sexta-feira, 22 de novembro de 2024

O surto

             


"Horrendo, horrendo... horrendo!" falou a boca, cuja mente estava repleta de cólera e o coração fervilhando de mágoas. 


As emoções costumam ser tidas como violentadoras da realidade objetiva muitas vezes; entretanto, há aqueles momentos, como este, em que as emoções apenas ressaltam uma constatação lúcida do absurdo da vida, principalmente a vida em sociedade. 


Vamos lá: sabemos que há coisas horrendas debaixo do tapete; temos convicção que nossa bestialidade evolutiva não acompanhou a rápida evolução social e cultural de milênios. E aquela mente pensou as seguintes coisas no auge de sua lucidez: 


"A democracia é um eterno revezamento entre quem se fode e quem se dá bem; um absurdo de sistema em que todos os imbecis têm a mesma voz que os sensatos. 


A vida sempre foi uma hostilidade para os que são prezas dos mais fortes e poderosos, daqueles que, estando ou não em uma democracia, vivem da mesma forma e sob os mesmos privilégios. 


Os homens são imbecis, seduzidos por todo tipo de ideologias e por meio delas sofrem, matam-se e se alegram como crianças ingênuas.


A vida pela vida é um absurdo.


A morte como ameaça constante é uma limitação àquele que a teme e uma liquidação aos que a ignoram. 


 Toda a experiência da raça humana é apenas uma luz de lanterna que pisca rápidamente e se encerra na escuridão do tempo de bilhões de anos. 


O sofrimento humano é construído pelas fantasias da razão e as inúmeras projeções do que deixamos de fazer ou possuir; os demais animais não sofrem a não ser quando são abatidos ou se perdem do rebanho." 


E como uma lareira em brasa, a mente fervilhava junto com o coração. As emoções eram como um forno a lenha que ao esquentar, demoraria para se apagar. A mente poderia divagar para pensamentos fúteis e inúteis, mas o coração estaria lá, chefiado pelas mudanças fisiológicas, pelas liberações de cortisol e adrenalina que ecoavam em todo o corpo e que demorariam a esfriar. 


Então a emoção cessou depois de longos ciclos de explosão e irracionalidade disfarçada de sensatez se instalou. Ideologias foram vestidas, o ritual à democracia e a valorização de seus ideais voltou a ser cultuado e a vida foi aparada para caber nas apurações de sentido daquele ser. Tudo fazia sentido, tudo tinha um propósito e um motivo de riso. 


Após um longo hiato, aquela consciência percebeu que as análises eram submetidas ao filtro das emoções e que a vida não era passível de ser avaliada e por isso a morte representava um misterioso encerramento que limitava as perspectivas e obrigava os seres a viverem por viver, sem esperar nada em troca.  


-Gabriel Meiller 




 


quarta-feira, 13 de novembro de 2024

A exaustão do choque entre as fantasias e a realidade


Enxergamos o mundo pelas janelas da nossa alma: a fantasia. A fantasia está constantemente sendo construída e reconstruída, sendo a única forma pela qual enxergamos ao mundo. Todo o histórico  de experiências que temos na vida se acumula em nosso cérebro e em nossa mente na forma de engramas.


 Experiências traumáticas bem assimiladas serão uma composição das nossas interpretações sobre o mundo, uma volição, uma inclinação em interpretarmos um acontecimento de acordo com um sentimento ou padrão que ficou gravado em nós. 


Esse assunto teórico é extremamente prático, principalmente quando exponho as minhas próprias chagas como encarnação do conceito a ser explanado. Esse é mais um daqueles momentos em que preciso limpar minhas chaminés por meio da escrita e da exposição pessoal por meio dela: 


Eu cresci debaixo de ambientes que imprimiram a mensagem de que eu não era bom o suficiente. Essa impressão teve a colaboração de terceiros, principalmente de alguém que influenciou de perto a minha criação, adotando uma pedagogia de humilhação, regada com palavras ásperas e menosprezo. Esse assentamento implantado em meus alicerces psíquicos foi aceito por mim,  que internalizei piamente essa narrativa. 


Digamos que uma criança passe a acreditar firmemente e ingenuamente no que os adultos e colegas dizem sobre ela, principalmente quando dizem ou mostram de forma sistemática o quanto ela é incompetente, burra, indigna de entrar para o grupo. A criança tem a sua parcela de responsabilidade ao aceitar essas narrativas, mas penso que não podemos cobrar de um chimpanzé uma pintura semelhante à de Picasso. Ilustro com isso que a responsabilidade foi mínima para alguém que está desenvolvendo suas capacidades críticas e de autodefesa. Mas, para não adotar um ar de vitimização perante a todos (olha eu, novamente, buscando amenizar os olhares críticos e julgadores sobre mim), eu admito que pelo menos 5% eu poderia ter feito para não engolir tal complô de narrativas contra mim. 


Então eu cresci aprendendo que se não há uma intimidade ou aceitação minha com algum grupo, a culpa é minha e o desajuste é meu! Essa premissa subconsciente, meus caros, é o início de um tipo muito comum de narcisismo: o narcisismo da consciência de culpa do mártir. Tudo o que ocorre de ruim é culpa minha, como se tal poder (de ser rejeitado) fosse exclusiva e desgraçadamente meu. Essa premissa que foi costurada no âmago da minha fantasia fez de mim uma criatura distante, desanimada com a interação em grupos, cética para com as amizades e interações sociais coletivas demais. Outras pessoas poderiam reagir de outra forma, sendo mais incisivas, extrovertidas e provocadoras diante dos grupos, não arredando nenhum pé diante deles. Mas a minha violência, diferente da violência dessas pessoas, é passivo-agressiva. 


A fantasia excessiva cultivada por mim de que há alguém que não gosta de mim de forma específica, de que não me encaixo em grupos e que foi reforçada pelas minhas atitudes consequentes dessa crença (ao me isolar dos grupos quando tenho oportunidade de ingressar neles), fez de mim alguém perseguido pelo meu fantasma! O fantasma é a fantasia dilacerada, excessivamente fixada, petrificada e perpetuada pelo trauma não superado. 


Eu tenho um olhar lúcido o bastante para detectar tudo isso, mas também a humanidade mais comum para não superar esse fantasma. E muitos aspectos da minha personalidade são uma consequência entre esse cenário fixo de rejeição x aceitação. Logo, a revolta (que me faz humano e lúcido) prevalece, me fazendo descartar o anseio em socializar e ao mesmo tempo, me causando medo e raiva por não ser aceito. Entretanto, racionalmente eu penso: mas fui eu que me isolei, por isso eles não ligam muito para mim e a interação é menos frequente, pois eu me isolei física e psicológicamente. 


Essa dualidade conflituosa entre me revoltar e não querer companhia, mas depois de um tempo querer a companhia do grupo, revela um dos aspectos mais humanos presente em mim: a irracionalidade e o conflito interno de desejos. O que fazer, senão conviver e acolher tudo isso, como demonstra Dostoiévski? Este é o meu cálice, imposto pelo determinismo da vida e que talvez possa ser amenizado pela trilha que percorrerei durante a minha existência. O que dizer? Esse sou eu, sob o escrutínio da minha própria análise que também não deixa de ser uma fantasia sobre mim mesmo.


-Gabriel Meiller. 

segunda-feira, 28 de outubro de 2024

O alcance da serenidade após a flor da juventude



Devemos ponderar que a melhor fase da vida não existe por diversos fatores, mas principalmente pelo fator subjetivo, isto é: não se mensura felicidade; também não existe uma verdade absoluta que fuja da relatividade humana e que seja imutável. 


Mas por favor, caros leitores e leitoras, sejamos crianças e brinquemos um pouco de falar qual é a melhor fase da vida de forma inocente. Eu começo: a melhor fase da vida é após a juventude impetuosa que costuma ir embora após os 30 anos, senão no final do segundo decênio. É nesta faixa transicional em que a maioria das pessoas na sociedade ocidental capitalista percebem que para a felicidade é necessário: maturidade (alcançada por sofrimentos e erros) e simplicidade (que diminui o excesso de estímulos e aproveita a vida de forma serena). Essa fórmula ocorre quando a impetuosidade jovem entende que não pode abraçar o mundo e nem fazer tudo ao mesmo tempo, pois assim nunca fará nada. 


Se não se pode servir a dois senhores por agradar a um e desagradar o outro, ou ainda a ambos; o que dirá servir a todas as expectativas do sistema? É necessário renunciar algumas posições para colocar outras em prioridade. É vital brincar uma brincadeira por vez, degustando as delícias que a vida coloca em nossa mesa. Um menu à la carte, ao invés de festival ou rodízio, começa a aparecer mais vezes nas mesas daqueles que passaram da comilança furiosa da juventude do espírito adolescente para a ruminação dos mais maduros.


É importante passar pelos festivais e desbravar o mundo; pois isso trará à alma jovem em transição a maturidade para ser seletiva em sua fase mais madura e serena. Não existe serenidade sem o processo de desfiguração que a vida corrida e ansiosa causa no indivíduo. Não é possível desfrutar da paz sem antes ser espancado pelos golpes de angústia que a vida desfere àquele que janta seu banquete amargo de consequências de processos corrosivos de anos de juventude, obcecado pelo prazer sem limites e sem ponderação. 


Aos que se fazem como exceção da regra... chamo-lhes de forma veemente de mentirosos ou pobres coitados que perderam o parâmetro para entender o que é a vida serena, porque não passaram pelo contraste da agitação. A vida é esse contraste em que uma coisa só é uma coisa, porque a outra coisa é outra coisa! Ou seja: pelas diferenças que se definem e se ressaltam no campo simbólico e no processo de conhecimento contrastante do qual a vida é feita. 


-Gabriel Meiller

sexta-feira, 13 de setembro de 2024

A doença do homem teórico



Ele acordou, doente e sob coriza do resfriado que o abateu pela imunidade baixa. “Não se estresse”, pensou. Mas já era tarde. “Então não chore, ao menos…” falou a si mesmo, sabendo que viver num mundo sem controle era se sujeitar às doenças, à falta de sentido e ao niilismo profundo. Aquele niilismo que nos abate como resultado do peso das escolhas difíceis, das tentativas de dar sentido ao que não possui nenhum sentido inerente. 


“Para quê arrumar a cama se irei bagunçá-la daqui a pouco?”, pensou a alma que atingiu os trinta anos com um experiência anciã. E essa lógica razoável acompanhou o raciocínio sobre a vida: “para que irei viver se daqui a pouco deixarei de existir para todo o sempre?”


Viver era um hábito e por esse motivo ele “arrumou a cama” que era a sua vida. Era uma mente talentosa e muito hábil, talvez por esse motivo estava com aqueles pensamentos típicos de quem vive na escuridão da profundidade reflexiva. Vida após a morte? Para ele era uma tentativa de negar a loucura da existência.


“Eu nasci por obra do acaso da vida em um planeta de uma galáxia entre trilhões de outras… após bilhões de anos. E irei morrer e deixar de existir por muitos outros bilhões de anos. Até mesmo o tempo deixará de existir depois de ‘um tempo’...” e ao pensar nessa ironia complexamente trágica, deu gargalhadas de loucura. 


Ele era um sujeito de lua; socializava apenas quando desejava, nos ambientes que frequentava. Sempre tinha críticas ácidas, mas proferia apenas a minoria delas para os ouvintes. Era conhecido por oscilações de humor ao irromper em empolgação algumas raras vezes, mas tipicamente era quieto na maioria dos dias. Eram tempos difíceis para aquela criatura ensimesmada em si e pouco altruísta. Ele se fechava como uma tartaruga que se põe para dentro do casco após constatar algum pseudovestígio de perigo. 


“Somos feitos de colônias de bactérias e muitas interferem no nosso humor, principalmente as do intestino. Nossa consciência, chamada ingenuamente de Eu, é apenas uma consequência de muitas formas de vida microscópicas que nos habitam. Existem inúmeros sistemas sincronizados em nós e somos apenas uma extensão do cérebro. Não existe um Eu, nem um software que chamamos de alma ou espírito…” pensou enquanto estava rodeado de pessoas em uma fila qualquer, em um lugar comum e desprezível. 


