eis aí a grande obra do esquecimento. Ou melhor: do "presentimento", do agir do presente no ressentimento através do esquecimento. 


O que é cobiçado e assaltado da criança? O entusiasmo pela descoberta da vida, pela mudança constante de suas sensações e percepções. 


A criança é exploradora por natureza, não possui eixo; mas os pais são os velhacos emburrados com a vida que empurram valores a elas. 


Rígidos, doutores do saber; valoradores sérios: estes tratam a verdade de forma verdadeira e a falsidade de forma igualmente verdadeira.  


A fronte craniana dos adultos aumenta, suas cabeças crescem demasiado porque focam na discriminação entre a verdade e a mentira. Enquanto isso a despretensão da criança é confirmada por sua moleira ainda frágil e a se fechar! 


Haja córtex pré-frontal para aguentar tanta firmeza de julgamento. Eis aqui uma verdade: tanto enrijecimento da musculatura cerebral adulta que clama por álcool e pelas drogas, ocorre justamente pelo demasiado foco! 


Mas a criança é livre, senhorxs. Livre para experienciar, o que não a isenta de riscos. 


"O que é a verdade e a mentira?" 


Cada definição é uma tentativa de enquadrar a realidade à nossa mente: não existe verdade senhorxs! Existe o real! Existe o que não se julga plenamente. Já o "existir" de algo implica em duas coisas: No "em si", no "algo". E também no observador que filtra o em si em sua observação. 


Cheguei à conclusão de que não há existência se não houver um ser existente para completá-la e quem sabe até criá-la em nome da verdade. 


Não me perguntem o que é esse "em si"; não serei pretensioso ao dizer o que é algo que simplesmente é! A verdade é arrogância de todo aquele que passou da infância para a vida adulta e julga poder discriminar a realidade. 


Não há fatos, somente interpretações feitas pelo aparelho psíquico de algo que está "aí fora" de nós.


Mas e quem disse que a criança liga em discriminar ou fazer um tratado do que "é" e do que "não é"? Ou que se aborreça em definir teoricamente a verdade e a mentira? 


Ah, pobres coitades! Não entenderam ainda que a criança quer o brincar? Ela ama as sensações que provêm da arte! Esta é a sua redenção: encarar o mundo pelo mundo, o ser pelo ser! A finalidade passou muito longe de sua bendita inocência! 


-Gabriel Meiller

quinta-feira, 17 de agosto de 2023

"O que é a vida?"

 



Antônio Abujamra, já falecido, em seu antigo programa "Provocações" sempre perguntava e repetia a mesma pergunta ao seus convidados: "O que é a vida?" A repetição desta pergunta carregava a dedução lógica de que se a vida é um conjunto de inúmeros fenômenos complexos e desconhecidos, a resposta do convidado nunca seria suficiente. Em resumo, as respostas nunca são suficientes para definir algo. As respostas são integrantes do campo da linguagem e a linguagem é limitada se comparada com a realidade. Lacan formulou bem a impossibilidade do simbólico e também do imaginário alcançar a magnitude do Real, isto é, daquilo que de fato é independente da linguagem e da imaginação humana.


"O que é a vida?" é uma pergunta que explora a maior metalinguagem de todas. E qualquer sinônimo que possamos emitir para defini-la é um reducionismo proposital para que o sinônimo seja engrandecido e valorizado acima do normal. Digamos que a vida é prazer! Então o prazer sofre uma hipérbole, pois é equiparado à vida. Ou poderíamos dizer que a vida sofreu um eufemismo ao ser reduzida ao prazer. Para um hedonista bem seria desta forma, mas para qualquer um que tivesse a percepção de que a vida transcende qualquer sinônimo individual... isso soa ridículo e banal. 