Essas verdades são duras demais para qualquer ser humano digerir quando se pensa sériamente nelas. Elas devem ser evitadas pela maioria e são tratadas de forma esquiva pelo homem prático, pragmático e que sobrevive pelas fantasias metafísicas. Então, uma grande campanha inconscientemente suicida se abateu sobre aquela personalidade retraída que de forma inconsciente estava cansada de temer a morte e resolveu encará-la. Ele se tornou adepto de esportes radicais, estilos de vida agitados que trouxessem riscos. Ele se dedicou ao skydiving, mergulho livre, base jumping, surf em grandes ondas do Havai e Parkour. 


Desafiar a morte e encará-la como parte do cotidiano, sem vê-la como uma indesejável das gentes, era seu objetivo. Era isso um grito de liberdade? Uma tentativa de sair do niilismo profundo e da desvalorização da vida? Ele sabia racionalizar paixões profundas e por isso mal se permitia vivenciar medos. Talvez por isso se aventurou nas loucuras de esportes de ação. Havia começado em sua vida uma era de autoconhecimento forçado, instintivo, prático. Então esse antigo homem teórico que ficou conhecido por não temer a morte, nem a falta de sentido dela, se tornou mais prático e concreto. 


Ele se aproximou de sua natureza animalesca como qualquer outro animal do planeta Terra. Houve redenção neste homo sapiens através da volta à sua natureza primitiva. O pecado original, conhecido pela extrema racionalização e abstração do pensamento, caiu por terra quando a vida foi encarada fora do espectro teleológico. Então em um dia segundoso e chuvoso, após acordar de ressaca, ele arrumou sua cama sem pensar em qual seria o sentido disso. Esse foi o sinal de que sua doença antinatural e abstrata, entrou em remissão! 


-Gabriel Meiller

domingo, 18 de agosto de 2024

Resposta a perguntas covardes com o entusiasmo de uma criança

   


Fluxo e refluxo. O movimento da maré é uma peça em um enorme quebra cabeça. Mas uma peça que contém uma dinâmica que está presente  no macro do quebra cabeça inteiro. A natureza da existência é intrigante e muitos aspectos gerais estão impressos em processos específicos diversos. Tornemos mais concreto esse raciocínio tão enfadonho quanto um acadêmico que escreve artigos: A comunicação é essencial para os seres humanos, certo? Uma comunicação transmite algum tipo de mensagem, seja oral (humana), seja por meio de muitos sinais. Tomemos o exemplo dos sinais que as raízes das plantas (outros seres vivos com outro tipo de consciência) passam umas as outras por meio de sinais químicos e que passam informações até mesmo sobre o ambiente. Uma planta atacada por um inseto ou praga, emite sinais para que as outras produzam defesas contra essa praga. Também podemos usar o exemplo da comunicação de células dentro do nosso corpo, outro tipo de universo; o cérebro recebe mensagens e manda mensagens por meio dos nervos e neurônios espalhados por todo o corpo e por meio de impulsos elétricos, isto é, a eletricidade como fonte energética. O que é tudo isso senão uma forma muito sofisticada de comunicação? Esse é apenas um exemplo dos mecanismos que estão aí para serem desvendados no universo. Somos exploradores jogados no universo por meio de seus próprios mecanismos e da aleatoriedade, somos a própria vida que ganhou consciência sofisticada e que desvenda a si mesma por meio do pensamento simbólico. O que é o universo? Essa pergunta é semelhante à primeira pergunta chamada como a mais covarde (sobre o que é a vida). Mas arrisco aqui a reduzir propositalmente a resposta do irrespondível ao dizer: o universo é um mistério; uma escuridão que revela cada vez mais surpresas conforme nos aproximamos com uma pequena vela que o perscruta. Mas nossa diversão é como o tempo do intervalo: mal começamos os empreendimentos e o sino da morte já se põe a tocar. Nossa luz é pequena, finita do tamanho do corpo de nossa vela, mas nem por isso… menos válida e genuína. 


-Gabriel Meiller 


sábado, 3 de agosto de 2024

O choque relativista e a luta contra o excesso do niilismo

    

Quando nascemos e somos lançados ao mundo... estamos germinando a nossa consciência que possui o tamanho de um grão de mostarda. Somos ao nascer mais vulneráveis do que os demais seres que, mesmo possuindo algum grau de conhecimento, são espancados pela existência e sua complexa falta de sentido inerente. Se um adulto muitas vezes se mata paulatinamente por meio do abuso de substâncias nocivas como as drogas em geral (legalizadas ou não) e ainda se embriaga por meio das ideologias laicas ou religiosas... como teria uma criança qualquer estrutura para enfrentar a inerente falta de sentido da vida ou sequer entender o que é a vida ou partes dela?  E a tragédia ocorre quando o suicídio se torna um ato de desespero para a fuga da vida e suas dores. 


É por esse motivo que a humanidade venerou em massa as crenças religiosas durante sua primitividade e ainda continua nessa veneração. Mas as crenças religiosas são apenas um aspecto da veneração humana. Todas as narrativas em geral são tidas como absolutas pelo ser humano. As crianças são ensinadas de que existe uma verdade universal, bem como um certo e errado universal. É necessário que o conto de fadas da verdade seja ministrado a todos na fase inicial. Entretanto, conforme crescemos, naturalmente somos levados a espaços relativizantes e fronteiriços entre a verdade e a mentira. O choque de culturas promove esse questionamemto mais profundo: se existem vários modos de crer, comer, amar e vestir... existe um certo e um errado que não seja relativo a algo ou alguém? Todo certo é relativo a algo; toda beleza é bela em relação a outra. Nada é algo em si mesmo, mas integrante de um todo o feio e o bonito dependem de si para existir; não haveria um sem o outro.


Se o indivíduo for extremamente dogmático, ele dirá: há somente uma verdade e um certo. O resto é um erro, uma deturpação do verdadeiro. E o verdadeiro é o meu jeito!  


Essa atitude marca a infantilização epistemológica de pessoas que não sabem lidar com o âmago do niilismo: se não existe uma  verdade imutável e universal, para que serve a vida? Então preferem venerar a verdade e distribuir a mentira às demais ideias e culturas.  A falta de sentido provocada por algum grau de relativismo é evitada a qualquer custo pelos seres humanos mais frágeis. Outros se refugiam no niilismo através da passividade e da falta de ânimo atráves do raciocínio: se a vida não tem sentido pela ausência de verdades universais... para que viver? Se nada faz sentido... que a vida passe como um sopro e seja apenas uma lembrança esquecida. 


Entretanto, uma resposta ao niilismo mais sadia pode ser contemplada: a vida não tem um sentido inerente... mas criemos esse sentido e nos alegremos pela liberdade que a falta de sentido nos traz. 


O relativismo ao ser bem administrado pode ser uma forma de libertação das narrativas mais enclausurantes das ideologias. As diferentes perspectivas de algo são navalhas que cortam as camisas de força dos ideais e entregam o homem à sua própria sorte: para o bem e para o mal. 


-Gabriel Meiller 




quarta-feira, 31 de julho de 2024

A arte da nuance como lente para interpretar as ideologias: o ideólogo trouxa e o canalha bon vivant.



Mais do que as ideias em si mesmas, carece-se de artesãos eficientes que sabem podá-las. O mundo clama por pessoas que ultrapassem o dogmatismo inebriante. A paixão é famosa entre todos por ser um ente que nos cega para os defeitos daquilo que se é venerado. O apaixonado torce seu senso crítico e busca o engenho para que suas ideias caibam no mundo de forma integral. As ideologias são essa famosa lente que distorce o mundo e o idealiza para que ele sirva às expectativas do apaixonado.  "A ideologia", certa vez entreouvi em algum lugar imemoriado, "... é o cadáver da filosofia."  Isto significa que a busca pelo senso crítico é sufocada pela ideologia sob a esperança de que os fins justificarão os meios, inclusive por meio do sufocamento do senso crítico e das amarras imputadas ao livre questionamento. 


Então a filosofia, morta por sufocamento, vira um cadáver chamado: ideologia. Já sem vida, a filosofia ainda é vista como tal por nós ingênuos, que defendemos com gosto e acariciamos nossas paixões ideológicas. A verdade? Ela só vale se estiver de acordo com nossas crenças, caso contrário é um meio que não justifica o fim desejado. 


Coloquemos em voga o exemplo político: aqui temos os que defendem as ideologias progressistas de esquerda e que valorizam os seguintes tópicos: coletividade, igualdade, controle estatal, pautas de ideologia de gênero e a luta pelo respeito à diversidade. Todes es progressistes defendem um mundo em que a acumulação de capital seja extinta ou minimizada ao máximo possível. 


Acolá, à direita, temos os que valorizam: a propriedade privada, a individualidade, a meritocracia que se opõe a igualdade artificializada pelo Estado; a desestatização, diminuição dos impostos e o controle privado em muitas áreas (mas não nas mais essenciais como saúde, educação e segurança) e pautas religiosas e sobre a família tradicional. 


Ambos os ideólogos estão comprometidos com suas paixões mais do que a verdade e por isso colocam suas lentes cadavéricas e se recusam a tirá-las. Abominam o "talvez", sendo idólatras de suas verdades dogmáticas. O esquerdista usa pautas coletivas e força a militância para causas pessoais e autopromoção. Junta-se o melindre de uma geração que nasceu em meio às facilidades da era digital com a disposição militante-progressista e então o mundo precisa se curvar a estes e serví-los.  O direitista deposita a idealização de que o Estado deve ser feito para ele: não deve gastar com projetos sociais, arrecadar a menor quantidade possível de impostos "desnecessários" pelo fato de não serem serviços direcionados à sua classe econômica. Um bom estado para este meritocrático que conseguiu tudo pelo berço é aquele estado econômico e minimalista. Para ele tudo é "mimimi", visto que nunca passou por apertos financeiros, demandas intermináveis e cobranças de superiores. 


Então, quando as lentes são amplificadas por meio da extrema direita e extrema esquerda... os mundos são incomunicáveis. O diálogo é encerrado e ambos os ideólogos se relacionam com as fantasias que produzem do outro: o outro é mau, o outro é burro, injusto, cego e mentiroso. E então o cadáver da filosofia, isto é, a ideologia... é envolto em um caixão alienante, chamado: bolha social. Uma bolha social é um isolamento cruel ensimesmante, um conjunto de narcisistas assassinos do senso crítico, quase canalhas. Não digo que sejam canalhas porque são apaixonados e deduzo que todo apaixonado não pode ser canalha, a não ser um canalha como meio para se chegar ao fim desejado. Mas o canalha em si é um desapaixonado que faz canalhices por belprazer. 


Quem são os canalhas? Os políticos. Esses são verdadeiros profissionais que encenam seu culto ao cadáver da filosofia, mas na essência só se preocupam com o dinheiro no bolso: o dinheiro desviado dos impostos, todos sabem. No final das contas uma verdade filosófica e empírica, que se distancia  muito da ideologia, eu lhes trago: os canalhas podem ser tudo, menos trouxas. Os trouxas são os ideólogos,  enquanto os canalhas: bon vivants muitas vezes à prova de karma. 


-Gabriel Meiller

quarta-feira, 24 de julho de 2024

O motivos da incompreensão de Nietzsche e sua filosofia


Por que muitas pessoas não entendem o famoso Bigodudo e ainda o declaram como um louco e anarquista apocalíptico da moral? Eis aí a raíz de um prejuízo (pré-juízo) que causa um verdadeiro prejuízo aos que desejam entender Nietzsche. 


Quais são as os motivos principais da distorção que muitos fazem da filosofia de Nietzsche?  


1)Difamação cultural. 

Nietzsche sofreu por muito tempo difamações de sua filosofia, causadas pela sua irmã que manipulou seus escritos para que o nazismo se vinculasse à fama do filósofo. O conceito de além-homem (superhomem) foi adulterado por sua irmã Elisabeth para que o alemão fosse considerado uma raça superior. Mas para Nietzsche, o além-homem não tinha nenhum vínculo com uma etnia, mas com uma atitude constante dos indivíduos de exercerem o senso crítico e a criatividade para montarem os seus próprios valores, sem depender da imposição religiosa ( e sem a obrigação de demonizar as demais morais, mas até de se sevir delas quando necessário e desejado). O übermensch é mal interpretado por pessoas que querem ler "Assim Falou Zaratustra" sem conhecimentos prévios da filosofia do autor (seus gêneros literários)  e sem se aprofundar na obra geral de Nietzsche e suas intenções como filósofo. 


2)Reatividade cristã


Há outras pessoas que não entendem a filosofia de Nietzsche justamente porque sabem a proposta do autor: criticar o cristianismo e a imposição da moral cristã no Ocidente. Por esse motivo, as pessoas demonizam Nietzsche e o declaram um ateu anarquista, que queria levar a sociedade à barbárie ou que ele era um louco que sofreu de demência justamente por sua filosofia sem pé nem cabeça. Declarar Nietzsche como um louco significa tentar silenciá-lo para que ele não seja entendido pelos demais. O que é isso senão um ato de má fé e desonestidade intelectual? 


3)Falta de preparo e estudos em filosofia e história


Há ainda os que querem entender verdadeiramente o autor e não lhes faltam boa vontade. Entretanto, são pessoas apressadas ou que não dão prioridade à filosofia. Elas sentam e tentam ler e entender o autor segundo o que possuem de contexto prévio. Na maioria das vezes ocorre a famosa miscelânea de ideias. Para estudar um autor erudito e extemporâneo, que não é de nossa época, é necessário estudar o contexto do século em que  o autor escreveu. É necessário entender que as traduções do idioma original sempre irão ser infiéis ao que ele quis dizer em sua língua nativa; é necessário entender o que o autor diz em palavras que no século XIX tinham um outro significado diferente dos dias atuais. É necessário estudar o gênero literário do filósofo: muitos sabem que Nietzsche se expressava por aforismas e de forma poética em muitas obras, o que dificulta a compreensão e interpretação de suas ideias. Nietzsche era filólogo e por isso usava  a mesma palavra com diferentes significados de acordo com a ocasião.


O leigo que quer ler Nietzsche irá entendê-lo? Não. E o pior será quando o leigo achar que o está entendendo e sem consultar nenhum professor ou especialista para ajudá-lo. Então Nietzsche será deformado e apresentado de forma bestial: como inimigo da moral, nazista,  a favor do caos social, dos massacres e das guerras; um antissemita, místico ou relativista absoluto de qualquer verdade. 


Por favor: leiam livros introdutórios da filosofia de Nietzsche. Consultem especialistas ou professores capacitados. Vejam vídeos no Youtube de Scarlett Marton, Viviane Mosé, Oswaldo Giacoia ou Clóvis de Barros Filho. Para que entendam o básico de Nietzsche antes de começar pelas suas obras mais aclamadas e difíceis em ler.


-Gabriel Meiller


-Scarlett Marton 


https://youtu.be/r0gaysPg-cQ?si=3jR5cPg6cTmziYFA


-Clóvis de Barros


https://youtu.be/4xXrZprnPlk?si=KOU2YjQ9Pkylama4 


-Viviane Mosé


https://youtu.be/_xP-RIKX7SI?si=TYBUaKJ443ByQKuR 


- Oswaldo Giacoia


https://youtu.be/qDAHX8KnFz0?si=5STE5GsFS3zNN-w5

sábado, 13 de julho de 2024

O novo ópio do povo

 


"A religião é o ópio do povo..." constatou Karl Marx. Sim, ele estava certo em suas análises e constatações sobre as engrenagens do capitalismo.  O marxismo é uma excelente análise do modus  operandi do capitalismo, não há dúvida. Entretanto, o grande delírio marxista é a solução do problema que essa teoria visa postular: a extinção do capitalismo como crença de que o mundo terá a melhor versão da humanidade. 


O fim do capitalismo significa a redenção da humanidade, seja essa redenção parcial ou plena? Loucura! Os problemas da humanidade são inerentes a ela desde que o mundo é mundo. A humanidade nutre o instinto de acumulação, isto é, a famosa ganância. A hierarquia social também é algo precedente que remete aos primatas e outros animais e não somente ao homo sapiens. Neste sentido não estou fazendo um juízo de valor da hierarquia e da ganância, mas apenas observando esses fenômenos como fenômenos inerentes ao ser humano até o momento. 


E a grande aspiração marxista postulou alguma solução pré-capitalista para esses problemas? Se postulou, quais as possibilidades reais de aplicação dessa solução? Essas problemáticas certamente são árduas  e exigem muita ponderação antes da chegada da esperança de um  mundo melhor. Será possível alcançar o delírio marxista de que se poderia estabelecer algo próximo de um paraíso na Terra? O anarquismo criticou o socialismo justamente por postular que a transição do capitalismo para o comunismo seria bem sucedida ao colocar o Estado como meio de transição sem considerar a iminência de corrupção do proletariado que estaria no controle do Estado. 


Resumindo a problemática: podemos dizer que Marx foi assertivo em sua análise, mas delirante em sua proposta de solução. Marx secularizou a redenção cristã e transformou o marxismo em um potente ópio para o povo que acredita ter consciência de classe, nutrindo a esperança do paraíso na Terra por meio da cartilha da militância e do evangelho de Marx. Antes que a esperança se restringisse a um plano inexistente chamado de céu, pois  assim, após a morte,  a frustração não viria sob forma de amargura.  Mas a esperança foi tida como algo possível de se concretizar neste plano, tomado pela natureza humana hobesiana  que reina sem nenhum pudor e adoece cada vez mais o coração marxista iludido por uma metafísica secular. 


Em resumo rudimentar: o marxismo como solução é uma esperança refinada, mas nem por isso menos errônea e no final: uma ilusão amarga. 


-Gabriel Meiller

quinta-feira, 11 de julho de 2024

A coragem do desenformamento

 

Desenformar, tirar da forma... das formas normativas! As normatividades não são apenas fruto do tão atacado capitalismo e seus tentáculos. As formas estão presentes nos contrasistemas que criticam o próprio sistema vigente. E muitos dos desconstruídos da moral capitalista nutrem sua própria nova normatividade: a da redenção das mazelas do mundo por meio da utopia marxista. Vamos para além de qualquer sistemática moral de todos os espectros: montemos nós a nossa própria concepção de mundo,  pautada em sistemas morais de forma parcial, sem nutrir a obrigação para com os dogmas laicos, visto que não precisamos mais alertar para os velhos dogmas: os religiosos. São os novos dogmas que estão seduzindo os homens seculares de forma avassaladora. 


O desenformamento individual significa a coragem para o indivíduo ser contraditório num mundo que prega harmonia ideológica. Nós, seres humanos, nunca fomos harmônicos em nada, apesar de amarmos nos iludir nessa crença da harmonia. Sim: podemos acreditar na ciência e em demônios; sim, podemos pregar equidade social e sermos egoístas; sim, podemos ser, no limite, hipócritas. E mesmo se não fosse permitido, seríamos mesmo sem almejar ser!  


Tenho orgulho em ser covarde e em admitir a minha covardia em um mundo que prega coragem sem limites e que no final pode liquidar a minha vida. 


Tenho orgulho em ser individualista e egoísta em um mundo que prega a predominância da coletividade até o ponto de esmagar e massificar as individualidades por meio da moral de rebanho e do "tu deves" moralista dos religiosos ou dos marxistas: essas são duas faces de uma mesma moeda. 


Tenho orgulho de ser vagabundo em meio ao espírito empreendedor e à moral puritana de que o trabalho enobrece. Quero a redenção do sistema de opressão trabalhista que faz o trabalhador achar que precisa ser uma massa moldável a todas as decisões dos que batem a meta e depois a dobram só por capricho! 


Tenho orgulho de ser pecador em meio a uma cultura pseudolaica e que mistura constantemente a política pública com a moral religiosa. Quero, sim, ir para o chamado "inferno" e para  "o caminho da perdição" daqueles que acreditam que herdarão novos céus e nova terra após a morte. Vosso deus é o próprio diabo que deixou o inferno para se preocupar com aborto, homossexualidade, fornicação e qualquer asneira que vosso livro prega, não é mesmo? Então nada mais justo que eu vá para onde ele não estará: no inferno. 


Tenho orgulho em não ceder e não vender minhas ambições a qualquer um que queira me amalgamar em alguma visão de mundo que ofereça homogeneidade e harmonização. A harmonização é a morte do ego, a amputação da diversidade, da verdadeira diversidade que nem os marxistas entendem porque nutrem o ideal de harmonia e igualdade social ao mundo.

 

O que mais dizer? A coragem do desenformamento exige uma única renúncia: não renunciar em nada que seja pedido por outrem. Não existe uma renúncia inerente à vida, a não ser a renúncia por quem percebe que ela é necessária e de bom grado para si próprio. 


-Gabriel Meiller 


terça-feira, 2 de julho de 2024

Um sem-vergonha



Sim, sou um belo de um ridículo; daqueles que não tem vergonha e não se interessa pela correção alheia expressa nos olhares de desaprovação ou de caçoamento.  


Sim, eu sou um fanfarrão que não tem pudor em dizer uma coisa e fazer outra. Eu digo: nunca mais... e no dia seguinte estou lá, cultuando meu inferno. Eu digo: sempre amarei, mas em algumas semanas estou fazendo ataques sistemáticos àquilo que amava. 


Eu sou o homem do subsolo, composto por Dostoiévski; perdi as contas de quantos indivíduos me acharam ridículo e eu ainda disse: é verdade! Perdi as contas de quantas vezes voltei com a minha ex; perdi as contas de quantas vezes eu fui cínico só por divertimento e por tédio.  A verdade é que sou isto: contraditório. E deste pecado eu não me privo, pois só se contradiz quem tem direito a mudar de opinião e faz da vida o que ela é: dinâmica. 


E alguns se inquietam com minha inteligência e perguntam: porque você é tão inteligente? E eu respondo: porque eu sou ridículo. E só é inteligente quem não tem medo de sair da tutela dos sensatos da moral da discrição. Só é inteligente quem não tem medo de se perder quando mergulha em diferentes atividades e áreas do conhecimento e de repente se sente em contradição, pois "conhecer" significa lidar com as "contradições do mundo". 


Ah... a maioria é covarde; a maioria das pessoas decepa versões de si  mesmas para que haja uma falsa harmonia: em desejos, em pensamentos, em ações. É por isso que eu sou ridículo: porque em mim habita a complexidade da vida e seus dinamismos! Em mim impera a eterna briga de pulsões e aspectos da vida, como: "sins" e "nãos",  "bons" e "ruins", "lealdades" e "traições", "humildades" e "arrogâncias". 


Aos que concordam com minha loucura, vos ofereço a coragem de serem o que o devir vos oferece. Aos que repudiam minha visão da vida, desejo-lhes um eterno foda-se, pois também são dignos do meu ódio, assim como seriam do meu amor: pois a indiferença é o contrário do amor e não o ódio. O ódio é o amor expresso de forma agressiva e visceral. Nisso também vos amo: odiando-vos e considerando-vos como dignos do combate, do constante confronto do Ágon. 


Eu sou aquele que transcende a dualidade por meio de uma ponte desvirtuosa e detestada pelos sensatos: a contradição. 


-Gabriel Meiller

terça-feira, 25 de junho de 2024

O verme no coração do homem: o ressentimento



Em cada vão dos esconderijos do coração lá  ele está; está lá o verme que clama contra o medo da irrelevância e da solidão. Os vermes precisam de substrato para crescer e se multiplicar, os vermes precisam se alimentar das doces consolações: não do verídico ou do que a amarga verdade pode oferecer, seja lá o que este trocadilho da linguagem cheio de esterco signifique.


 As doces consolações são: o ajuntamento dos vermes que juntos se sentem menos vermes e até poderosos organismos vivos. Um dos substratos contra a verdade e em favor da mentira é o ressentimento. 

Já foi ilustrado e todos sabemos: a verdade não nos interessa como espécie humana, a não ser uma verdade que nos preserve e acalme o medo primitivo do nada, da possibilidade do esquecimento eterno: da inexistência. Todos temem a inexistência pelo fato dela ser inimaginável e por isso o medo e a esperança, como apaziguamento desse medo primitivo, são as duas emoções mais exploradas pelas religiões e por qualquer outro sistema de ajuntamento humano.  Até que ponto a vontade de verdade é verdadeira? Não seria mais correto dizer a vontade do desejo? 