Mas o que é ridículo e banal faz parte da arte, bem como das Provocações. A provocação é uma forma de fazer com que haja uma resposta por parte de alguém. E a arte é uma produção humana que visa despertar reações humanas diante do que é apresentado. "O que é a vida?" 'A vida é a vida!' Seria uma resposta redundante, mas justa ao termo em si mesmo. Dizer que a vida é a vida implica em admitir: ela não pode ser comparada a algo que não seja ela mesma, seja lá o que ela seja.


Nietzsche diria que a vida não pode ser definida, pois ela não pode ser comparada com outra vida, pois não conhecemos outra vida senão a que conhecemos no aqui e agora. A definição só poderia ocorrer através da comparação ao ver dele. Só conhecemos um idioma quando há outro para que haja uma valoração comparativa. Mas que outras formas de vida existem além da vida neste pálido ponto azul?


"O que é a vida?


           ...


O que é a vida... ?"


-Gabriel Meiller

O 'plot' de Platão parte II: a falácia da crença na libertação por meio da razão

 



Agora, sob uma interpretação tênue da tradição platônica (e não de Platão em si) que cindiu o mundo em dois, reflitamos na Alegoria da Caverna de forma mais livre, crítica e temática pelo tradicional questionamento da filosofia, isto é, o questionar da verdade sem chegar a ela de forma definitiva. 


Sob a intenção de criticar a falsidade dos sentidos, Platão propôs a razão e o pensamento filosófico como guias do homem no mundo. A parte produtiva disso é a capacidade limitada e parcial do homem se libertar de seus enganos pela autorreflexão. Sob esse ponto de vista, a alegoria da caverna representa uma revolucionária libertação de um sistema de aprisionamento humano porque liberta: 


1)O homem de sua ignorância pela falta de questionamento. 2)O homem das amarras de um rebanho/grupo social que o pressiona a continuar nas sombras das tradições que o aprisiona. 


Oh, Platão, homem de profunda instrospecção: a tradição filosófica te louva por criar um aprisionante veneno que liberta! De tanta introspecção criastes um mundo divorciado da realidade, o mundo das ideias em que tudo é perfeito. Por acaso almejastes a perfeição e na verdade a encontrou por vias de alucinação? Serás mesmo um louco benfazejo ou uma espécie de maluco beleza, ou apenas um sedutor barato? Ou quem sabe estavas somente a usar uma metáfora sobre esse mundo das ideias, algo somente alegórico e que não pretendia divorciar o mundo de sua naturalidade e imperfeição que é perfeita? 


Muitos possuem motivos para concluir que usavas apenas uma metáfora para engrandecer a razão e o inatismo humano; outros podem acreditar que havia uma realidade do mundo das ideias em que acreditavas; mas o que de fato ocorreu foi que teus discípulos, oh mestre incompreendido!, transformaram o Ocidente num sepulcro da razão. 


O pensar se tornou extremamente teórico e ineficiente: suprimiu as emoções, os sentidos e as demais faculdades em detrimento da gélida razão e demasiada seriedade cristã. O cristianismo enquanto sistema se fortaleceu e bebeu em teu princípio do mundo das ideias para justificar um além; o cristianismo como platonismo da plebe! 


Platão, a incógnita! O desvirtuador da humanidade ou a sua possível redenção que foi transvalorada? Mas nada disso foi seu agudo plot, senão a crença por parte de Platão de que a humanidade seria capaz de se libertar pelas vias da razão! A razão, corrompida pelos traumas, sentimentos e pulsões (Nietzsche e Freud demonstraram) é apenas serva e escudeira das emoções: "defendemos racionalmente nossas paixões! " Existe algo mais paradoxal do que esta constatação? 


Ah, Platão e suas boas intenções! Oh, o redentor da humanidade acabou por pervertê-la! De boas intenções o inferno existencial está cheio! 


Eis o insight de Platão: emoções são enganosas e nossos sentidos nos traem; usemos o pensamento para romper este engano dos instintos.


Vieram outros e constataram: "Ah, senhor idealista! Não enxergas a razão como topo do iceberg das emoções e determinada por elas? A fisiologia do cérebro determinou a razão como posterior e determinável pelos instintos. "


Alguém cuja existência é ameaçada ou quando não consegue realizar suas ambições, suspende a razão em prol dos instintos. Um apocalipse na sociedade (ou ainda menos) é sinônimo do reinar dos instintos mais primitivos. A razão, desta forma, só reina quando a estabilidade e a paz a tomam nos braços. 


E vocês, senhores(as)? O que suspeitam que Platão tentou elucidar? 


-Gabriel Meiller

segunda-feira, 14 de agosto de 2023

A pedagogia dos sentidos

 




Uma das definições mais lúdicas de pedagogia pode ser a seguinte: a arte do aprendizado guiado. O aprendizado é natural e muitas vezes associado com a palavra "pedagógico". Entretanto, há uma diferenciação mínima e balizadora: o aprendizado ocorre em todo lugar e a todo momento, enquanto a pedagogia exige um lugar(es) e momentos específicos. Por isso, o aprendizado é guiado de alguma forma e por algum método a variar de acordo com o tempo e a cultura. 


A pedagogia dos sentidos seria o método mais natural e empírico para educar uma criança, através de constatações dela conforme os sentidos e as situações mostrem a elas aspectos de fenômenos a serem aprendidos. O aprendizado ocorre por associações conscientes  de fenômenos (na maior parte das vezes) e a ligação dos fenômenos entre si envolvendo o aprendiz. Um exemplo concreto: quando entendo a relação entre uma alimentação desregrada, gordurosa e cheia de excessos e o predomínio e maior frequência de doenças, eu consolidei um aprendizado! Entretanto, o que julgará o caráter sólido e ativo deste aprendizado é o reforço do mesmo. Se eu aprendo de forma prática, sentindo em meu corpo essa relação de má alimentação, sendentarismo e baixa imunidade; além da experiência de mudar essas variáveis por meio da oportunidade de mudar a alimentação, me exercitar e presenciar uma melhora substancial... então as chances de um aprendizado efetivo e significativo serão muito maiores! 


O sofrimento (não somente ele) pode ser um ótimo professor porque ele é prático. Deste princípio origina-se a pedagogia dos sentidos e não somente uma pedagogia teórica e abstrata que na maioria das vezes é ineficiente. 


É interessante observar que a epistemologia dessa pedagogia teórica tem base na tradição cartesiana, sob o jargão: "Penso, logo existo" colocando o pensamento como superior sob as demais faculdades. E essa tradição tem origem na pedra fundamental: o culto à razão como a faculdade mais importante e divorciada dos demais sentidos. Essa constatação nos faz entender a importância da unificação e igual atribuição da importância de nossas múltiplas faculdades orgânicas. A valoração é desigual, portanto! A memória é multisetorial, pois envolve a capacidade de abstração, generalização, sintetização e extrapolação, entre outros mecanismos que ocorrem pela interação dos sentidos, como o tato, olfato, paladar, visão e audição. 


Entretanto, senhores e senhoras pedagogas, o que nossas escolas ainda reproduzem? Uma dinâmica pedagógica ainda antiga e da idade da pedra grega! Um culto à razão pura, como anteriormente eu discorri  sobre o plote de Platão! Entretanto, em outros países como a Suécia, Dinamarca, Finlândia e o próprio Portugal (com o exemplo da Escola da Ponte), trazem esse pressuposto da Pedagogia dos Sentidos como o motor da educação! Enquanto isso no Brasil temos uma cultura que ojeriza um dos maiores pedagogos que também ensinou esses princípios, a saber: Paulo Freire. Quando não o odeiam, o idolatram, mostrando que não há um senso crítico entre os indivíduos da moral de rebanho acadêmica ou religiosa. 


Minha pergunta se encerra da seguinte forma: superamos mesmo essa tradição de supremacia da razão pura? Uma tradição que diviniza a consciência em detrimento da subestimação das demais faculdades? 


-Gabriel Meiller