 A mentira (seja lá o que isso for, além é claro, de uma oposição à desconhecida verdade) está unicamente a serviço de algo: do desejo! E o desejo é mais forte do que o próprio prazer, pois o prazer é enjoativo quando excessivo e repetitivo, mas o desejo... é insaciável por natureza porque sempre muda de objeto para objeto. O desejo é niilista porque persegue o interminável e o inexistente: a completa e definitiva realização do prazer que se chama felicidade para alguns.


É do desejo de prazer que bebemos todos os dias, acreditando que a Coca gelada, o aprimoramento de nós mesmos, a riqueza e a vingança (nada melhor do que ver alguém que odiamos se fuder) será a experiência definitiva que nos levará à felicidade.  


Mas o que é felicidade? Eis aí mais um fantasma linguístico junto com a verdade. Eis aí a nossa busca por conceitos tão abstratos quanto Deus. 

Vejam, os seres humanos mantiveram seu hábito próprio de animais instintuais: se abrigam em grupos de todas as naturezas e orientações e pelo menos nisso são mais concretos. Mesmo que essa atitude de arrebanhamento seja para fugir da falta de sentido e para compartilhar o ressentimento desta falta de sentido. 


Quem olha espantado aos documentários sobre o nazismo na Alemanha se pergunta: como puderam apoiar tamanha atrocidade? Mas se estivessem imersos no meio daquela população de ratos com orgulho ferido e repleto de ressentimento, provavelmente se comportariam como saudadores da catástrofe que estava por vir. Aonde a ética foi respeitada naquele caos em que estava a Alemanha? Ali estava valendo o totalitarismo como ferramenta para a mentira consoladora dos alemães: de que eles eram os melhores, de que eram bons; a mentira foi um instinto para ignorar o que sentiam: humilhação e ressentimento pelo cenário pós-Primeira Guerra e pós-Crise de 29. A democracia, outro ideal que visa combater o medo da irrelevância social dos que se submetem ao governo dos poderosos, estava sendo deixada de lado em nome da amargura em serviço do ideal nacionalista doentio. Os ressentidos alemães nazistas preferiram a privação e a guerra que “traria a glória” a eles do que a paz e a irrelevância que os nadificavam perante as demais nações, venerando assim a mentira antissemita e belicosa.


Sendo assim, os movimentos totalitários e seus líderes representam um bando de vermes aglomerados que gritam: com este fascismo (ressentimento compartilhado), seremos mais fortes juntos (“fascismo” advém da palavra latina “fasces” que designava um feixe de varas que juntas não poderiam ser quebradas dentro do simbolismo fascista) e toda lágrima das mazelas anteriores será enxugada; o que muitos não previam era aquele cheiro bem distinto de... carne humana queimada que saia pelas chaminés dos campos de concentração.


 A vingança dos alemães ressentidos gerou mais ressentimento  entre os judeus... e comoção internacional da comunidade que resolveu propiciar a criação do Estado de Israel. Mas as sementes do ressentimento que germinaram no coração judaico foram foram transferidas ao coração palestino. O ressentimento é a poderosa semente que cai em terras áridas e germina de forma próspera; os russos que o digam. Bem verdade é que ainda estão dizendo e ainda dizerão de forma ainda mais contumaz.


   Mais primitivamente, entretanto, a afirmação de ressentimento se condensou nas religiões: os sacrifícios humanos como oferta aos deuses em troca de prosperidades da Terra; os cultos para manter as divindades próximas das sociedades por meio de mais sacrifícios; a submissão carrasca do corpo ao elevado espírito que era eterno. O que era tudo isso senão medo do mundo desconhecido que, sem a figura dos deuses, não teria um consolo explicativo? Preferia-se acreditar que a Terra dava seus frutos por meio do derramamento de sangue como moeda de troca a um(a) deus(a) do que ficar na escuridão da dúvida e da ausência de explicação do caótico mundo e seu funcionamento misterioso. Todo o uso de crenças-ideológicas como máquina de guerra é um sintoma do coração humano: ali há fraqueza e reafirmação ressentida. A violência sistemática é uma reação advinda de um medo específico. E que medo é esse? É o medo da irrelevância e da falta de sentido. 


-Gabriel Meiller

domingo, 23 de junho de 2024

O abismo da subjetividade entre "nós" e o "mundo"

 


A terceira ferida narcísica imputada à humanidade (ou melhor: humanivaidade) foi desferida psicanaliticamente por Freud. Embora, devamos ser justos aqui: a noção de vários eus que lutam contra si mesmos e causam conflitos no indivíduo tenha vindo das considerações filosóficas de Nietzsche. 


Entretanto, mais conhecidamente em Freud podemos dizer que a terceira ferida imputada à humanidade foi essa noção de que somos limitados em nossa visão de mundo e corrompidos por nossas fantasias e, no caso dos traumas, dos fantasmas! 


 Nossa tão ilustre razão, ou melhor, nossa fantasia de racionalidade como guia para a vida, foi devastada sistemáticamente após o fracasso do positivismo como crença de que a razão e a ciência  levaria ao progresso moral da humanidade. 


Se a nivel societal essa constatação é evidente, talvez no nível individual ela seja mais sorrateira e pouco entendida. Empiricamente e de forma consciente acreditamos que nossas percepções do "externo" são objetivas e exatas. Entretanto, enxergamos o mundo, como demonstrou a noção psicanalítica, por meio das nossas experiências gerais da infância e da adolescência. Por que certas pessoas simplesmente não gostam de outras antes mesmo de se conhecerem? Sabe aquela pessoa que olha para a cara da outra e simplesmente decide não gostar, como um ódio à primeira vista? Isso é uma evidência de que as "lentes" do indivíduo que odeia são previamente determinadas; tal pessoa odiada pode lembrar, no banco de memória inconsciente daquele que odeia, uma pessoa que passou por sua vida e lhe fez mal. 


Essa associação inconsciente é muito comum já que nosso cérebro possui padrões associativos sofisticados. O clássico exemplo da esposa que parece a mãe do marido é conhecido por muitos: ela pode lembrar a mãe de seu marido pela sua personalidade mais ativa ou retraída, bem como por alguma feição física ou por possuir algum objeto, propriedade que a mãe daquele possuía. Nossos pais (ou quem faz a função paterna  e materna em nossa vida infantil) são os primeiros modelos de nossa sexualidade. A mãe de um homem sugestiona perfis psicológicos que ele pode querer ou não na vida adulta: ela pode ser uma referência de mulher que ele não desejaria, bem como uma referência que ele desejaria (no contexto de um filho heterossexual). 


Nossa visão de mundo pode ser distorcida de forma mais radical por meio dos fantasmas, que seriam traumas passados que modificam nossa percepção do mundo muito além do que uma pessoa regida por suas fantasias teria em questão de intensidade. Uma pessoa que sofreu ou levou determinadas situações como um abandono pode distorcer muito mais um acontecimento do que em outras  pessoas. Algum amigo que simplesmente se atrasa para se encontrar com este indivíduo traumatizado pode gerar nele especulações extremas, como: será que ele se atrasou porque não estava afim de me ver? Será que ele não está interagindo porque não gostou do lugar que eu escolhi? 


Em resumo: há um abismo entre o mundo exterior e nossa interpretação desse mundo exterior somente na dimensão da fantasia. E na dimensão do fantasma essa distorção aumenta de forma avassaladora. Não somos, de forma alguma, senhores em nossa própria casa e somos um reflexo de muitas variáveis que nos habitam de forma ininterrupta. 


-Gabriel Meiller 



sexta-feira, 14 de junho de 2024

A política da fé dos melhoradores da humanidade

 

Se existe algo que move a humanidade, inclusive para o inferno existencial, é a esperança! A esperança pode se tornar obstinada em qualquer direção e disposta a qualquer atitude: as mais automartirizantes e sacrificiais, tanto quanto as atitudes horripilantes e de genocídio. Certamente Hitler se via como melhorador da humanidade, assim como Mahatma Gandhi. "Desconfie dos melhoradores da humanidade" adverte a razão e os próprios instintos, "pois eles sabem que quem muito quer vender seu peixe, sabe que ele está para vencer e estragar a qualquer momento."


O que dizer da política? Ela é um veículo de poder para que o homem mude a realidade da comunidade ao seu redor. A política é a administração da pólis, isto é, das cidades e países em geral. Entretanto, a política também é um caminho subterrâneo para a administração e usufruto das benesses do poder em proveito pessoal. O homem é seduzido pelo poder que a política lhe oferece, concedendo-lhe: influência, dinheiro e prestígio perante a sociedade. 


Os melhoradores da humanidade podem muito bem desejar e ter desejado um dia a mudança da humanidade, ou pelo menos de parte da sociedade; mas não se enganem, senhores: a ingenuidade é a barra de ignição para o bem, mas a sedução do poder altera o estado mental humano até o ponto em que a utopia e o desejo de mudar a sociedade se torna um pálido reflexo da ingenuidade sadia do cidadão que um dia assumiu o poder. Querem exemplos, ainda? Napoleão, Stalin, Lênin, Hitler, Mussolini;  Getúlio Vargas, Lula, Fernando Henrique Cardoso (o sociólogo acadêmico que no poder praticou tudo diferente do que escrevia), Collor,  e o seu Edmilson que era pobre, ferrado e abriu uma empresa e agora quer distância do populacho e vive em uma casa financiada na parte nobre da cidade. A corrupção, ao contrário de Edmilson, não faz acepção de classes sociais e é por esse motivo que o anarquismo criticou a ditadura do proletariado e a transição do Estado proletário para uma sociedade sem classes: ela não funcionaria e... se funcionasse algum dia, no dia seguinte ou, no mais tardar, na semana que vem... o mundo estaria hierarquizado novamente! 


Quem representa a política da fé? Óbviamente quem se interessa em fazer revoluções e mudar o status quo em que os donos do poder tanto se agradam. Mas a política da fé peca! Não por sua intenção, mas por sua ilusão e ingenuidade em seus métodos. Karl Marx analisou de forma magistral toda a opressão que o ser humano cometia por meio das engrenagens capitalistas, isso é verdade! Entretanto, o erro marxiano e dos marxistas se baseia na crença de que a humanidade pode se redimir e caminhar para a abolição da luta de classes e do Estado. Ah... doce e amarga ilusão para os que se desenlaçam dessa semirreligião marxista! Sim, nas ciências da religião o marxismo possui traços em comum com as religiões e por isso, junto com outras ideologias, ele se enquadra na definição de semirreligião. 


Além desse erro de supervalorização na razão humana como capaz de redimir o homem e domar seus instintos predatórios de acumulação e luta contra o outro, o marxismo cai no erro que Nietzsche tanto criticava, não somente nas ideologias de esquerda, mas na filosofia de sua época: a metafísica presente nas ciências e na filosofia. A metafísica compartilha o pressuposto de que o mundo é consequência de um plano perfeito,  imutável e de que essências fixas desse mundo existem em nosso plano. O conceito de alma e a noção de um Eu fixo que comanda todas as nossas funções e nosso corpo é uma consequência da metafísica de forma geral. O marxismo, decorrente de influências hegelianas não escapa desse fatalismo que abateu a filosofia. O crente no materialismo histórico e dialético compartilha o pressuposto do paraíso na Terra. O marxismo enxotou o conceito de deus e ficou com as consequências lógicas dele: a justiça, paz e harmonia que seriam da "era vindoura" que o cristianismo tanto pregava.  "Um ateísmo cristão?" Se espanta quem cava a fundo e observa atentamente as movimentações conceituais marxistas. São ateus cristãos sem deus, devotos do espírito do cristianismo primitivo sem a referência metafísica dos ídolos do cristianismo.  Revolucionários do "Cntrl C, Cntrl V" que se entusiasmaram pelo culto à igualdade por meio da ditadura do proletariado. 


Quando falamos sobre luta de classes, o congelamento entre "opressor" e "oprimido" é mais um sinal de uma metafísica viva e operante no materialismo dialético e no marxismo. Os seus devotos operam como apóstolos da luta contra a opressão, reivindicadores e profetas da igualdade. Pois bem, senhores: vossa causa é justa, mas não atropelem os próprios cavalos que carregam vossa carroça. 


Resumindo tudo em uma premissa ceticista: a realidade sempre estará quilômetros à frente da razão humana e de qualquer tentativa do homem em controlá-la e entendê-la de forma integral. O progresso e a mudança possuem limites... mesmo que não saibamos ao certo quais são esses limites. 


-Gabriel Meiller

terça-feira, 11 de junho de 2024

A filosofia de um filólogo

 



Havia um tempo em que o homem gostava de filosofar e que a filosofia era sinônimo de refinamento do senso comum. Haviam tempos em que o refinamento intelectual de alguns homens significava tornar as premissas bíblicas mais palatáveis à razão por meio de erudição teleológica. A filosofia, então, passou a ser associada a uma escola dominical de rebentos descolados demais para irem aos cultos, mas corajosos de menos para questionar as premissas metafísicas fundamentais daquela sociedade, visto que questionar aquelas premissas significava questionar as suas próprias origens. 


Vocês conhecem algum conhecido que é sensato demais para não seguir a risca o fundamentalismo cristão, mas covarde demais para desconstruir a moral cristã em seus fundamentos? Ele mantém a crença de que Deus criou o mundo e que ama a humanidade; acredita que Jesus e outros líderes foram importantes no progresso moral da humanidade... mas não assume a crença de forma integral. Ele não se priva do sexo antes do casamento, ele fuma, bebe e vai em festas... esse conhecido é o exemplo de um homem covarde! Digo mais e de forma vernácula: ele(a) é um cuzão(cuzona). Não fede, nem cheira; nem quente, nem frio... vomitável! 


Pois bem... no século XIX vários desses conhecidos filósofos europeus estavam fazendo da Europa um lugar que cultuava o adiamento da morte de Deus.  Eles gostavam de acreditar nas doces consolações da religião cristã, ou de pelo menos sustentar algum teísmo aceitável; os filósofos construiam seus argumentos com base no vontade de acreditar em algo que os consolasse: assim fez Kant e os idealistas alemães. Era uma filosofia como reafirmação e reciclagem do que estava obsoleto; uma reforma da metafísica por meio do culto ao não falseável como sinal da existência da verdade eterna! "Ausência de evidência não é evidência de ausência!" repetiam frenéticamente os desesperados por sentido. Oh, coitados! 


Então um filólogo surgiu com a árdua tarefa de ressignificar o sentido da palavra "filosofia" aos demais filósofos. A filologia foi de especial utilidade para a filosofia; o estudo dos rastros da mentalidade humana expressa nas palavras é uma ferramenta imprescindível ao filósofo. As palavras são fontes históricas imateriais, mais do que documentos oficiais que afirmam dizer supostas verdades por meio de um idioma. Uma história das mentalidades da humanidade transita pelos significados que ela dá ao mundo e a si mesma por meio das palavras e de suas modificações nos inúmeros idiomas. É por isso que um filólogo do século XIX teve vocação para a filosofia mais do que os próprios filósofos: ele aprendeu a rastrear o nascimento das morais, ideias e da psiquê humana. 


Se Freud desenvolveu a  psicanálise (a análise por meio da fala/discurso) foi porque antes dele veio um analista por excelência: o analista do discurso coletivo! Nietzsche analisava as morais das sociedades e dissecava a origem das palavras de muitos idiomas. Em Genealogia da Moral e Além do bem e do Mal é notável como o dissecamento etimológico o permite concluir a diferença da moral dos nobres e moral dos escravos.  O bom e o ruim; o bom e o mau; são máximas de sua análise investiga a moral por trás de cada classe social. Os nobres consideravam como "bom" aquilo que eles faziam e honravam: a tradição, o antigo, o igual; "bom" era tudo aquilo que era feito e produzido por eles mesmos. Eles, os ativos e criadores de valores, eram a referência do bom, ou seja, do que era nobre! Já o "ruim" era tudo o que não era igual a eles, isto é, o desprezível, o escravo, o forasteiro, o "não nobre". 


Essa lógica se inverte quando os escravos moralizavam o mundo: "mau" é tudo o que é nobre, tudo o que é bom na visão do nobre, isto é: tudo o que é agressivo, tudo o que representa riqueza, esbanjamento, perigo e domínio. Apenas o que é inofensivo, pacífico, misericordioso é considerado bom para a moral dos escravos, isto é, daqueles que estão em opressão. Essa observação nietzschiana em uma época de filósofos dogmáticos foi um grande achado: entender que as morais e o conceito de bem e mal são criações humanas de inúmeras classes e sociedades. De que o bem absoluto não existe e de que a Bíblia também é uma construção humana, demasiada humana e produto de uma sociedade específica: uma sociedade de cativos que viveram como escravos em muitos exílios e que também pensavam pela moral dos escravos. O Deus judaico-cristão, inevitavelmente, era uma construção e projeção de um povo aflito por exílios e domínios de outros povos. Por isso, o Deus cristão foi idealizado com todas as características que o povo judeu escravizado desejava que os demais povos tivessem demonstrado para com eles: um Deus misericordioso, bondoso, complacente... um democrata entre os deuses! 


Esta é a filosofia de um filólogo: refinada e sutil para rastrear a evolução das morais humanas ao decorrer do tempo.  O olhar típico de um historiador, isto é, daquele que que estuda a criação das morais, é cético  à moral eterna pelo fato de que possui consciência de que tudo nasce, se desenvolve e um dia morre. A premissa de que algo sempre existiu e sempre existirá é abraçada pelos "filósofos" da metafísica, pelos amantes do que não é falseável.


-Gabriel Meiller

quinta-feira, 6 de junho de 2024

O âmago da filosofia de Nietzsche em "Além do bem e do mal": o varredor da metafísica filosófica.

 




 

Nietzsche é conhecido na filosofia pelo seu senso de humor provocativo e pelo seu perspectivismo, muitas vezes confundido pelos leigos e preconceituosos como uma contradição inerente do autor. O perspectivismo nietzschiano é a constatação de que a realidade possui verdades plurais e complexas demais para que alguém possa afirmar de forma convicta que sabe de algo.


Nietzsche começa a primeira parte de seu livro como se fosse um Sócrates 2.0, visando confundir seus "adversários" por meio de perguntas. Nietzsche critica muitos pressupostos considerados verdadeiros pela tradição filosófica Ocidental, como: a noção de um Eu racional e imutável, como quis o cartesianismo por meio da simbologia "Penso, logo existo". Essa frase coloca e reafirma a supremacia da razão sobre os demais sentidos, como se a verdade fosse subjugada e pertencente à razão e como se as emoções não fizessem parte dos julgamentos. O que Descartes fez senão sofisticar o platonismo milenar? Essa é a crítica de Nietzsche: Descartes continuou mantendo as premissas do pensamento metafísico na filosofia ao acreditar que o pensar é produto de um Eu racional e imutável (assim como Deus), mantendo o dualismo presente na filosofia da época: de que há um Eu de um lado e o mundo de outro,  dando a entender que nós e o mundo somos separados. 


Nietzsche questiona os filósofos por não serem críticos tanto quanto costumavam acreditar. Ele os acusa de  filosofar com base em suas crenças pessoais e sem questioná-las. A oposição entre conceitos, uma valiosa premissa da metafísica, é cultuada entre aqueles filósofos: a verdade como oposição à mentira; a justiça à injustiça; o bem ao mal; o egoísmo ao altruísmo... como se fossem conceitos separados e opostos intrínsecamente entre si mesmos. 


Mas será que também não há egoísmo no altruísmo, ou será mesmo que há possibilidade de existir o altruísmo sem o egoísmo?  Freud posteriormenre irá mostrar que tudo é obra do ego, ou seja, tudo seria "egoísmo" e tudo teria interesses próprios em gratificação pessoal: sejam interesses conscientes ou inconscientes.  E se esses conceitos "opostos" forem uma mesma característica empregada em lados diferentes? E se forem vistos de forma diferente de acordo com o julgamento de cada pessoa? E se o egoísmo for tão fundamental e importante quanto o altruísmo?  E qualquer um que esteja disposto a pensar nessas críticas, seria como um filósofo perturbado pela ironia socrático-nietzschiana. 


O que Nietzsche estava querendo fazer na primeira parte de seu livro? Ele almejava expurgar o parasita metafísico que se infiltrou na filosofia, tornando-a  um cadáver putrefado pelo conflito de interesses. Muitos filósofos estavam dispostos a reafirmar suas crenças por argumentos  eruditos ao invés de proceder pelo questionamento cruel das velhas verdades do senso comum.


 O expurgo nietzschiano da filosofia almejava demolir as premissas não falseáveis do idelismo filosófico, principalmente por meio da crítica a Kant. O pressuposto de algo fixo e imutável deveria ser varrido para sempre do ofício do filósofo. O fixo e imutável, o nômeno, Deus, a eternidade... todos esses "pré-juízos" eram inimigos da busca às verdades da existência. Nietzsche começa o livro ridicularizando os filósofos dogmáticos ao dizer:


"Supondo que a verdade seja uma mulher, não seria bem fundada a suspeita de que todos os filósofos, na medida em que foram dogmáticos, entenderam pouco de mulheres?" 


Poderíamos parafraseá-lo, dizendo: "Vocês nerds inteligentinhos não pegam nem mulher, nem a verdade; são péssimos em pegar qualquer uma dessas coisas, porque não sabem como se aproximar delas!"


Nietzsche era um comediante, alguém que sabia que a despretensão filosófica era a chave do conhecimento: a despretensão ocorria no fato de que suas críticas e sua filosofia não pretendiam construir algo definitivo, mas consistiam muito mais em questionar o que os demais pensavam ser A Verdade definitiva. Nietzsche foi o verdadeiro Sócrates que deu certo ao reconhecer a existência como ela é: complexa e incerta ao olhar perspectivista humano! 


-Gabriel Meiller

quarta-feira, 5 de junho de 2024

O excesso de ideologia como vício identitário

 


Um punhado de ideologia e o bando se reúne; dois punhados de ideologia e ele se secciona em guetos. Ideologia é o cadáver morto da filosofia e o niilismo a esperança de quem teve relações sexuais com esse cadáver. 


O niilismo é a negação da vida e o desprezo dela por inúmeras formas criativas. Já repararam no homo-ideólogos? Ele examina bem cada palavra, cada confissão que o outro faz e se atenta a repreendê-lo como um fiscal epistemológico, como um cão de guarda da Verdade. Mal sabe ele que vive pela sua verdade, enquanto os outros vivem pelas demais e isso nunca mudará. Aonde está a verdade verdadeira e quem pdoe defini-la? A incapacidade de responder essa pergunta sem soar ridículo demonstra a fragilidade do homem diante da existência como uma complexidade epistemológica irreconciliável. 


O ideólogo cai num tipo de niilismo bem peculiar, como se fosse uma mistura entre o ativo (a reafirmação de uma ideologia) e o passivo (negação de todos os demais ideais que não coadunam com esse ideal). O ideólogo torce os conceitos na maioria das vezes para que eles caibam em seu mundo idealizado que prega sobre "como o mundo deveria ser".   E então a filosofia como postura cética que questiona para se aproximar de alguma intuição/noção (mesmo que subjetiva) de "verdade",  é sacrificada em prol de um bom motivo para se morrer, como diria Albert Camus. Pois um bom motivo para  viver, também é um bom motivo para se morrer, ou melhor, para tirar a própria vida em ato de desespero. 


Mas para que tanta ideologia? Alguém perguntaria, desconfiando que no fundo sabe e também pratica isso. E a resposta ressoa de dentro: para sua autoafirmação diante do mundo! Seja uma ideologia por meio de argumentos racionais e eruditos, seja uma ideologia encarnada em práticas concretas que exibem força, poder e autoridade. "A vida é vontade de poder", disse Nietzsche. O que é a vontade de poder? Ela significa literalmente: um desejo ativo de poder fazer algo, isto é, colocar sua vontade, seu controle no mundo, alterando a realidade. O ser humano gosta da sensação de controlar e modificar o mundo, assim como um artista gosta de esculpir/criar algo e ver o quão prazeroso isso foi pelo fato de ter sido obra sua! 


Essa vontade de poder, porém, faz da humanidade o que ela é: uma luta de forças constantes e contrárias. Aos ideólogos que insistem em fazer da humanidade um lugar melhor, desejo-lhes força para vencer as próprias frustrações decorrentes do adiamento constante e infinito dessa esperança provavelmente ingênua. A humanidade com sua teimosia tem muito mais a ver com apreciação, choque, espanto e admiração do que: controle, luta de classes, transformação, etc. A humanidade é o feitiço lançado pelo feiticeiro e que saiu de controle há muito tempo


-Gabriel Meiller.

domingo, 2 de junho de 2024

A fraqueza do homem e Deus como seu sintoma

 

O que é Deus? Essa pergunta não tem resposta certa e absoluta; então a resposta mais adequada deveria ser: não se sabe.  Mas como todos gostam de cultivar a sua verdade e brincar de desvendar o cosmos, posso me arrogar a trazer pareceres lógicos com base nas ciências e na filosofia: Deus é a necessidade e o sintoma que vem da fraqueza humana. 


O apóstolo Paulo trouxe a máxima que supostamente ouviu de Deus: "Minha graça é suficiente para você, pois meu poder se aperfeiçoa na fraqueza." 


"Fraqueza" é a palavra adequada, senhoras e senhores. É pelo medo da morte, de tomar decisões e criar novos valores que o homem é fraco. A fraqueza impele-o para o niilismo cristão. O que é niilismo? É o desamor à vida, o desprezo a ela em várias instâncias.  E o niilismo cristão nasce justamente dessa fraqueza: o medo de viver e de aceitar o mundo como ele é: finito e temporário. É nessa fraqueza que o poder de Deus (ou deuses) se fortalece e o ser humano monta a sua fábrica de ídolos monoteístas e politeístas por meio das religiões. 


O que o cristianismo, ou melhor, o niilismo cristão prega? Que essa vida é transitória e inferior à vida vindoura: 


 "Olho nenhum viu, ouvido nenhum ouviu, mente nenhuma imaginou o que Deus preparou para aqueles que o amam"; disse a Escritura. 


O que é esta vida perto da vida que virá e que é eterna? Nada. O que é este corpo finito perto do corpo "glorioso" e eterno que virá? Nada. E então o cristianismo incrementou esse niilismo com o platonismo que também prega que esse mundo dos sentidos em que estamos é imperfeito e que o mundo inteligível, o mundo das ideias (para o cristianismo, o mundo espiritual) é o mundo que mais importa. 


O cristianismo assaltou o platonismo e o plagiou de forma cruel para se sofisticar cada vez mais. E se o mundo posterior é o mais importante... essa vida aqui não merece tanta atenção e os instintos, as obras da carne, devem ser renunciadas. A vida é levada em banho maria em prol de um futuro incerto. Há um cheiro bem específico aqui: o medo de viver e de escolher por si mesmo! 


Mas para o homem forte, aquele que escolhe por si e cria seus próprios valores, Deus pode ser qualquer coisa, inclusive: nada! Que sejamos fortes para que em nós Deus e seus representantes não nos assaltem em nada, principalmente no amor à vida e na possibilidade de montarmos os nossos próprios valores. Sejam eles "bons", sejam "ruins". 


Sem mais: carrego em mim as marcas de Cristo; e essas marcas são inúteis e desnecessárias. Que os fiscais de Deus carreguem como camelos as normas do livro sagrado, mas não se oponham aos que preferem ser livres, verdadeiramente livres do peso do niilismo cristão em um Estado despretensiosamente laico.


-Gabriel Meiller

sábado, 1 de junho de 2024

O apagamento das divisórias e a burlagem do gosto pelo absoluto


Existem linhas... daquelas semelhantes às linhas imaginárias que formam coordenadas geográficas. Os trópicos de câncer, de capricórnio e a linha do equador sociais são os nossos costumes morais que norteiam o que somos enquanto sociedade. E as chamadas divisórias são as linhas de limite entre o que é nosso e o que é do outro; o aceitável e o inaceitável.


Somos uma construção refinada de muitas morais que foram aculturadas em nosso íntimo e que formaram linhas divisórias bem delineadas. Somos emoções complexas  que são resultado de diversos ensinos, crenças e vivências. A forma de amar,  ler e sentir o mundo de forma particular foi impressa nas profundezas de nossa psiquê e mesmo que posteriormente passemos por mudanças  que alterem radicalmente a nossa identidade, as camadas dos velhos eus ficarão sedimentadas em nós de forma permanente. 


"Tudo é disposto de forma que o pior gosto, o gosto do absoluto, seja cruelmente burlado e profanado até que o homem aprenda a colocar um pouco de arte em seus sentimentos..." 


O gosto do absoluto é o que nos faz criar divisórias não somente entre nós e o outro, mas entre nós e os nossos diversos eus antigos. Não somos um eu harmônico, mas uma somatória e uma amálgama de diversos eus. E quando aprendemos a colocar arte em nossos sentimentos, convivendo com nossas contradições, não opondo a verdade à mentira, o egoísmo ao altruísmo, a agressividade à passividade e o nosso bem ao nosso mal... então nós derrubamos essas divisórias artificiais que segmentam nossos eus e nos tornam pobres em sentimento e em humanidade. 


O apagamento dessas divisórias é um convite a vivenciar de forma plena a vida que em si é plural e complexa.


Hoje eu estava andando na praia e ouvindo música e então a nostalgia das músicas de infância/ adolescência emergiu. Antes de ter derrubado essa divisória eu nem sequer me atreveria a escutar  e cantar aquelas músicas. Eram músicas gospel da Oficina G3 e de um eu que hoje já não pensa pelas categorias metafísicas (isto é, acreditando num ser superior que criou o mundo e ama o ser humano). Mas aquele eu de décadas passadas ainda vive nos escombros das amálgamas da minha totalidade. Por esse motivo eu o convidei a ressurgir. Ouvi e cantei as músicas que representam as crenças que um dia eu já tive, sentindo a nostalgia e as implicações passadas daquele eu.  Ao fazer isso eu entendi que isso também é ser historiador: historiador da minha própria vida. 


As crenças metafísicas são um lado meu que não pode e nem deve ser apagado, mas rememorado e acolhido pelos demais eus. Essa é a beleza do fim das divisórias, da queda dos muros de berlim, do fim das oposições que criam o bem e o mal.  E nesse ato eu faço, assim, as pazes comigo mesmo e com o meu passado sem ter raiva do que fui e sendo feliz por quem sou hoje. Embora eu não me reconheça mais como teísta, crente ou religioso, entendo a força desse universo que me fez mais forte ao quase ter me matado. Pois o caos interno que cria uma estrela dançante, também forja verdadeiros diamantes e nuances internas que fazem da vida o que ela é: complexa e misteriosa. 


-Gabriel Meiller 

sexta-feira, 31 de maio de 2024

O animal doente: o homem teleológico


A teleologia é o hábito de dar finalidade às coisas. Poderíamos mencionar a frase "os fins justificam os meios" para isso. Existem diversos ramos na teleologia, isto é, no hábito de dar finalidade a algo. A finalidade do trabalho costuma ser pensada como: enobrecimento do caráter e a possibilidade de sustento aos que vivem no sistema capitalista; a finalidade da musculação é pensada como requisito para "colocar o shape" e melhorar a saúde física e mental. A finalidade da escola costuma ser pensada como a propiciação de condições básicas para criar um cidadão crítico e independente (risos). A finalidade da faculdade  costuma ser pensada como a formação e habilitação do estudante para exercer uma profissão (risos, novamente). 


E a finalidade da vida?  Quem ou o que irá se atrever a colocar uma finalidade a essa metadinâmica? 


Só podem ser as religiões e suas réguas morais e existenciais, é claro. Só podem ser os líderes religiosos atrevidos que são ingênuos o bastante para achar que sabem o que é a vida e o que devemos fazer dela (lágrimas).


"Vivemos para adorar e glorificar a Deus..." diria um protestante ou católico. 


"Vivemos para amenizar o sofrimento dos seres sencientes..." diria um budista. 


"Vivemos para fazer o bem e evoluir aqui nesta vida..." diria um espiritualista. 


E então os mestres da finalidade ganham o status de coachings sobre o sentido da vida. Estes são os verdadeiros mestres da finalidade, os homens teleológicos. E o excesso de sentidos e finalidades que damos à vida podem trazer exaustão, cobranças, medos e angústias. 


Mas... e se quisermos romper com algumas réguas morais normativas? E se nos portarmos como espíritos livres questionadores que desenvolvem sua própria finalidade? Se tentarmos, em alguma medida, cultivar um pouco do além-homem de Nietzsche? Seremos um cão que anda sozinho com a própria coleira na boca, atravessando as ruas da cidade. Nos primeiros momentos, viver sem a finalidade padrão pode nos trazer novos medos e inseguranças, isto é verdade. Mas depois dessa mudança a leveza e o sentimento de pertencimento a si mesmo não têm preço. É necessário, no entanto, vencer o medo do desconhecido e mergulhar (mesmo que de forma tímida) na moral que vai para além do bem e do mal. É necessário definir o seu próprio conceito de bem e mal.

 

E um dos benefícios ao não colocar metas e finalidades em tudo o tempo todo (ou melhor: colocar a sua própria meta e finalidade em tudo) se concretiza na sanidade mental. O relaxamento do córtex pré frontal ocorre quando não há uma finalidade constante nos assombrando e psicossomatizando nossas emoções em sintomas corporais como dores de cabeça, tensão muscular, queda da imunidade, dores de estômago, depressão, ansiedade, etc. 


Se queremos ser mestres da finalidade... que criemos a nossa própria finalidade por meio dos nossos próprios valores para que assim sejamos como o cão da imagem abaixo. 





-Gabriel Meiller

quarta-feira, 15 de maio de 2024

A metamorfose do camelo em "Assim Falou Zaratustra"

 

No primeiro discurso de Zaratustra, após ele perceber que sua missão não era falar às multidões , mas sim agir como um lobo desgarrado que afasta do rebanho as ovelhas oprimidas pela moral de rebanho, ele menciona sobre as três metamorfoses do espírito humano. Os arquétipos são em sequência: camelo; leão; e a criança! 


O discurso de Nietzsche nesse livro ficcional, por meio de sua personificação zaratustriana, tenta encarnar todos os seus principais conceitos já explanados anteriormente, principalmente o conceito do Übermensch (além-homem ou super-homem). E seu primeiro discurso retrata a trajetória na qual o espírito humano terá que  percorrer até alcançar esse ideal nietzschiano. O primeiro estágio a ser superado para que o Super-homem possa emergir é o estado pesado e moralista da humanidade: o camelo. 


O camelo é descrito como  a representação de um espírito forte pelo fato de suportar as pesadas cargas e ainda carregá-las com reverência. Que cargas são essas? São as tradições humanas, ideologias, dogmas e toda obrigação representada pelo imperativo categórico kantiano no qual Nietzsche se opunha severamente: o "tu deves!". O dever, a obrigação em demasia é um aspecto que sufoca o ser humano e o priva de chegar ao estágio criador por excelência. Quem é criativo? Quem não segue padrões a todo momento; é necessário ser transgressor para ser criador (papel que começa no leão e se realiza na criança), porém, o camelo não quer ser criador, e sim um imitador! 


O camelo pode ser representado pelos moralistas, pelos "responsáveis", pelos disciplinados e workaholics que amam o dever e o colocam acima da diversão e do descanso. "Descansa, militante!" diria Nietzsche nos dias atuais. Seja este um militante cristão, seja um militante de esquerda que carrega em seus ombros (como o camelo) o peso do mundo e daqueles que sofreram as injustiças. 


Jesus, o sofredor, é o camelo por excelência. Ele carregou, na mitologia cristã, os pecados de todo o mundo diante de seu pai celeste. Mas, se Jesus era Deus, segundo essa mitologia, a diferença deste personagem para nós... é insuperável. É por esse motivo que a compaixão, um forte ideal cristão, é um desmonte à vontade de viver. A compaixão se ocupa da miséria do outro e o trata como um incapaz. O excesso de compaixão e piedade, somados à caridade compulsória... são venenos que a cultura cristã (aspirante à miséria) nos relega.


O camelo, de outras formas, pode estar em muitas intenções e sistemas humanos. O camelo está no árduo esforço que um funcionário faz para que a sua empresa enriqueça e os filhos de seu patrão gozem de férias na Disney. O camelo está presente no executivo que sai de casa para fazer dinheiro e ganhar o mundo, mas adoece de tanto trabalhar e deixa sua família ao desprezo. 


O camelo também é o moralista cristão que se orgulha em carregar pesos pesados, como o sacrifício e a mutilação de si ao renunciar o mundo real em troca de um suposto mundo vindouro. Ele não fuma, não bebe, não transa antes do casamento, não ouve outros estilos musicais a não ser o gospel... e ele ama se sentir honrado por este peso que o esmaga. Ele ainda pede mais para se sentir digno o suficiente diante de todos. 


O camelo é o frequentador religioso das academias que submete seu corpo a uma maratona incansável para ser admirado por sua estética e músculos; é o cientista e o filósofo que se orgulha em se encher da "erva do conhecimento" e ser reconhecido como sábio e intelectual. O camelo é nosso orgulho clamando por reconhecimento através do sadomazoquismo desenfreado que nos assola. Ele pode ser o superego freudiano que em excesso nos quebra existencialmente ao suprimir toda nossa criatividade e vontade de viver. 


Esta é a nossa dimensão interna chamada: camelo! 


-Gabriel Meiller 


sexta-feira, 19 de abril de 2024

Acolhendo o lado negro: para ser grande, sê inteiro!



Sim,  às vezes eu sou escroto e pau no cu mesmo!  Exatamente: às vezes eu invejo os outros pelos seus pontos fortes e privilegiados. Sim, eu também já trai alguém e fui machista, homofóbico, racista e insensível! No final das contas somos todos impoliticamente incorretos e escrotos e está tudo bem, sim! 


 A culpa cristã somada  à militância política de esquerda (ou direita)fez do nosso moralismo uma caverna que nos distancia do mundo em uma grande hipocrisia! 


Condenamos a nós mesmos e ao outro de forma voraz. Até que ponto isso faz bem? Até que ponto a culpa cultural cristã e seu controle rígido é algo bom? Ser gentil consigo mesmo não significa ser um fascista ou sociopata despreocupado com o mundo, mas é o começo do amor próprio. O amor próprio deve ser por inteiro, sem condicionantes e livre da busca incessante para nos tornarmos um cristal lapidado!  Aceitarmos a nós mesmos com nossas falhas é o princípio de uma vida menos doentia e menos corroída pela culpa e pela cobrança excessiva. 


Vejam bem, meus caros, o mundo é assolado por uma epidemia grave: a epidemia do autoaperfeiçoamento sem limites, isto é, a síndrome do cristal lapidado! 


E sim... eu continuarei sendo pau no cu, egoísta, invejoso e mais outros adjetivos negativos, bem como os positivos.  E continuarei me aceitando e convivendo com meu lado negro. E, sim: irei usar a expressão "negro" independente dos protestos da galera do letramento racial, eles que lutem!  Já dizia o poeta: "Para ser grande, sê inteiro: nada teu exagera ou exclui." E sabem o que eu descobri?  Que eu sou exagerado e dramático por natureza, essa é a minha personalidade na qual muitos reconhecem e que tem características que resvalam no "lado negro" e "lado luminoso".  Sem o meu drama, a minha vida seria uma exclusão, uma cisão e eliminação da minha forma de me expressar !   


Não é possível amputar de nós o nosso lado negro sem também eliminar o lado solar, nobre e alegre! Até quando iremos amputar nossa personalidade e esconder nossos defeitos por causa do julgamento alheio?  Se pudermos mudar, que mudemos; mas se não pudermos... que possamos ter a nossa própria compreensão incondicional em primeiro lugar e depois a compreensão alheia que sempre será condicional! 


-Gabriel Meiller

quarta-feira, 10 de abril de 2024

Aceitando a dualidade

 

A ânsia em maximizar a alegria e evitar a tristeza é a verdadeira desgraça do ocidente. "Não crie expectativas, não se apegue tanto, não fique triste..." são frases comuns e que possuem o objetivo de separar a alegria da tristeza. Isso é absurdo! 


A beleza de aceitar as emoções e todos os polos da dualidade é ser inteiro. "Para ser grande, sê inteiro" disse o poeta Fernando Pessoa.  E ser inteiro significa aceitar cada parte de nós: as partes sombrias e as solares; os sentimentos bons e ruins, o bem e o mal que anda à nossa espreita. 


Covardia maior seria fugir do que nos incomoda e aceitar somente as alegrias. As alegrias não são alegrias sem o parâmetro das tristezas para nos ajudar a avaliar o que é bom. O bom, além de subjetivo, é inexistente sem o ruim. Só existe conhecimento se houver a comparação entre as partes que formam o todo.


É razoável abraçar a tristeza, assim como a alegria porque a dor é tão próxima do prazer... como cantou Freddie Mercury. 


-Gabriel Meiller 




quarta-feira, 3 de abril de 2024

Mortes, rupturas e renascimentos

    



Depois da grande tragédia raiou a esperança como o sol inesperado que surge por de trás da nuvem negra. O caminho da cura muitas vezes é a doença, bem como o consumo que a chaga traz ao seu refém.  Os limites que são cruzados se revelam como novas linhas de partida; limites devem ser cruzados, mas o cruzamento deles pode nos levar à quase loucura. Entretanto, quando conseguimos sair do turbilhão da nuvem negra em que estávamos envolvidos, nós renascemos no sol como fênix. 


Um homem/mulher não é definido pelo que é... mas pela capacidade de ser diversas novas versões de si mesmo(a). Sim, a possibilidade de ser é muito valiosa; o tolo se apega sempre ao que foi e se prende no passado. Mas aquele que está disposto a encarar o abismo e receber dele uma encarada maior (e o abismo é sua vida interna), se torna a verdadeira fênix.  


Eu já morri diversas vezes nessa vida. A grande primeira ruptura e morte foi quando eu decidi abandonar toda uma criação religiosa que me aprisionava e me alienava do mundo. Quem vê minha admiração por Nietzsche sabe do que estou falando. Essa morte para a crença em ideais religiosos e metafísicos foi a que mais me deu vida e vida em abundância. Mas sabem de uma coisa? Volte e meia substituímos nossos antigos ídolos por novos... e sempre será assim. Então me aprisionei novamente na ilusão de que uma pessoa poderia me fazer completo e toda aquela ladainha do amor romântico. Mais uma vez me tornei prisioneiro das minhas emoções que, no ímpeto da juventude, não repousaram até que eu me desfigurasse pela exaustão de fazer uma relação falida dar certo. 


Percebi, após o ocorrido de 4 anos, que o problema estava não somente em mim e na pessoa. Estava também na estrutura com a qual aprendemos a amar românticamente alguém.  Em relações desse tipo o exclusivismo emocional cerca o casal e o sufoca!


Amorosamente falando, esse (des)afeto só pode ser direcionado ao cônjuge e a mais ninguém. O sexo também só pode ocorrer com o escolhido(a) e mais ninguém. O que isso significa senão comer batata frita todos os dias até vomitar? Aí estava o problema para mim! Eu não sou daqueles que se contenta em comer batatas fritas todos os dias; eu gosto de comer um bife a parmegiana em um dia; uma lasanha em outro; um purê com carne moída em outro dia e por aí vai. Então, assim como a religião me trouxe dor de cabeça e eu decidi romper com isso... o amor romântico (uma quase religião) me deu outra dor de cabeça terrível e também decidi romper com ele. 


Agora, após outra morte e renascimento... eu quero ser um espírito livre. Daqueles que vai aonde o vento lhe impelir, navegando os setes mares e vivendo a vida como bem entender e desejar. São rupturas minhas e de mais ninguém ou apenas aos que enxergam a vida de forma semelhante.


-Gabriel Meiller 

terça-feira, 2 de abril de 2024

O brincar alegre

  A vida é o brincar alegre dos espíritos humanos: a cada momento em ser algo diferente. Eles se servem de ideologias, dogmas ou qualquer outro acervo teórico para que leiam o manual da brincadeira. Alguns se perdem no manual e deixam de brincar, já outros esquecem até das regras fundamentais do jogo. Que importa? Vale a diversão, valem as explorações pelo mundão em céu aberto. Vale, desta forma, o ir sendo a cada momento uma diferente versão de si mesmo a cada dia, a cada ano, a cada época! 


"Para ser grande, sê inteiro", disse o poeta. E acrescentou: "Nada teu exagera ou exclui".


-Gabriel Meiller 


domingo, 31 de março de 2024

Vamos falar sobre afetos



Afetos são inclinações que fazemos (aos) ou recebemos  dos outros. Afeto vem da palavra latina "affectus" que significa "disposição, estar inclinado a algo..." e affectus vem de "afficere" que significa afetar, fazer algo a alguém.  Pensando a dinâmica dos afetos nas relações, estamos sempre inclinados a fazer algo a alguém, ou alguém sempre está inclinado a algo para conosco. 


O que é a relação senão um jogo complexo de afetos que envolve a todos que nos rodeiam? Somos afetados, mesmo quando fingimos que somos indiferentes, pois a indiferença é o fim de um afeto... seja bom, seja ruim. Somos afetados! E sair dos afetos é a indiferença que anseia o isolamento desse jogo de afetividades. Desejamos geralmente as "afestividades", isto é, os afetos bons, que lembram "festas". Mas a vida é um festival de afetividades em que não podemos escolher o "à la carte" em que só os "bons" afetos são escolhidos. 


Os afetos são neutros... nós é que sentimos eles como bons ou ruins e decidimos agir em reação a esses estímulos.  É por esse  motivo que o ódio é um amor em sentido contrário, querendo reivindicar algo; e por esse motivo que a indiferença é a desfeita do amor e do ódio. A indiferença é o caminho para fora dos afetos por causa de afetos ruins do indivíduo que está cansado. Ele deseja a solitude e a recuperação. 


Mas e se quisermos falar sobre afetos em relações amorosas? São essas relações que reivindicam a maior e também a mais cobrada "afestividade". "Relação" virou sinônimo de "relação amorosa" assim como "Gillete"  é o sinônimo de lâmina de barbear. Esse reducionismo, essa violência etimológica transparece que a relação verdadeira é somente a relação amorosa para grande parte do senso comum. Explorar os meandros das relações amorosas e monogâmicas se revela um terreno pedregoso a ser percorrido pelo fato da maioria das pessoas sofrerem pela possibilidade de compartilhar afetos exclusivos dessa relação que possuem com seu cônjuge. A ideia de dividir pessoas é absurda ao nosso imaginário... e então nosso desejo de rotular o outro como nosso namorado(a) é uma segurança emocional para que pensemos que ele(a) é nosso e não poderá nos deixar ou nos trocar.


 Com isso, estamos alimentando a ilusão de estabilidade e segurança que um rótulo nos oferece.  E se nos relacionássemos com pessoas sem rotulá-las em amizade, namoro ou algum outro gênero de seccionamento de afetos? Para a grande maioria isso seria um tremendo caos, bem como para a jurisdição brasileira. 


Um amor livre, sem rótulos... provoca um tremendo afeto na sociedade: o sentimento de surpresa e desorientação.  A sociedade não está preparada para relações sem rótulos justamente porque se construiu em cima da posse do outro! "Ele é meu! Ela é minha! Eles são meus!"  Mas a ilusão de segurança do pronome possessivo também gera problemas por causa dessa energia de querer controlar o outro em diferentes escalas. As escalas mais comuns são dos maridos possessivos que não deixam a mulher sair com amigas ou nem mesmo sozinha. Todos nós já sabemos do óbvio. Mas e as situações menos óbvias e mais inusitadas e que também podem nos estressar? 


A grande questão não é ser monogâmico, poligâmico ou sem rótulos nas relações humanas. A grande questão é como nos sentimos ao nos anularmos pelo sentimento de posse e de controle sobre o outro; ou por causa do controle que o outro exerce sobre nós.  Há pessoas que certamente amam a monogamia e vivem tranquilas e reagem bem a esse sistema de posses.  Mas e aquelas que se sentiram peças fora de um quebra cabeça monogâmico? O sistema naturalmente nos ensina a seccionar afetos e enquadrar cada um em uma caixinha.  Mas e os rebeldes,  aqueles que não querem esmagar seus desejos e inclinações que não se encaixam no grande status quo? Esses sofrem e se culpam por não se encaixarem na estrutura. 


Mas esses aprendem, mais cedo ou mais tarde, que: se a estrutura quebrou eles... eles quebram a estrutura! E vivem como bem entendem dentro de suas perspectivas como espíritos livres. Essa é a oração daqueles que são fiéis a si mesmos e aguentam o "peso" da liberdade de serem de si mesmos! 


-Gabriel Meiller

sexta-feira, 29 de março de 2024

Adeus, minha querida.



"Adeus, minha querida" disse eu a mim mesmo e me referindo ao amor que me acompanhou por muitas estações. Esse ciclo se encerrou, definitivamente! E durante esse ciclo as emoções foram intensas, tão intensas que se revelaram um fogo que purificou a minha dependência emocional; que me deram um renascimento da tristeza profunda e da melancolia.  

O peso que me assolava foi como um casulo apertado que trouxe a mim o hercúleo trabalho de criar músculos que o rompesse na hora certa. O casulo se rasgou e meus músculos, agora fortes de tanta  tentativa de desvencilhamento de emoções de apego, se revelaram fortes para suportar as minhas asas! Ah, essas asas... são asas de liberdade que me revelam como uma borboleta. Estou livre, constatei, estou livre de emoções que me aprisionavam. E meu ego que estava frágil e cansado de tanto se moldar aos outros... encontrou originalidade e a sua régua que mede o mundo à sua forma. 

Entendam, meus caros: o peso da liberdade é um exercício que nos capacita a bater asas e voar. Mas o peso da obrigação, de uma relação falida... é uma âncora que nos afunda para o fundo do mar. Eu quero os céus, o ar livre e puro! Não quero as profundezas insalubres de oceanos daqueles que são mal-amados. A mim serão reservados os muitos amores e as muitas pessoas que quiserem o peso da liberdade! Em meu mapa astral o aspecto geminiano é selvagem e sedento pelos ares como uma borboleta que saiu do casulo. Em gêmeos, três planetas estão na casa 06, incluindo vênus... incluindo a fuga, a fuga da monogamia. 

-Gabriel Meiller

sexta-feira, 8 de março de 2024

"Não seja bicho do mato"



"Não seja bicho do mato..." era uma frase que constantemente eu ouvia de algumas pessoas. Principalmente da minha avó materna e da minha tia,  irmã do meu pai (um bicho do mato até hoje). Esse relato que estou dando andamento é uma epifania que vai me fazer sair dos trilhos da apatia social. "Será?", penso eu. Não sei... é tanta coisa que envolveu minha criação e que me moldaram através de uma referência paterna ausente e apática pela depressão... que eu temo trilhar o mesmo caminho e que, na verdade, já tenho trilhado. 


Me sinto como em uma mesa de cirurgia com o peito aberto e na presença do cirurgião:  eu mesmo. Eu tenho alguns assistentes, como o meu terapeuta! Ele é um facilitador, através de instrumentos e perguntas que fazem com que eu me reveja por outros prismas. Meus alunos do fundamental II também são outros assistentes que me ajudam a compreender que existem outros modelos paternos mais "normais" e extrovertidos que diferem do modelo que eu tive. Tal aluno contou uma vez que seu pai o levou a um bar e estava jogando sinuca com os amigos. 


Atordoado eu pensei: mas... meu pai nunca fez isso comigo. Meu pai não tinha amigos próximos, não tinha encontros e interações com eles. Minha mãe deixava de ter amizades porque meu pai era um controlador que usava a Bíblia e sua autoridade de "sacerdote do lar" para manipulá-la e "colocá-la no quadradinho".  Então... por esse vácuo de modelos de relações atrofiadas, eu cresci igualmente atrofiado socialmente. É verdade que eu tinha outras referências na escola e na casa da minha avó. Entretanto, para o mundo de uma criança vulnerável... os pais dela são seus heróis e o modelo  psicológico deles é seguido de forma inconsciente. O tempo que eu passava e convivia em casa com eles era esmagadoramente maior do que em outros ambientes. Além dessa alienação social, também tive a alienação existencial por conta da bolha religiosamente evangélica em que fui criado. Jogos de violência, assistir Dragon Ball, falar uns palavrões, músicas seculares? Nem pensar... as repressões vinham por parte da minha mãe e do meu pai. "Cuidado olhinho o que vê, cuidado boquinha o que fala..." repressões didáticas e sistemáticas aconteciam, ainda por cima. 


 A criança é como uma argila molhada facilmente moldável em temperamento e personalidade. Esse fato me fez reproduzir os modelos que eu presenciava e dava valor: o modelo dos meus pais. Desta forma, o fato de crescer em uma bolha evangélica e em uma bolha antissocial, me atrofiou e me marcou profundamente. Meu pai entrava na casa da minha avó e não dava um "Bom dia, dona Paulina, tudo bem? Como estão as coisas?" Ele "entrava como um burro e saia como um cavalo" ou "entrava mudo e saia calado" como ela mesma dizia. Eu cresci absorvendo esses modelos e hoje... meus "Bons dias " são muxoxos e apagados, muitas vezes substituídos por um "Oi..." desprovidos de um "tudo bem?". 


"Ah... esses protocolos sociais me matam" pensava eu, sem entender o motivo. Agora eu entendo o motivo: não aprendi a ter ânimo em socializar com as pessoas. Estou me colocando como uma vítima, eu sei! Calem-se os mais críticos que vão me aconselhar ao seguinte: "Ta bom, mas você não pode ficar pensando no passado, precisa mudar."  'Sim.." eu diria. E continuaria de forma firme e conclusiva: "Mas eu não tinha pensado no passado por esta ótica e de forma tão clara. Então eu preciso, SIM, me colocar como vítima para entender meus traumas e saber como minha mente foi programada para que eu fosse um bicho do mato cristão." 


Bem... hoje não sou mais cristão, mas ainda sou bicho do mato. Me livrei da alienação religiosa, mas também preciso me livrar da alienação social e sair da caverna. Por isso, processar  o sofrimento e suas causas no processo terapêutico é vital para a libertação. Estamos falando sobre a cura pela fala e o que ela desencadeia em nós mesmos. Mesmo sendo formado em psicanálise, minha mente reverbera: na casa de ferreiro, o espeto é de pau! 


Depois de todo esse processamento nas ruínas da minha  própria caverna posso ir à luta e trabalhar na mudança desses padrões inconscientes. Mas nesse momento, meus caros, meu peito está aberto. É necessário fechá-lo com pontos para que ele cicatrize. Eu poderia expor mais coisas que provêm lá da época do meu avô, mas isso daria  em um buraco muito mais profundo e que poderia ser resumido no seguinte: 


A estrutura familiar da família do meu pai é conturbada nesse aspecto e essa conturbação chegou até à minha argila úmida da infância e hoje sou uma pessoa conturbada e antissocial com muitos e em boa parte do tempo. 


-Gabriel Meiller

domingo, 4 de fevereiro de 2024

Deus um delírio: uma sátira ao Deus cristão



(A sátira a seguir deve ser levada como uma crítica antropológica ao deus cristão e às construções que  os religiosos fizeram deste ao longo do tempo. Não é uma crítica a deus ou à fé em si. A sátira contém ironia e linguagem chocante de forma proposital, peço a compreensão alheia.) 


Quem é o Deus cristão? É um homem branco machista e heteronormativo  que se importa em como as pessoas usam suas genitálias. A regra é clara... quem der o c# vai para o inferno; "Como pode isso?" se perturba Deus de seu trono sublime, ao ver uma suruba de homens. Quem uma vez já se incomodou com Sodoma e Gomorra, como não se perturbaria novamente com as orgias modernas? 


Deus é o fiscal de rabos, abortos e relações antes do casamento, bem como divórcios. Deus só não é antissemita porque a Bíblia é uma invenção dos judeus e seus ancestrais.  As pessoas olham para os céus envergonhadas e escutam um "Eu vi, hein..." de Deus. Sua onisciência, onipresença e onipotência está a serviço de seu pavio curto homofóbico e seu nojo com cigarros e bebidas. Mas até Deus tem seus preferidos, hehehe. Os pastores viciados em pornografia, os padres que praticam coisas sujas... bem sujas com os seus coroinhas. Os políticos da bancada evangélica e pastores que levantam dinheiro para o Reino dos Céus e ganham 100% do valor como comissão também são elogiados. Edir Macedo está entre os seus melhores estagiários: um homem santo e rentável (a favor do aborto, a propósito). 


Óh, que Deus generoso, não? Pensávamos que ele era agiota, mas o julgamos muito mal! O perdão e a misericórdia dEle são exclusivos para homens conservadores cristãos que "agasalham um kibe no sigilo". Entenderam essa? Aqueles que cedem suas portas dos fundos, como por exemplo: André Valadão, acusado por travestis que já pegaram o ex-integrante de Diante do Trono por trás. Vejam os vídeos antigos de como ele era um espírito alegre e gesticulava de forma inconfundível... como um belo afeminado. 


Deus também tem eleitos: pessoas que foram escolhidas antes da criação do mundo para irem ao céu. Deus escolheu seus eleitos e predestinou os não-eleitos ao inferno; essa é a doutrina da dupla predestinação calvinista: um surto coletivo. Nela Deus não é nem um pouco democrata; ele é parcial e soberano. Ninguém pode colocá-lo contra a parede, muito menos julgá-lo segundo valores do século XXI. Ele já escolheu seus valores: são da Idade do Bronze. Ele ama a submissão feminina,  se incomoda quando um cristão pensa em tomar uma lata de cerveja... e sentencia ao inferno quem fuma m#c@nha. 


Quem é Deus? Tudo e nada. Ele é o que as pessoas quiserem que Ele seja, afinal. Deus é a inclinação humana para aplicar a moralidade de forma subjetiva e cagar regrinhas. Deus é o desvirtuamento da moral religiosa de cada nação. É por isso que eu fico com o Diabo: ele é coerente e sempre faz o mal. Alguém já disse que o Diabo queria salvar alguma vida? Não. O Diabo sempre quis matar, roubar e destruir; o Diabo é confiável mesmo em sua maldade. Ele incentiva as pessoas a beber, fumar e se divertirem como se não houvesse amanhã. E quem as manda ao inferno? Deus. O Diabo somente as acolhe. Não foi  Deus quem escolheu, antes da criação do mundo, quem seria salvo?  Sim!  O Diabo, coitado, é usado por Deus de forma infame, sendo apenas mais uma vítima das peripécias do "Criador do Universo". Ele fez um teste sádico com Adão e Eva para ver se eles o obedeceriam, mesmo sabendo antecipadamente que não. 


O que há de errado com o Criador? Vamos convidá-lo a sentar no divã e analisá-lo. Poderíamos especular que Ele tem complexo de inferioridade. Talvez seja um baita narcisista, visto que  criou o homem à sua imagem e semelhança (não foi o contrário? Se perguntou Nietzsche...) e depois o testou como um cãozinho que deveria ser adestrado. Que tal adjetivarmos a Deus? Ele é caprichoso, orgulhoso e sádico; esse Ser onisciente anteviu todo o sofrimento de todos os seres antes de criar o Universo ( inclusive de Jesus) e mesmo assim Ele criou o mundo. 


 Desta forma, podemos concluir que Deus é uma grosseria ignorante e uma obscuridade enigmática. Esse  esquizofrênico que se diz amor, disfarçando seu ódio pela justiça, tem um ego e uma masculinidade frágil quando se irrita com todos os que usam seu ânus ao terem "relações antinaturais" com outros homens. (Menos os seus prediletos, é óbvio.) 


A todos desejo que o Diabo vos carreguem... e que Deus acompanhe os meus piores inimigos, amém. 


-Gabriel Meiller